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domingo, 12 de setembro de 2021

Árvore da minha vida - Sergio Martins





Bêbada, igual a mim, de amor,

minha voz apenas sabe dizer

e dizer que dizer é nada dizer.

 

Toda a minha dança esquisita é só vontade,

loucura de saudade que me leva e traz a você,

pois meu caminho só encontra o seu – coração.

 

Floresço porque floresces, linda árvore

da minha alegria e dos meus bons sonhos!

Desejo ser os frutos de seus desejos,

porque quando te vi pela primeira vez,

desconheci vida (mal)passada:

tornei-me seu poeta.  




domingo, 1 de agosto de 2021

E agora, Mané?

 



E agora, Mané? O seu revólver não chegou, a inflação aumentou, a luta anticorrupção e pela família tradicional era só para panfletar a falsa idoneidade dos homens de bem que tem Deus acima de todos e o dinheiro (dos oprimidos) acima de tudo.

E agora, Mané? A Amazônia se adoentou, os banqueiros e ricos empresários festejam o preço do gás, a conta que novamente aumentou, a comida no seu prato que minguou, o auxílio que travou...
E agora, Mané? O seu voto matou, o “isentão” pagou para ver o próprio crime sem perdão, a terra plana não plainou, o seu Messias não salvou sua pátria, pois o reino dele não é o seu mundo, os inocentes do Leblon creem mais em remédios ineficazes do que na ciência milagrosa dos ateus, portanto, os idiotas vão tomar conta do mundo enquanto o seu espelho te mostra o Policarpo Quaresma, o seu mito num grotesco retrato de Doryan Gray...
E agora, Mané? É só uma gripezinha! E daí, você não é coveiro?! A boiada vai passar! Você quer fugir a galope, mas os seus passos são lentos nessa marcha fúnebre.
E agora, Mané? Sem o Tio Sam para lhe vender mais ilusões, você vai à Cuba, China ou Venezuela?
Mané, para onde?

terça-feira, 29 de junho de 2021

Seios de penas negras - Sergio Martins

 



Sobre os seios que amamentam,

Todas as minhas negras penas.
 
 
O meu desejo é a mais linda pena...


Sobre os seios dela (que me alimentam de fome) 
 
Moram as penas negras que aumentam a sede de voar,
 
Mas isso não é uma pena...

É uma bela fotografia:
 
Alegria dos olhos, arte de eternizar o prazer do instante.
 
 
As penas minhas não são apenas negras penas...

Que alegria ter essas penas
 
Que anulam os pesares
               
Dos seios de negras penas!

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Olhos de mar noturno

 


           À noite, beira-mar, abraça-se o par – em sombras.
            Desnudos, pés e almas se aquecem na areia macia,
            pois a imensidão abaixo das estrelas é casa comum,
            o lar perfumado em luzes e cores que volitam pelas ondas...

           A praia, o altar, a cama em vinho derramado – que continua arrumada, 
           à espera da beleza que partiu, da única luz capaz de gerar vida, 
           pois amar é ser/ter a divina maternagem da noite...

           Naqueles olhos negros e cintilantes do mar, a liberdade desejava 
           mergulhar, e ao silêncio das sombras, o seu marulhar afagava, 
           acalmava...

          À noite, o mar é este corpo nu, cuja fome é de eternidade. 
          E quando nele se mergulha, tem-se a alegria de ser possuído pelo prazer 
          infindo e a certeza da felicidade que seria ouvir sua voz melodiar
          o corpo e a alma para sempre. 

         Quando se conhece o mar, ele jamais deixa de existir,
         ao passo que o adeus e a eternidade nadam em suas águas, 
         pois são nada-tempo, lugar nenhum...                          


terça-feira, 15 de junho de 2021

Grumari - Sergio Martins

 



Os dedos de flores brancas marcam nosso lugar e me acariciam,

as ondas da praia parecem celebrar mais esse festivo verão,

que é o eterno laço entre nós: músicas calmas que brincam

e aumentam a constante paz de nossos olhos,

risos flutuantes de nossa alma aventureira...

Juntos sempre temos esse renovador passeio para dentro de nós...

Bailando pela montanha, a brisa nos abraça, apontando o caminho de volta

(o melhor da ida é saber que se tem um lar nos esperando), e nossos pés

na areia jamais serão as desventuras de um ogro mar aí espumando suas ondas.

Ouvimos, das conchas em suas mãos, a voz divina do mar: tudo foi uma breve e intensa tempestade...

E rimos de nós mesmos, zombando de tudo e entoando a infantil cantiga:

Ogro mar aí, não!

Ogro mar, aí não!

Ô, Grumari, sim!

O Grumarique sempre será nosso lar doce lar...

Rua ouvinte - Sergio Martins

 



Insisto em passar pela nossa rua − que ouve apenas,

mas nada falo, pois sou ébrio ouvinte

das batidas fortes do coração pedinte

que tropeça nas próprias penas.

 

Procuro em sábados ensolarados por alguma cor

que não rime com dor, e chego à rua sem flor,

que mistura nostalgia ao seu sabor

de lembrança feliz em torpor.

 

Todas as ruas passeiam os seus passos de vaivém

e me levam a nossa rua − que ouve minha elegia.

Aqui o tempo para e não sinto mais ninguém,

embora tudo se agite em samba e alegria.

 

Eu sempre sei o que virá: aquele mundo belo e aquém,

mesmo assim eu vou à rua que ouve meu requiém...

Na Rua do Ouvidor meu sonho é normal e além...

Na rua do amor tem lugar para nós também.





sábado, 12 de junho de 2021

Aos namorados - Sergio Martins

 



Rubem Alves afirmou que “amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar”. Eu acrescentaria a essa ideia as borboletas, pois há tempos, ouço a suave voz: “borboletas no estômago”. Até que, semelhantemente aos importantes eventos que acontecem na distração, percebi uma borboleta sobre uma amora. Amei a cena! Entendi a razão de as borboletas se agitarem no meu estômago: a poesia flertou comigo. Fiquei enamorado.

Amor é feitiço que possui a alma dos distraídos – Eros/cupido entende disso... Namoro é coisa de adolescente. Eu sei disso porque nunca passei dessa boa fase, como se houvesse uma conspiração do destino em me aprisionar nesse labirinto encantado que impede a vida adulta (um velho enamorado retorna à adolescência) ou a adulteração do que de fato é vida; portanto, aqui, onde o olhar poético é o modo mais cristalino de pensar a vida (tenho um caso de amor com a vida), todos os dias são novos e meus\dos namorados...

 Borboletas no estômago ou acima de amoras são mágica metáfora: a maior novidade, o singular fascínio para este adolescente... Metamorfoseando a alma dos amantes, todo poético namoro é uma borboleta recém-nascida, e o amor é o seu sustento: a doce amora que nasce todas as manhãs...

 Amar é a mais genuína espiritualidade, é ter parte dos deuses – os amantes sabem que estão enfeitiçados pelo pacto com a imortalidade, mas se sentem livres dentro do labirinto encantado, estão satisfeitos em representar a antítese de obscuros mundos – das lagartas que morrem em seus casulos. Eu amo – namorar. E só sei viver assim, enamorado. E nisso sou semelhante aos deuses, que têm em sua natureza tal necessidade – talvez como escapismo e catarse das relações conflituosas com outros deuses, das tensões, monotonia, angústias e solidão do paraíso...

Amar é ter poder, mas também é perdê-lo... E não seria essa a contradição dos deuses: sentir-se absoluto e livre pela paixão aos mortais e ao mesmo tempo preso e subserviente pelo sentimento aos humanos que criou? Os deuses sóbrios não sofrem as loucuras dos deuses tiranos, pois sabem que possuir é ser possuído, ter o poder (amor) é estar submetido ao poder (amor) e abrir mão do controle – sobre as asas alheias.

O aprisionamento e a possessividade são miragens psicológicas no deserto existencial; logo, possuir asas alheias jamais há de criar um pássaro capaz de voar. Daí entende-se a triste jornada dos pássaros engaiolados – pelos seus próprios sentimentos... O amor sempre basta/ressignifica, preenche, cria sentidos... A liberdade é sagrada e encantadora.
Eu amo, e amar me é suficiente.


segunda-feira, 31 de maio de 2021

Do luto e do trabalho

 



Luto é um trabalho
que deve ser feito
para a superação – da melancolia.
Caso não, tem-se o peso insuportável,
um réu sem perdão no cárcere da melancolia.
O trabalho de luto é superação.
Um luto trabalhado é luto superado,
embora não seja vacina
contra todos os lutos,
pois há muitas variantes.
Com quantos lutos se faz uma pessoa?
A melancolia como escapismo e resultado
do não trabalho do luto é um suicídio assistido
que, muitas vezes, esconde-se na euforia,
nos risos das selfies - cartazes coloridos e luzentes,
da propaganda que comercializa o bem-estar
como um produto caro ( que entra e sai de moda
numa velocidade incrível)
nas bancas da cultura material da felicidade.
A melancolia brasileira advém desse
desserviço, que traduz o ócio
da política diante dos lutos,
desta lógica despótica que (en) luta
em prol da morte.
Quanto vale o nosso luto?
Para a elite necropolítica,
somos apenas a ferramenta
que trabalha em prol de nossa própria morte,
a fim de alimentarmos o sistema opressor,
cuja produtividade é o que mais importa
nesse novo normal.
Se há lucros, o que importa?
A normalização da barbárie vale
a pena, pois a ordem e o progresso
estão garantidos – aos genocidas.
O trabalho de luto é trabalho contra o luto.
O trabalho do trabalhador é sempre mais trabalhoso,
por conta das violências deste Estado
que flerta com o Estado de Exceção.
Minha luta não é pelo que enluta ─ a vida,
por isso, há tempos, não sei viver
em prol dos que fazem falecer,
repudio e me distancio de tudo o que significa caos,
loucura e morte.
Meu ofício é o prazer de ser
artífice e degustador da vida.







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