1
Numa entrevista de emprego, da recepção eu não passaria,
ao passo que um elegante loiro, mal se apresentaria
e já entraria à sala do chefe onde o seu currículo entregaria.
2
Desisti de entrar à loja chique receoso da cena que se repetiria:
nenhum vendedor, por bem, a mim atenderia,
algum cliente se incomodaria,
o segurança, por fim, engrossaria...
3
Na calçada, dentro de um carro a luz se apagaria:
o engravatado, pálido, camuflaria a grana e se abrigaria,
antes de acelerar - por pouco, atropelado eu seria.
4
O policial não gostou da cena, acudiu-me em delicada serventia,
cuidou de fazer a revista minuciosa com fortes carícias e mestria,
ocupando-se com o bem-estar de uma cédula que pouco valia.
5
Agarrado a bolsa de grife, o ruivo de pele alva muito se tremia
(talvez fosse o susto pelo meu tamanho), por Deus, desmaiaria!?
Olhando-me atônito e amedrontado, pensei: um infarto sofreria!
6
No colo da mãe branca, a criança (de mim) se escondia
e chorava, ao lado do pai, um russo que a protegia
com olhar zangado de muita valentia,
como se eu fosse o Boi da Cara Preta que não poderia
andar pela Zona Branca da cidade - que jamais escureceria.
7
Em casa, diante do espelho, querendo chorar eu sorria,
notando meu cabelo microfonado que subia,
minha pele invisível (o sol plebeu luzia)
e ofuscada de muitas eras de açoites, teria,
finalmente, o descanso que merecia?
Restaria a mim, exorcizar da alma a branqueria,
aquela poeira suja e purpurinada que eu lavaria.
8
Neg’Amora, mesmo cansada da lida (é sempre mágica poesia),
queria dançar, embevecida de uma louca euforia.
O deboche de Deus para os maus, não seria,
dos pobres, toda esta amorosa alegria?