conquistamos nossos desejos e
me pergunto: quem sente a ausência
de uma árvore morta na última estação?
Escrevo porque não posso frear o impossível: controlar as vozes que nascem poeticamente em mim, como a beleza irrefreável do crepúsculo - é a arte quem me guia. Nesse mar há paixão e verdade essenciais a mim, tanto quanto o oxigênio; de modo que é nisto que contém sentido: tornar-me legível (para mim mesmo), ainda que minha caligrafia seja de certa forma ilegível.
A imponente lua desta vida veraneia, sem o meu brilho estelar,
tudo vê; e eu nada
possuo – sentindo apenas o previsível:
o mesmo em si;
ensimesmado pelo medo do mesmo apagão diário.
A beleza toda
do mundo aponta ao insignificante destino:
mentira do
olhar, dos sorrisos, das roupas festivas
e do corpo
dançante sobre a alma inerte: segredos obscuros.
Descanso de dia.
À noite, sobrevivo.
Apavoro-me com
o dia: a luz dos humanos perdidos.
O sol cala verdades
poéticas, entorpece meu prazer
qual falácia destruindo
sonhos – fé insana.
Quero a
escuridão, a companhia dos espíritos que vagam,
sedentos pelo prazer
e pela utopia avessa à razão,
e tudo que amenize
a dor de tua ausência, minha alma penada!
Pois o mundo,
com toda a sua alegria insossa e consumista,
matou a
esperança de enxergar na luz– alguma razão:
criança que
espera em vão pelo retorno de sua amada mãe.
Antes de amanhecer, a neblina
encobre o bosque, a algazarra de espíritos sombrios harmoniza o labirinto de árvores
acima do pântano, e assim adentramos o tenebroso caminho, pois o desejo que nos
une é de fugir da simplória vida humana.
O inverno na escuridão da madrugada
é liberdade, a paz é tão viva no cemitério das ilusões, e eu me apaixono todos
os dias pelo mesmo cadavérico amor– quão belas são as luas cheias em teus
olhos, amada morte minha!
Enquanto os vivos dormem, fugindo
de suas feiuras existenciais, o frio nos acaricia, a fuga já não tem razão, e desejamos
a mesma fogueira: nossa arte brilha mais que a dor, pois matamos o que nos
matava para eternizarmos nosso amor.
Agora, toda a nossa festa no
mundo dos mortos de tanto amar, é como um sorriso (sarcástico de Deus) diante
das loucuras da desumana Terra.
O mundo festivo se tornou neste belo corpo falecido, abraçado à insensatez das horas, mergulhando o véu e a grinalda na lembrança romântica: a brisa matinal se levanta enquanto a moça se deita sobre a areia da praia, observando a maquiagem desfeita no espelho d'agua, que clareia e reflete o céu nuvioso e calmo – que se tornou o seu embaçado rosto.
Velado pela lua minguante, o buquê de rosas casamenteiras se enterra na areia qual crisântemo– vida suprimida no túmulo. Silente, a noiva abandonada guarda sua aliança nas ondas, degusta o nobre champagne, desenha um coração na maciez úmida que se desfaz na amarga espuma, rega seu vestido ouro branco com flores chuva de prata; mas nada procura, nem mesmo quer se encontrar, apenas se entrega à força da natureza.
Defronte ao mar, que canta a eterna bossa de sua melancolia, todos os dias as ondas entoam a mesma marcha fúnebre, afogando os sonhos, lançando à areia as lembranças felizes, levando o espírito que insiste em se apegar ao corpo funesto corpo.
A lua imensa e próxima também é
frívola sob este mármore negro, iluminando o tempo em que sua boca se pintava
ao meu beijo. O fugidio sol de inverno entre nós, qual flor de vida breve, é
navio que, mesmo indo ao encontro de quem o espera ansiosamente, jamais chegará.
Aguda e gélida, a brisa estremece o corpo e remete à alma todas as cartas e amores desejados que não chegaram aos seus destinos. O crepúsculo delongado dorme aos braços da noite, desdenhando a crueldade humana: o velho que acende o cachimbo, e com seu olhar vespertino, da calçada, vê a beleza que passa alegre na rua, ignorando toda a antipoética existencial.
Feito acordes de violino anunciando a chegada do mundo sonhado, dançam os galhos secos e os guarda-chuvas à sinfonia fúnebre da chuva tranquila e duradoura, abraçam-se os convidados do velório, e o sepultamento encerra as pretéritas lástimas: o antigo mundo inexiste, tudo é melancolia de inverno, a beleza triste do nosso túmulo, a eternidade em lírico descanso.