
Durante a manhã há sombras melódicas em teus
olhos,
nos dias nublados você fica tão inebriante e
sedutora
quanto a morte que degustamos num Réquiem de
Fauré.
Quão bela é sua aparição nas fúnebres ruas:
o vestido preto, a sombria maquiagem desfeita
pela chuva –
fotografia do mundo falecido– rara flor da
noite!
Não quero o colorido passado, o céu ensolarado
nos irrita,
e já desconhecemos o dia; pois só acordamos à
noite
para dançarmos o lunar madrigal
ou a ópera carnavalesca das assombrações.
Almejo a rouquidão, o fumo e o uísque de tua
boca:
ao doce do teu batom preto, meu
apetite vampiresco.
Foi numa madrugada que conheci teus nefastos carinhos,
uma ventania gélida precedendo a brisa quente,
que me arrepiou todo o ser,
e me soprou aos ouvidos o meu medo mais
profundo,
antes do temporal despedaçar toda a vida que
eu conhecia:
o medo de morrer, na verdade era apenas a frustração
de
não realizar o desejo de viver tudo o que eu
sonhei.
Em meio às brumas você apareceu tão tenebrosa
e irresistível como as catedrais góticas,
e me tocou:
acordes sonâmbulos e desesperados do meu ser!
Você necessita do meu sangue e da minha
carne,
eu tenho muita sede de suas lágrimas e fome de
sua tristeza,
pois minha felicidade é também é a sua:
ter o nosso amor – que é de morte.
Minha amada taciturna, seremos só eu e você
nesta sinfonia fantasmagórica:
assistir o teatro dos horrores, plantar rosas
murchas no jardim doente,
inebriar à lira sinistra do inverno...
Nosso mundo será eternamente este solitário e
belo cemitério,
ao som de suas canções melancólicas ao
violino.
2 comentários:
Sérgio
Um texto algo taciturno a condizer com o título. Notória alguma melancolia, desprendimento e tristeza. Será?
Abraços
SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/
Belíssimo! chamou-me atenção pensar que o desconhecimento entre dois possíveis seres poderia ser evocativo deste "desvelar-se" - uma possível via para a os processos de sedução e seus tons, como a morte.
Um abraço!
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