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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Taciturna - por Sergio Martins

                          
                   

Durante a manhã há sombras melódicas em teus olhos,

nos dias nublados você fica tão inebriante e sedutora 

quanto a morte que degustamos num Réquiem de Fauré.

Quão bela é sua aparição nas fúnebres ruas:

o vestido preto, a sombria maquiagem desfeita pela chuva –

fotografia do mundo falecido– rara flor da noite!

 

Não quero o colorido passado, o céu ensolarado nos irrita,

e já desconhecemos o dia; pois só acordamos à noite

para dançarmos o lunar madrigal

ou a ópera carnavalesca das assombrações. 

Almejo a rouquidão, o fumo e o uísque de tua boca:

ao doce do teu batom preto, meu apetite vampiresco.

 

Foi numa madrugada que conheci teus nefastos carinhos,

uma ventania gélida precedendo a brisa quente,

que me arrepiou todo o ser,

e me soprou aos ouvidos o meu medo mais profundo, 

antes do temporal despedaçar toda a vida que eu conhecia:

o medo de morrer, na verdade era apenas a frustração de

não realizar o desejo de viver tudo o que eu sonhei.

Em meio às brumas você apareceu tão tenebrosa

e irresistível como as catedrais góticas, e me tocou:

acordes sonâmbulos e desesperados do meu ser!

 

Você necessita do meu sangue e da minha carne, 

eu tenho muita sede de suas lágrimas e fome de sua tristeza,

pois minha felicidade é também é a sua:

ter o nosso amor – que é de morte.

 

Minha amada taciturna, seremos só eu e você nesta sinfonia fantasmagórica:

assistir o teatro dos horrores, plantar rosas murchas no jardim doente,

inebriar à lira sinistra do inverno...

Nosso mundo será eternamente este solitário e belo cemitério,

ao som de suas canções melancólicas ao violino.

2 comentários:

SOL da Esteva disse...

Sérgio

Um texto algo taciturno a condizer com o título. Notória alguma melancolia, desprendimento e tristeza. Será?

Abraços

SOL
http://acordarsonhando.blogspot.com/

Renato Oliveira disse...

Belíssimo! chamou-me atenção pensar que o desconhecimento entre dois possíveis seres poderia ser evocativo deste "desvelar-se" - uma possível via para a os processos de sedução e seus tons, como a morte.

Um abraço!

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