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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Lírio em lirismo

 


No tempo da guerra, novos absurdos alucinam ─ o resfolegar pelo oxigênio puro após a experiência quase morte... A aparição da perplexidade é sempre um afogamento, o deboche dos deuses para a fuga que é a paz da tristeza solitária... A guerra primaveril é como o amor, uma contradição, implicância do destino: afogados que já não movem seus corpos contra a morte, os olhos amantes se fecham, as almas perdidas se esvaem, sem o ar pesado de outrora, entregues à sorte cotidiana dos afetos, pois da morte que representa todo o amor, os vencidos são sempre os vencedores...
Por toda a noite entorpecido de lisérgico, ressurge o lírio trombeta em singular lirismo, entre o charco do terreno abandonado, suas luzes e cores loucas anestesiam, colorindo os malpassados com as fumaças que brotam de seus risos primaveris sob a lua drogadiça.
As auroras ébrias bebem os medos, bailam desengonçadas em euforia, fumam as dores de outrora, como se as prazerosas companhias não roubassem a amiga solidão e o amor jamais apagasse a luz da bela tristeza. Ao passo que as garrafas alcoólicas rolam felizes pelos cantos, gira o céu festivo, encimando cogumelos e chás, as guimbas deslizam pelo asfalto gelado da manhã, e as metanfetaminas celebram a morte do amor romântico e o nascimento dos ciclos de outras dimensões, pois para certos corpos e copos, apenas o excesso é capaz de preencher.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Labirinto encantado - Sergio Martins



Uma borboleta laranja senta-se no chão, perto da amoreira em câmera lenta.  — Vídeo de Stock © van_yog #240063896





Há tempos, ouço a suave voz: “borboletas no estômago”. Até que, semelhantemente aos importantes eventos que acontecem na distração, percebi uma borboleta sobre uma amora. Amei a cena! Entendi a razão de as borboletas se agitarem no meu estômago: fiquei enamorado.

Namoro é coisa de adolescente, feitiço que possui a alma dos distraídos... Eu sei disso porque nunca passei dessa boa fase, como se houvesse uma conspiração do destino em me aprisionar nesse labirinto encantado (adolescência); portanto, aqui onde o olhar poético é o modo mais cristalino de pensar a vida (tenho um caso de amor com a vida), todos os dias são novos e meus\dos namorados...

Borboletas no estômago ou acima de amoras são mágica metáfora: a maior novidade, o singular fascínio para este adolescente... Metamorfoseando a alma dos amantes, todo poético namoro é uma borboleta recém-nascida, e o amor é o seu sustento: a doce amora que nasce todas as manhãs...

Amar é ter parte de Deus. Os amantes sabem que estão enfeitiçados pelo pacto com a imortalidade, mas se sentem livres dentro do labirinto encantado, pois estão satisfeitos em representar a antítese de obscuros mundos – das lagartas que morrem em seus casulos.


segunda-feira, 1 de junho de 2020

Distopia - Sergio Martins

Vinho tinto derramar e formando formato de coração cartazes para a ...


Entre Bordelaine, Baudelaire e um barato bordô...
Os vampiros se divertem
Onde a neve é linda sobre as veias azuis...
Eles, sem máscaras, alimentam-se
Da terra dos diamantes de sangue
Que deslizam pelos lábios vermelhos
Da sagrada, carnuda e bela boca negra...

Entre Bordelaine, Baudelaire e um barato bordô...
Às costas do Cristo, pelo Velho Oeste, não há boulevard,
Mas as máscaras romantizam o perene clima flamejante,
Sempre perigando feixes de luz em estardalhaços...
Nesta terra quente há flores do mal sem Bodelaire:
Lírica liberdade em decadência, acalentos sofismáticos
E pragmáticos, analgésicos teosóficos me acariciam,
Entretenimentos e namoros embaçam a distopia
E, diante da utopia civilizatória, a religião atenua
Os outros, chateando-me os ouvidos, de igual modo,
A vitimização e os dramas entediantes dos privilegiados...

Entre Bordelaine, Baudelaire e um barato bordô...
Ébrios e nus, vemos o pôr do sol
E, tão logo, as taças se beijam: Tim-Tim!
Até se quebrarem em rima ruim
E ao conto de faRda – a Zona Onírica em estopim:
- Perdeu, neguim!
Mais um dia de cine Hitchcock, diabólico festim...
O cigarro relaxa a espera da Primavera Tupiniquim
Entre Bordelaine, Baudelaire e um barato bordô...

Sobre(a)ssaltados (Sobre os casos Adriel Bispo e George Floyd) Sergio Martins

Ainda segue sendo um sonho… – Intervalo em 5




Um por todos
Um por gordo abate
Um porco é divino
E feliz por apenas ser
Outros apenas são
O impropério vão
Da opaca constelação.
Um abatido em prol da minoria
Ainda é maior
E de tudo\todos
A melhor parte,
Que é valiosa
Pois é brilho-poesia.
Todos por um
Quando o desprezo ao desprezível revela
Que pobreza má é o desprendimento
Da origem de todos
Da sagrada Árvore-mãe
O colo do mundo que brilha
O bronzeamento em ouro
Preto e amores
A cor do universo modelada pelo sol.
Recalcado é todo joelho que não se prostra
À Mãe-raiz da vida
Bebe o sangue alheio
Massacra pescoços
E furta o oxigênio dos sufocados devotos.
Mas toda realidade é realeza, pureza e riqueza
Quando se cava as minas da África-arte
O raro e precioso diamante negro.

A morte do mito - Sergio Martins

A corrosão da democracia no Brasil? - Nossa Ciência





Todo mito é (re)criação: mimese, idealização... O amor nos faz mitificar o ser amado – amamos a imagem\representação... Nesse sentido, compreendemos o quanto o amor cria mitos monstruosos: o (pseudo) amor patriótico é sustentado pela fé cega e cruel, o amor ao dinheiro (Jesus disse que esse é a raiz de todos os males) é perigoso, pois dele se alimentam Ares, Thanatos, Hades...
Por outro lado, estilhaçada a imagem que criamos pelo amor, o ser mitificado morre, a idealização romântica fenece: o mito morreu!!! Isso mesmo, quando a representação perde lugar para a realidade, o feio aparece nas falas e atitudes do personagem principal, o ator revela sua vida, suas intenções, suas verdades... O mito morreu!!!

Na quebra de expectativa do (pseudo)amor patriótico, os sanguinários deuses do Planalto Central encenam o teatro dos horrores: eu lírico em deslirismos e o antipoético engenho (que é a catarse da burguesia vampiresca que se alimenta do sangue da plebe) sendo desmascarado à medida que as luzes do palco focaram no ator principal e revelaram novamente a antiga verdade: o rei está nu!!! O mito morreu!!!

É a democracia em pandemônio na Idade das Trevas contemporânea...
Diante da morte do mito, eu, este plebeu amante de Eros, Vênus e Afrodite, espero a Nova Era\Ordem\Consciência\Geração, tratando apenas de tratar com os simples e prazerosos amores, aqueles pelos quais eu vivo e morro – feliz – não sei viver pelo que faz falecer ou é falecido, pois sou serviçal da vida. Foi o mestre Rubem Alves quem me ensinou: “quem está possuído pelo amor não se move bem nas coisas do poder”.

domingo, 10 de maio de 2020

Estrelas – Sergio Martins







À noite, acendiam-se as luzes dos barracos. A favela brilhava, degradando a reputação e a paz dos suntuosos casarões, num espetáculo de cores: traçantes estampidos aturdindo silêncios e sonhos...

Mesmo silente, o morro gritava seus tortuosos becos: ser mudo e ao mesmo tempo poesia...


A comunidade é um palco alvejado por suas próprias estrelas...







Lua boa - noite! — Sergio Martins





Eu amo hoje.
Sinto o agora.
E isso me basta.

O sol é belo. Às vezes, o quero – e só – para mim:
o fogo que me acende, ascende-me a novos palcos...

A lua e suas fases é a face desta mulher...
Ela, minha estrela-guia, neste instante é tudo o que sou:
céu desnorteado pela noite, um véu desvairado que só permite a nudez dos olhos (complexa leitura), o açoite que, sem querer, destroça o amante...

Desejo o dia inteiro e, inteiramente, bebo seu corpo e sua alma, mas o momento degustado nunca é minha fome futura...

De madrugada, acompanho todas as danças que movem minhas luzes....

Pela manhã já sou outra: a mesma lua mutável.

As auroras me falam sobre os amanhãs: as verdades que sempre desconheço.

E isso me basta.
Sinto o agora.
Eu amo hoje. 



terça-feira, 28 de abril de 2020

Origem e destino - Sergio Martins








Origem e destino...

A terra é o homem: tudo o que ambos (se) plantaram.

Origem e destino...

O homem é tudo o que permanece: após a cansativa travessia, o descanso em paz de sua terra.

Origem e destino...

terça-feira, 14 de abril de 2020

Tema para triste canção



Quando resolvemos caminhar juntos, a estrada era escuridão, mas ainda havia luz, bem lá no alto, muito à frente...
- Estrela minha, alma querida!
Havia um buraco, um poço oco e frio...
Eu não me lembro bem como tropeçamos, pois nós apenas seguíamos nosso caminho
 - nossa sombra, aquela sombra densa que pesava, nos guiava...
Ainda olho para aquela luz, sozinho, num errante caminhar...
Agora sei, meu colo materno, quando morremos, nos tornamos apenas o que somos: espíritos...
Eu voltei ao teu colo, minha Estrela-mãe, aqui onde os espíritos colorem esses dias cinzentos...

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Realejo - Sergio Martins




A realeza é o que sempre foi: a beleza do diabo.
Decoração e estilo sem funcionalidades, estética-démodé, concepções e nascimentos em ruínas, esquisitices de conceito e estrutura...
É bonita a realeza? A quem tenta convencer o capitalismo com suas engenharias suntuosas, virais e mortíferas? São magníficas, sombrias e vazias as construções do seu antigo fracasso que aponta a iminente decadência neste adoentado presente, como a celebração funesta da Páscoa dos que esperam o prometido paraíso da meritocracia.

Comamos chocolate! Bebamos e festejemos, pois a nobreza é o novo vírus, a rainha é a louca cruel dos seus reis em xeque-mate! As princesas são as capitais doentes e fúteis, suas drogas são doces, mas enjoativas, e os seus dependentes assistem as danças à sinfonia de suas mortes, após serem seduzidos e aprisionados.

A riqueza genuína ainda rima com a beleza:
O oprimido é sempre maior que o opressor,
pois é dele a alma real, a honra e a pureza;
de suas noites, o sono tranquilo é o senhor.

A páscoa-paixão dos plebeus é a comunhão em boemias:
aqui embaixo, todos os dias há intensos amores e alegrias
do peixe ao pão, dos vinhos aos bons desejos,
reinam a gratidão e a amizade nos pobres vilarejos,
em todos os realengos ouve-se a euforia dos realejos,
o populacho, embriagado de alegria, canta o sábio ditado:
"É melhor a feiura em paz que a beleza do diabo!”

terça-feira, 7 de abril de 2020

A Luz do amanhã II - Sergio Martins





Horas-noites, dores que anulam as vozes... silêncio rasgado ao pêndulo do relógio: solidão refinada é o privilégio que só os livres podem gozar, pois mesmo rodeados de pessoas, transcendental e singularmente estão à companhia de si mesmo.

À corda aflita do relógio, acorda o dia em paz. Abre-se a mesma flor: o prazer de florir os dias não acordados...

Quando a celeste lâmpada desabrocha (a flor das minhas noites), sinto não pertencer aos mundos que pouco conheço e sorrio apenas por estar sob o imprevisível - o que me espera é só que tenho: o presente faminto de novas fomes... É que neste novo mundo em confinamentos plurais, a cada dia estou sem endereço, ainda que endereçado numa via desconhecida, abrigado somente pela enigmática Luz do amanhã.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

De dentro para dentro - Sergio Martins

Chakras: o que são e como funcionam os 7 centros de energia





No mundo onde ser bom é estar em penoso retrocesso e cuja rotina é a aparente decadência do bem, o presente parece não traduzir novidade satisfatória, sendo apenas uma trágica repetição. A maioria das pessoas é como barcos atracados que jamais saíram do cais, por isso, resiliência é mergulhar para dentro de si sem se perder do mar...
Sanidade é seguir à frente...
Abra mão das aparências e das batalhas vãs, presenteie a ti mesmo com o que tens de melhor. Até as verdades absolutas se equivocam, mas o mal é fracassado por essência, pois desconhece o sabor das alegrias que provêm da bondade, da generosidade, do perdão, das flores colhidas após a angustiante semeadura... 
Pare de lamentar-se pelas escolhas erradas, pois sua mente não é mesma de outrora... Somente abrindo mão das mágoas que nasceram da incompreensão, ingratidão, inveja, do ódio e de outros tóxicos, que conseguimos receber e valorizar as pessoas e os sentimentos que realmente valem a pena.  Pessoas amadas partem, outras vêm... A autoestima inclui a consciência que nenhum relacionamento sobrevive sem a troca justa de afeto, de resto, haverá apenas a inútil e desesperada tentativa de um convívio infeliz consigo e com o próximo, semelhante às artificiais publicações da vida íntima, todas com sorrisos falsos e mentirosas companhias, como se a moda fosse a violência contra a felicidade própria e alheia num ringue de competitividade de quem é mais fútil, triste e piegas...
Sanidade é seguir à frente... 
Tenha orgulho de quem és, de suas construções e desconstruções... Possua um espírito possuído pela vida - sonhada, real\realizada... Que sua alma seja abrigo de pessoas e sentimentos leves, longe das relações utilitárias e sombrias. 
A solidão, o confinamento e a saudade nunca são trágicos quando não nos perdermos de nós mesmos, dos olhos pueris que enxergam beleza, dos lábios que sorriem a poesia viva de cada amanhecer...
Sanidade é seguir à frente: devolva-te a ti mesmo. Traga tua alma à tua alma, retorne ao seu lar. 
Siga à frente - pelo caminho a nós designado: para dentro de nós mesmos...
Continue sendo apenas você e nunca a projeção de outrem. Bobagem é tentar ser os outros... Seja bom – para você mesmo, abra mão da autocomiseração e do orgulho de moldar os outros ao seu mundo, deixe a vida fluir de dentro: a humildade é honraria divina, a valorização da simplicidade é o gracejo, o enfeite, o riso de alegria produzido no cenário caótico, a paz e a liberdade são inegociáveis...
Sanidade é seguir à frente...

sábado, 28 de março de 2020

Ensaios antivirais - parte V - Sergio Martins

Solidão já é tratada como epidemia no mundo e impacta até na ...



O mundo contemporâneo e suas formas de interatividade reafirmam que somos essa contradição: ninguém é uma ilha - no universo onde todo homem é uma ilha.
Distante da multidão, o mundo atual experimenta a nova solidão, a que é compartilhada-todos estamos unidos pela mesma solidão. Fugir disso é se prender numa dolorosa utopia, porque o confinamento nos permite refletir sobre o que realmente representa a liberdade do corpo e da alma... O caos revela os segredos escondidos e esquecidos pela distração: retornar aos afetos e aos prazeres da solidão, de modo que a busca de si no outro é um engano doentio e a dependência emocional é a violência contra o único caminho da paz interior, pois cada um tem suas próprias digitais, sua identidade e suas saídas...
Na solidão, entendemos melhor o inferno que são os outros - os que tentam matar a querida amiga solidão. É que a solidão representa vazio para muitos... Acho, dentre outras questões, que o pavor de estar em solidão é ausência de criatividade: “Se você não encontra o sentido das coisas é porque este não se encontra, se cria”. (Saint-Exupéry) Todo confinamento é crise se não tem criatividade, a novidade poética nos olhos que faz as manhãs serem novas e únicas... É claro que todo paraíso é entediante quando não há com quem compartilhá-lo, mas é a solidão que nos aproxima de nós mesmos e, distante de si, nenhum ser consegue se achar - bem no outro.
É óbvio que tenho saudade da vida sem quarentena, mas para mim, que vivo em recolhimento, a solidão é uma divindade indispensável à vida, portanto, como escreveu Nietzsche, também “Detesto quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia”; isso porque, todos os que os que repudiam a solidão sempre me ofereceram seus violentos vazios, de modo que parodio a música: Ter saudade até que é bom, é melhor que caminhar COM OS VAZIOS.
Quando a solidão não é doença e isolamento social não é apartheid, compreendemos, que a pior\real morte é experimentada em vida - em todo o tempo que desperdiçamos em ressentimentos e tristezas insanas e não desabrochamos o amor, perdendo-nos do caminho da paz. De resto, permaneço separado, embora junto na mesma solidão secular, pois “A natureza dos homens é a mesma, são os seus hábitos que os mantêm separados”. (Confúcio)
Retornando à contradição, eu preciso de outros sentidos, os que representam não-sentidos para o senso comum: “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada”. (Clarice Lispector)

sexta-feira, 27 de março de 2020

Ensaios antivirais - parte IV - Sergio Martins




Todo isolamento nos expõe ao espelho (monstros e ídolos), à possibilidade de (nos) aceitar e caminhar para dentro de nós mesmos\ autoconhecimento, mas precisamos ter cuidado, somos parte do que vemos do lado de fora, os monstros: “quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro”. (Friedrich Nietzsche)
Ora, todo monstro é criado pelo homem, pois o homem é o monstro-vírus-mor - o mal capitalista... O novo monstro não é o Covid-19, mas a antiga doença humana, o pecado capital (ismo) - a cultura do consumo que nos consome a alma é o monstro que criamos e que nos tornamos - de tanto olharmos para ele.

O Frankenstein contemporâneo é o egoísmo, o prazer pelo prazer sem filantropia, o utilitarismos e  a futilidade dos relacionamentos, a antiempatia, a vaidade de um viver vazio - o esforço pelo enquadramento na insossa existência que maquia o ódio e a banalização da vida...

O monstro também é revelador (políticos e religiosos se transparecem): o paraíso e o lugar ao sol oferecidos pelo capitalismo são fantasiosos, a sede pelo poder e o ter pelo ter é autodestruição... a vida é o bem maior - possuir sem ser possuído... Portanto, ignorar o monstro e suas verdades é a negação de si mesmo...

O isolamento social só é patológico quando não há a apreciação e a amizade pela solidão, o desconhecimento dos prazeres da solitude... Distantes da euforia e da aglomeração de pessoas, podemos refletir\ o reflexo do espelho, embora pensar, para muitos é doloroso (o silêncio é irritante quando ecoa a histeria da alma), todavia, é na introspecção que acontece o milagre, a oportunidade de encontrar a saída: ser si mesmo...
Ninguém é o mesmo após a experiência quase morte, sairemos dessa condição mais humanizados ou mais monstruosos... 

quinta-feira, 26 de março de 2020

Ensaios antivirais - parte III - Sergio Martins

Resultado de imagem para abismo


Nessa fase cuja vida caminha fragilizada e a saúde do pobre é banalizada em prol do dinheiro e poder, vi um homem catando alimento das lixeiras e dividindo tudo o que achava com seus gatos. Ali, recordei de Manuel Bandeira e da certeza de quem é o bicho matador de tudo o que é bom e bem:
Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Pus-me a observar aquele homem durante muito tempo, notando nele o abismo que traduzia meu ser - "E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti”. (Friedrich Nietzsche) Sair à rua é como brincar de roleta russa e o isolamento é pique-esconde com o bicho malvado... Eu brigo neste pique-pega infernal: o bicho pega o homem que pega o bicho... O bicho está pegando!!!


segunda-feira, 23 de março de 2020

Ensaios antivirais - parte II - Sergio Martins







A sonolenta luz do poste pesa mais fosca, letalmente ofusca os olhos-transeuntes que persistem achar algum sentido na calmaria mórbida que sufoca o ar de um medo resignado: o mundo hoje apenas é pequenez claustrofóbica e fria.
Caminha em minha direção a música romântica e antiga, flutuando o cabelo ruivo da copa da bela amendoeira, como se todas as árvores perdoassem as violências humanas... Estático, o sabiá canta tristezas de solitudes para todo o vazio existencial - ao longe, o diálogo interrompido, o monólogo sem ouvinte, o casal se divide, distancia-se pela estrada-despedida, a saudade de lá já amarga as calçadas daqui.

O agouro entardece todo o dia, a pressa da noite é um grito violentando o tempo, uma ventania enlouquecendo o lirismo cosmopolita...
Livre dos alucinógenos, os passos errantes caem no pensamento lancinante, no limbo cotidiano, pois são racionais e vãos... Sem a fantasia e a mentira-catarse, não há cura-droga que os possa salvar das verdades destrutivas... Portanto, a Pneuma filosófica e a Pneumatologia teológica perturbam-se, espirram a impotência, cospem a poeira cósmica e o pó terráqueo (que é absolutamente tudo), caem na apneia da cidade em pneumonia...

- O rei está nu! Denunciam os plebeus.

O reino está exilado no reino que sempre foi exílio: a cidade ensimesmada, encimada de cristos-críticos, decência-decadência...

Tosse um velho capim, outonando num canto qualquer de calçada. A garganta da flor diminuta está sequiosa pelo fumo do tempo e enchem-se de fuligens seus pulmões, ao tempo que estou num resfolegar de algum sentido, semelhante ao semelhante que não pode respirar - sozinho no mundo insensato... Em poucos minutos, uma poça d’agua destruiria meu rosto - a imagem e semelhança da des-razão nesse ininterrupto não-lugar.

Ensaios antivirais - Parte I - Sergio Martins





Eu tenho tarefas por cumprir antes de partir... A vida sempre se apresentou como um papel ofício branco à espera de minhas letras, como se o meu lugar fosse hedonismo, isolamento, morte-vida, filantropia... Antes de partir, não poderei partir-me... Serei inteiro para mim mesmo, pois amo a doce voz que me diz: “conhece a ti mesmo”, “torna-te quem tu és..." Esse outono (queda de temperatura) é um chamado: “cair em si”, adentrar o caminho do ser-si-mesmo...
Antes de partir, ao menos, farei o melhor nesse pior e excepcional momento, que nos abre portas para estar próximos de nós, dos semelhantes e longe de toda energia ruim - dos amantes do caos.
Antes de fechar meus olhos definitivamente, terei a certeza de não ter existido pelo que é falecido ou que falece, pois vivi em prol da vida... Mais e melhor que na adolescência, estou aprendendo a morrer (apenas para o que é necessário), de modo que já não sei morrer (desta antecipação de pânico e medo) antes da morte, é que só sei morrer de/pela poesia, pelo prazer, pela dor-alegria - Graça divina dada aos oprimidos...
Tenho experimentado (sem egoísmo e com pesar) a convivência com a destruição sem permitir a destruição das minhas emoções, num degustar estranho dos prazeres essenciais, como bem me ensinou Robert Frost:
"Os bosques são adoráveis, escuros e profundos,
Mas eu tenho promessas a cumprir,
E milhas a trilhar antes de dormir”.
Ainda que atingidos pelas ruínas, sigamos reconstruindo-nos e ajudando na reconstrução de um mundo melhor, pois a vida é bela - apesar de...



quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Ontem - Sergio Martins




                                 

 


           A cada manhã, o dobro de ontem.  

  De teu ser, meu enigmático encantamento, 

         provém além do que posso ser:  

a alegria dobrada do meu ser que apenas é todo                                               ontem

Minhas flores, meu templo - Sergio Martins




Celebro e reverencio tudo o que é divino. Aquilo e aqueles que me foram dados de Graça, dedico meu tempo, dinheiro e minha saúde. Minha liberdade, por exemplo, é sagrada, irresistível e inegociável: abraçar meu filho, conversar com minha mãe, pedalar bicicleta, jogar futebol com a galera, caminhar sem destino, viajar com meus amigos, fazer novas amizades, passear por aqui e acolá, divertir-me muito... Outra divina alegria é minha solitude, a que me acaricia com as coisas que amo compartilhar comigo mesmo: o cair da tarde espiritual, o banho de chuva em euforia, a dança ao rock psicodélico e progressivo, as calmantes suítes barrocas, as sonatas de Bach, os andantes de Mozart, os adágios de Choppin, a degustação de uma sobremesa que preparo, os poemas transcendentes de Adélia Prado e Cecília Meireles, os filmes existencialistas de Malick...
Na solitude, permito-me ao silêncio em companhia das flores que cuido. Vê-las brotando, florindo, sorrindo e se multiplicando é um milagre, alimento de minha alma! É preciso estar em silêncio para apreciar a beleza, pois toda palavra lançada sobre ela é vã, não há necessidade de explicá-la; por isso minha oração é silente - um jardim que cuido e floresce ao meu redor... Dessa forma, estou pronto para ouvir o Criador.
É difícil quebrar o silêncio com algo que seja mais significativo, portanto, diante da beleza divina, apenas ofereço meu silêncio como reverência. Em silêncio eu converso com minhas flores. Elas me ensinam muitas sabedorias... Olavo Bilac conversava com as estrelas, e para quem achava loucura, ele respondeu: “só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas”. Eu entendo bem o parnasiano príncipe dos poetas brasileiros, pois creio que apenas os que têm amor próprio e que amam essa vida e esse mundo podem, de fato, ouvir as flores - em silêncio...
Percebo e sinto Deus em tudo o que é contrário ao medo, desespero, à agressividade - barulhos que profanam a sacralidade calmante e silente do tempo-espaço... assim, entendo que meu maior milagre é não depender de milagres religiosos, mas perceber diariamente o milagre divino em mim mesmo, nesta paz que me transborda a despeito de tantas guerras...
Religião é o demasiado falar. Espiritualidade é silêncio de adoração. Em silêncio, posso ouvir o que me é essencial, o que me é vital à felicidade.
Minhas flores, meu templo - onde oferto meu silêncio em adoração. Em contato com essas mágicas alegrias, estou em comunhão com o Criador.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Minha oração - Sergio Martins



Não vejo graça em liturgias, rezas decoradas, repetições sem vida que silenciam a espontaneidade da voz da alma, barganhas em troca da salvação, infinitos sacrifícios que deslegitimam a Graça, exorcismos, vidências, histerias que violentam o silêncio divino... A razão pela qual fugi da religião foi apenas uma: senti saudade de ver - o que é espiritual. Isso mesmo, renunciei a religião e apeguei-me à espiritualidade - para ver melhor; foi a Cecília Meireles quem me ensinou:
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor…
Na Gramática, oração também pode ser ação, para a teologia, é uma ligação/conversa entre humanos e Deus, em minha concepção empírica, é simplesmente ver. Daí, minha oração só pode existir através da transparência poética; e poesia é abrir os olhos para ver, ou seja, é o modo mais cristalino que tenho de pensar a vida...
Tudo o que eu via na infância de divino maravilhoso era mediante o olhar poético, isso porque, a criança não está interessada em fechar seus olhos, e sim, os quer abertos para degustar toda a beleza divina - ora, é da beleza que vivem os poetas... Por isso, às 18h, quando tine o sino da igreja, abro meus olhos para orar: vejo o céu metamórfico e metafórico a brincar com meus olhos, trazendo o encantamento da infância, e logo percebo imagens animadas de nuvens, a cigarra louva, o sabiá permanece estático no alto do poste, como fosse eu mesmo; absorto e bobo diante do mágico crepúsculo, perplexo com a chegada da noite e com os passarinhos, esses anjos eufóricos dançando mais uma valsa veraneia...
Em todo cair da tarde há um “cair em si" que me induz à ascensão. Nesse instante divino e maravilhoso, não sei quantos anos tenho, mas sei que estou livre de não ser eu mesmo, adulterado pelo adultismo... Lembrei-me da música Divino maravilhoso a me encorajar:
Quantos anos você tem?
Atenção, precisa ter olhos firmes
Pra este sol, para esta escuridão
Tudo é divino maravilhoso
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte...
No mito do Gênesis, narra-se que Deus conversava com Adão e Eva no crepúsculo vespertino. O mesmo acontece comigo, pois aprecio no entardecer toda a beleza divina, como as sonatas calmantes de Bach. Assim, estou em comunhão apenas por ter meus olhos abertos para o que é essencial; de maneira que sinto-me como a lira de Orfeu ou a harpa de Davi: cântico prazeroso a Deus, capaz de serenar as discórdias e sensibilizar os filhos da guerra perdidos nesse pós-Éden... Não costumo fazer pedidos a Deus, por isso, desde o dia primeiro de janeiro tenho feito a seguinte promessa a mim mesmo: ver melhor. Meu desejo a mim mesmo é que eu jamais deixe de ser esta criança boba e calma diante das tempestades, que propague paz e luz, inspire alegria em meu sorriso e minhas palavras, como um Allegro de D. Scarlatti (após a triste sinfonia) que acabei de ouvir/sentir...
Para mim, toda travessia da tarde à noite é uma epifania; e hoje, após minha contemplação, adormeci, já sob o lençol da noite e guiado pelo Cântico IV – Adormece o teu corpo, de Cecília Meireles:
Adormece o teu corpo com a música da vida.
Encanta-te.
Esquece-te.
Tem por volúpia a dispersão.
Não queiras ser tu.
Queres ser a alma infinita de tudo.
Troca o teu curto sonho humano
Pelo sonho imortal.
O único.
Vence a miséria de ter medo.
Troca-te pelo Desconhecido.
Não vês, então, que ele é maior?
Não vês que ele não tem fim?
Não vês que ele és tu mesmo?
Tu que andas esquecido de ti?



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