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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Soneto de Ano Novo (para a flor Coroa Imperial) por Sergio Martins



"No império (coroado de suas fantasias) da paixão,
foi por sua amada flor que o plebeu muito trabalhou.
Por tal loucura, tudo seria como uma doce canção,
e outra vez viveria, negando toda dor que suportou.
A singela Coroa Imperial é uma flor enigmática:
abre-se em novembro, feito prazeres de distração,
e previsível é sua alegria num riso fugaz e terno:
graça de cada momento, espirituosa didática.
A novidade não pertence ao tempo, mas ao sábio olhar,
o fim será um ano novo para a velha idade do universo;
mas a existência são olhos vãos sem a arte (de amar).
O trabalho do corpo fez na alma o seu enriquecimento.
O jardineiro esperou o ano inteiro pelo dia da chegada.
A flor, a vida toda em prol do seu ímpar florescimento."

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Um sonho feliz (parte 4/ final) por Sergio Martins


Eu estava tão encastelado no escuro de minhas emoções que ao ficar cabisbaixo, nem percebi a beleza crescendo bem à minha frente; ou melhor, no alto do meu quintal. Com o maracujá na mão, feito criança segurando sua primeira bola, ri sozinho com a brincadeira da natureza sentindo uma imensa saudade da minha terra calma e festiva – a infância cultivada dentro de mim –; porquanto, o maracujá representava o milagre caído do céu para me acordar do ócio-não-criativo.
Do maracujá, fiz um suco concentrado e dormi igual uma pedra. Afinal de contas, aquele que planta deve colher da mesma terra – sei que não plantei a mangueira e o maracujazeiro, contudo, depositei neles meu amor –, é a terra alimentando a terra porque somos pó da terra e enquanto nós, nada mais que pó, não voltarmos ao pó desta terra, será através da boa vontade de vivermos no jardim de nossa infância que compreenderemos a falta que fazemos a terra e vice-versa.
Dia 28 - dia do meu aniversário -  fui celebrar o milagre e a alegria de ser-estar-vivo com os amigos.
Sei que para certas pessoas só existem algumas datas especiais em seus calendários para celebrarem a vida; mas a verdade continua na infância que habita em nós como a mensagem de Natal permanente em mim: para quem nutriu o amor pela vida dentro do caos, a poesia simples, bela e vital há de vir do céu para nele fazer despertar todo o prazer de um sonho feliz.

Imagem: Google

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Um sonho feliz (parte 3) por Sergio Martins


Ainda bombardeado pelas más lembranças e pesadelos, levantei- me da cama às vinte e duas horas do dia vinte e sete movido por um barulho no telhado. Fui até o quintal e vi uma bolinha amarela no chão. Pensei ser alguma criança que a lançara contra a telha provocando aquele estrondo que me acordara. Aproximei-me da bolinha e só ao pegá-la constatei que se tratava de um maracujá enorme, lindo, cheiroso e maduro. Quis entender a razão de atirarem um maracujá em minha casa; até acender as lâmpadas do quintal e olhar para cima do telhado verificando que haviam nascido e se expandido admiráveis maracujás por cima da mangueira.
Sorri abobalhado, vendo a ousadia do maracujazeiro em se deitar sobre as copas da mangueira. É que o reino vegetal se arranja num convívio harmonioso através da troca de esforços sem que ele se beneficie enquanto o outra é prejudicada e; desta forma, o mundo natural mantém o equilíbrio. No universo humano é diferente; acredita-se que a competitividade é mais lucrativa que a cooperatividade, de maneira que a prosperidade do reino adulto depende da degradação do reino infantil que habita em todo ser humano. O capitalismo faz com que a comunhão e a diplomacia só existam entre as partes que lideram o topo da cadeia sócio-alimentar e subjugam os menos favorecidos, a mesma ideologia se aplica no círculo religioso - se é que se pode separar política de religião - onde os diferentes são vistos como ameaça que deve ser aniquilada, daí não haver troca de experiências e forças para o crescimento do todo, os relacionamentos são utilitários, e assim, onde o bem é parcial e o meio ambiente deixa de ser casa comum, ninguém consegue suportar a presença do seu próprio eu.

Imagem: Google

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Um sonho feliz (parte 2) por Sergio Martins

 As crescentes preocupações pelas más perspectivas do capitalismo me amargavam e uma forte dor de cabeça insistia em não deixar-me. Eu que antes de qualquer outro remédio recorro às ervas medicinais  acabei tomando uma pílula para o fim da dor de cabeça, mas quando as pré- ocupações voltaram, tive febre. A febre, depois de horas, partiu deixando a insônia, dor de barriga, falta de apetite...
Já era dia vinte e seis de Dezembro e agora apareciam olheiras e cansaço. A pressão arterial caíra, o que   conferiu-me sonolência e indisposição e embora tivesse tomado um banho bem gelado, feito alongamento e até mesmo um aquecimento, não consegui ao menos relaxar; pois meu corpo recebia os sintomas de minhas emoções. Naquelas horas, sentia que  havia me tornado reflexo de uma sociedade adoentada pelo Stress desse sistema tão moderno quanto falido. Era a vida com seu lado sério e adulto roubando do meu lado criança o sonho feliz...

Imagem: Google

domingo, 26 de dezembro de 2010

Um sonho feliz (parte 1) por Sergio Martins

[sonhador.bmp]

Num país cristão apoderado pela ditadura materialista, o Natal é obrigatoriamente um dia de paz e alegria.                  No entanto, também é uma data triste. Não para mim, é claro. Pela quantidade de temas sobre esta época, você já deve ter percebido que esta data enche de luz os meus olhos; todavia, bem como toda a alegria que rodeia o ar de fim de ano, o Natal põe em minhas costas o peso da infelicidade universal. É quando sinto mais fortemente as dores alheias e me vejo dentro do túnel escuro das emoções coletivas: o drama de quem foi rejeitado, os órfãos, os doentes, os desenganados,  o desdém de recebido por quem só se ofertou amor, a pessoa que em fazendo o bem, foi vítima do ódio, do preconceito e da injustiça, o regresso social que aprisiona milhares de pessoas na miséria, nas drogas, na solidão...
Lembro-me de uma véspera de Natal em que saí à rua para refletir e observei o grande fluxo de pessoas nas ruas movimentadas, as quais, no afã das compras, exprimiam a tristeza como produto da cultura material da felicidade. Eu seguia calmo no caminho contrário à multidão, pensando no ano que acabava bem pior do que o seu início, os jornais me enchiam de agouros com as notícias de fome, guerras e corrupções em todos os setores como se fosse um anúncio do que viria no ano seguinte...


sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Soneto de Natal - por Sergio Martins


O encanto do céu amou a enferma terra:
Estrela-guia no deserto que dá luz
ao perdido, chama que à ventura conduz,
amores que se cruzam em meio à guerra.

Nesta bela terra dos sonhos, quem veio numa estrebaria,
suporta a inveja dos deuses, a cruz política e religiosa
e é coroado de espinhos por florir amor à alma odiosa;
conhecerá a Graça de ser Rei dos reis no seio de Maria.

E por que, feito desmanche de cinzas, soprastes o Natal
longe do seu real sentido e das promessas de ano novo
no abrigo covarde de medo do que supostamente é mal?

Lembra-te, então, que é tempo de jubilar,
da paz que mora dentro do redemoinho e
da canção de dezembro: tempo de amar!

Imagem: Google

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tema para cartão de Natal por Sergio Martins

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Na tarde que adormece silente e debruça ao colo da noite fria e sonâmbula a revelar os monstros e maus espíritos que segredamos, na poeira das estradas que embaça o olhar, em suas fuligens que flutuam ao vento nostálgico, feito sorriso que tenta em vão distrair a tristeza, no velejar da imaginação que ressuscita a saudade fúnebre e o pesar, nos agouros que trilhamos e que nos põem dúvidas se realmente já atravessamos para o lado da superação dos traumas... parece que até mesmo toda a divina beleza que insiste adiantar-se em nosso olhar para o dia a dia conflituoso, apenas nos quis mostrar que o correto é pensar a vida em desfoque - pelas lentes saudosistas... Assim, foram muitas as mortes que nos atravessaram o peito, mas ao fim de cada ano, tais mortes se transformam em motivo de esperança, força que nos levanta, alegria de caminharmos ao sol - o nosso próprio caminho...
Mais uma vez, na magia natalina, concluímos que as tristezas e perdas nunca são um fim último, pois em nosso íntimo, há a manifestação divina em sua melhor forma/simples e extraordinária: a criança iluminada nesta incômoda manjedoura existencial. Daí, a possibilidade de voltamos ao "ser-si-mesmo", em nossas luzes e cores da infância. É justamente quando desabrochamos para tal Graça, que abraçamos o real sentido de viver, encontramos nosso lugar no mundo (de nosso ser) e, na prática, refletimos (para o mundo e aos que nos cercam) a vida que também se compõe de feiura, mas que jamais deve se resumir numa tentativa de driblar a morte - pois ainda que nela se encontre muitos falecimentos, é apenas no amor que tais caminhos sombrios se deságuam no mar de uma jornada significativa. A vida, nessa estranha elegância de pequenas e cotidianas alegrias, nessa arte de darmos e recebermos prazer, compartilha-se aos seus milhares, em toda a sua pluralidade de virtude, de grandes possibilidades, de pequenas coisas que dão sentido, de valores que conhecemos e saboreamos e, sobretudo, na expectativa de uma nova vida interior; ao passo que a morte é conceitual, uma e só.
O verdadeiro Natal é na alma: um parto sofrido vencido pela alegria do nascimento...
E fora o suicídio
de ter prazer pelo mal vício
de nunca aprender
a ser quem se deve ser,
de não ficar onde se deve estar,
e de não viver para amar,
haverá apenas um coração transparente,
a alegria do hoje como melhor presente,
o amor para viver,
o vício pelo bom prazer.






Imagem: http://culturahebraica.blogspot.com/

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bate o sino pequenino (parte 3/ final) por Sergio Martins




(...) Embora sufocado pela fumaça capitalista, o sino continua tocando nosso íntimo, nos ensinando que os projetos assistencialistas não devem ser uma campanha social, porém, devem tomar a forma de uma cultura de igualdade, de erradicação da fome e da pobreza. É o sino desejando que acendamos a paixão pela vida, a fome pelo amor e o compromisso de conhecer a nós mesmos. "Partir. Não importa para onde. Viver não é preciso. Navegar é preciso." Até que Dezembro chega e o sino pequenino bate forte para nos dizer que ele existe e que está sempre no mesmo lugar. No alto, que é para onde devemos nos atentar e é claro, na igreja, ou seja, na alma de todos: o altar do exercício da comunhão que deseja fluir, se estender a uma sociedade que sonha o bem comum. Bate o sino pequenino trazendo a mensagem de Maria: após a peregrinação e a dor de parto vem a alegria do nascimento como fruto de uma forte e descabida esperança. É a felicidade existente na singeleza de uma manjedoura, pois é melhor fartar-se de paz na pobreza do que estar adoentado de inquietações nos palácios.
Bate o sino pequenino no inconsciente coletivo com sua fé inabalável: um dia o homem se volta para o Deus-menino que habita sua infância. Infância perdida sob a repressão do vício adulto pela ambição néscia e egoísta.

Imagem: Sino da igreja de Nossa Senhora dos Anjos que se conserva no Santuário de Torreciudad.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Bate o sino pequenino (parte 2) por Sergio Martins

A música do sino da igreja desperta-me mais que uma ligeira emoção, também traduz-se como porta-voz da minha (in)consciência ecoando: dim-dom, dim-dom –, isto é, as batidas na porta de minha razão. Mas não é apenas a música a tocar-me, sinto que o que arrebata-me mesmo é o sentimento que o sino tem por mim; todos os dias ele vem a mim com sua mensagem carinhosa - dim-dom: "desejo prender sua atenção para o meu trabalho – elevar-te à dimensão transcendente".
Sinos me remetem às mágicas imagens da infância, e as figuras místicas da infância representam aquilo que devo e quero ser: o menino Peter Pan bem-humorado, corajoso, sonhador e feliz rumo à Terra do Nunca; a fim de que eu não incorpore o adulto adulterado de infelicidade - o Capitão Gancho enganchado pelo recalque, possuído pelo ódio e vencido pela ganância. Não é à toa que na história, o exemplo de sensibilidade heroica e inteligente é a fadinha que tem por nome a própria voz da consciência que, não somente me evoca à razão, mas sobretudo, convida-me à fantasia: Sininho.
E se porventura, acabar o efeito mágico desse toque da consciência que me eleva à felicidade do mundo simples da criança, apenas me restará a severidade do mundo adulto.


Imagem: Google

sábado, 18 de dezembro de 2010

Bate o sino pequenino (parte 1) por Sergio Martins

Bate o sino de Belém 1024x768 Papel de Parede Wallpaper


Há muito, tenho um caso de amor com sinos. Seja como for, sinos sempre me tocam - o íntimo. Não sei explicar minhas esquisitices emocionais; apenas sinto. Em meio à desarmonia, os sinos alinham minhas emoções desafinadas... Sou seduzido por sua forma anatômica, sua utilidade pública, sua histórica importância: os sinos alarmavam em casos de incêndio, alguma desordem pública, uma invasão dos exércitos inimigos, o falecimento de uma pessoa de destaque social, celebrações religiosas, casamentos...
Ainda não procurei um psicanalista para ele me lembrar que o fato de eu ser assim, aficionado, deve-se ao meu inconsciente reproduzindo os flashes de minha infância envolvida pela ternura dos sinos. O fato é que meu romance se declara na música graciosa que flui do seu ventre, impecavelmente. às dezoito horas.

Imagem: Google

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Casais ( Amor de Ariel - parte 8/ final) por Sergio Martins




De comum acordo, o casal escolheu algumas obras de arte e partiu deixando aquele rastro de boas sugestões no ar solitário que nos dominava. Por fim, apartados de toda aquela insossa normalidade, resolvemos juntar nossas carências à música do seu violão e da irrequieta chuva. Um suspiro de quem acabara de retornar à vida após um acidente pareceu-me reprimir a tristeza, senti os batuques eufóricos feito criança em festa de fim de ano me insurgir o peito velho e cansado feito um resfolegar de ar montanhês e convenci-me, cheia de um orgulho presunçoso, que já éramos categoricamente um casal. Mas não um casal qualquer, e sim, um casal definindo a existência; pois namorar, nessa magia que nos amarra a alma é uma tentativa de pôr o brilho feliz da significância vital à sofrida existência. Dali pra frente, a sexta-feira se fez fugitiva, calma e breve, os finais de semana se tornaram pequenos e férteis e as festas de Dezembro, um amanhecer em nós. Então, descobri que o tempo apenas segue seu curso natural, mas é o mundo que passa a mover-se gracioso e sensual aos olhos amantes.”

Imagem: http://downloads.open4group.com/

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Casais ( Amor de Ariel - parte 7) por Sergio Martins


Após tantas crises entre Esmeralda e Ariel, o tempo presente lhe concedia a graça de desterrar o passado e rir de si mesma. Agora, era ela quem “tinha as cartas na manga." E diferentemente de Ariel que jurou nunca mostrar seus textos, ela não suportava mais a ansiedade em revelar o que escrevera para ele:
"Da noite em chuvisco ininterrupto ao clima fresco de Dezembro regado pelo som calmo e rotineiro da rua, nada vi além do que era previsto: os garotos em suas bicicletas, os mesmos rostos espios atrás das janelas e portas, os guarda-chuvas ocultando rostos, a loja de artesanato onde o artesão enclausurado no seu ofício, atendendo às suas encomendas, ao fundo, apenas o rosto de seu filho acima do balcão onde atendia aos clientes, o vazio de uma sexta-feira comum, o meu semblante de menina perdida entre milhares de faróis dessa cidade revelando mais um de meus ensaios em distrair os pesares pela via da admiração da beleza rotineira... Algumas horas depois, resolvi voltar à rua e repentino como a morte, um casal também se direcionou à loja justo naquele momento em que o expediente do artesão havia sido encerrado; no entanto, também por conta do meu olhar consumista preso à vitrine, a loja permanecera aberta.

Imagem: Google

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Primeira carta (Amor de Ariel - parte 6) por Sergio Martins




Ariel levantou-se e foi ao quarto. Demorou um pouco e ao voltar repetiu o riso sarcástico que recebera de Esmeralda e disse: custei para achar a última parte dessa carta que já não lembrava onde havia escondido e que jurei jamais lhe entregar:
“se duvidares de me entregar teu amor, se outra vez tentares me esquecer pela graça frustrada de um namoro não convincente, lembra da primeira carta – aquela que te fez chorar –, desse moleque desajeitado que te fez sorrir, que lhe presenteou com o desespero de uma fé que você pertence ao meu mundo, que já te fez desistir de abandoná-lo por mil vezes, que com ele se amigastes feliz após tantas brigas, que até mesmo com sua ausência sempre lhe surpreendeu, que lhe cobriu as costas com os braços e lhe abraçou forte se perdendo na embriaguez de teu vinho, nos cachos de teus perfumados cabelos cor de uva feito mar em bronze vespertino em que banhei-me louco por dizer o que precisas ouvir, lhe amaciei a cama para o bom sono lhe aconchegar e com meus lábios acariciei suas costas e aos teus sonhos dei a verdade que nosso seu futuro pode morar num amor mágico, vívido, concreto e incessante”.
Imagem: Google

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Primeira carta (Amor de Ariel - parte 5) por Sergio Martins




Senti saudade do cartão de Natal, de todas as cartas que te dei e dos ensaios que nunca te mostrei. Mesmo sem ter o direito de lhe furtar o cartão, entendi que minha força em destruí-lo foi a revelação de minha fraqueza em não poder aniquilar meus sentimentos expressos nas cartas que guardas em teu quarto.
Meu desespero é saber que conheces meu desespero, que também me achas desconsertado, que igual a mim, tens amor às estrelas, ao luau à beira-mar, às cartas antigas e às recém-nascidas... Nesse “momento-textual” estou tão miserável e avesso como das primeiras vezes em que me agitei nos enigmas de seus olhos, ao chão teu, incontido de desejo pelas suas canções, amedrontado pelos espectros dos presságios que me acometem a uma absurda dependência do teu ar, apaixonado no quarto crescente e minguante desse luar...”

Imagem: Google

domingo, 12 de dezembro de 2010

Primeira carta (Amor de Ariel - parte 4) por Sergio Martins

Na varanda em que ambos se esqueceram do tempo e dormiram na noite fresca sobre a rede macia, resplandeciam agora, quentes e tremulantes as luzes matinais. Pelos corredores e adentrando quartos, a tranquila aragem veraneia soprava o perfume das flores do quintal que a primavera, antes de despedir-se, havia deixado sobre o altar de Dezembro. Ariel acordou com o riso de Esmeralda que exibia na mão uma folha de papel bem amassada. Às gargalhadas, sua menina-flor apresentou a carta que ele havia guardado por muito tempo e talvez, ainda deixaria na gaveta, pois tinha vergonha de mostrá-la. Esmeralda conteve o riso e começou a ler:
“no dia em que rasguei aquele cartão de natal que procurastes tanto, não tentei só apagar minha dolorosa reverência pelas memórias de um passado contraditório; acreditei que poderia, ainda que com muitas dores, fazer de sua ausência uma possibilidade de reconstruir o prazer de estar a sós comigo mesmo e de achar paz e felicidade. Mas quando esta manhã acordou bela e festiva, me vi no espelho demasiadamente fragmentado e vazio, querendo ter fé que na distância, todas as lembranças de nosso desdém, nossas provocações, impaciência, nossos contínuos rasgos e toda a nossa raiva poderiam me livrar de ser um triste andarilho; porém, inevitavelmente, compreendi que jamais aguentaria meu eu-comigo-mesmo, pois o meu ser já era indesprendível do teu.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Soneto à auréola colorida por Sergio Martins



A auréola colorida da lua, repentina, apareceu. 
Ampliou-se reluzente na aspereza
Do céu; e nessa terra vã cuja frieza
Partiu, vi a flor da noite: ouro do chão plebeu!

Ao flerte e despido, revi alegrias diurnas e rurais:
a fleuma da campina entulhada, o ócio das poças,
a mi séria das flores esquecidas, o medo das moças
em não se virem mulher qual montes destes olhos outonais.

Mas logo me abandonei dos redemoinhos de águas turvas
elucidado pela certeza descabida de suspirar aliviado
o básico nobre e vital dessas ladeiras apagadas e curvas.

Quando seu halo candente beijou-lhe a face cândida e os sentidos
novos me acudiram, apalpei o solo de sentimentos natalinos, e
ela, mui leve planou- Flauta Mágica de Mozart aos meus ouvidos!

Imagem: http://inteirativa.blogspot.com/

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Esmeralda (Amor de Ariel - parte 3) por Sergio Martins


Na mesma praça, no sempre novo e único crepúsculo vespertino de Dezembro em que se banhavam com as cores e luzes fervescentes do verão carioca, ambos pactuavam com o permanente sentido de um amor irrefreável. A eufórica abóboda celeste dançava com seu vestido multicolorido até despejar-se sobre a noite daquelas brisas calmas, o tempo-espaço se perdia na alegria não passageira do "ali-agora" que se apegara em seus íntimos feito verdade absoluta. 
Naqueles minutos velozes que se eternizavam, colando seu olhar nos olhos verdes da moça, Ariel rompeu com o silêncio que cultivava como forma de reverenciar toda aquela magia e enfim, repetiu seu antigo ritual:
Esmeralda intrigante e reluzente 
– mar aberto onde sou mergulhado –
és minha Graça contradizente,
dor que me faz contentado
e esmerilando teu nascente,
percebo-me aprisionado
no esmero de teu eterno poente;
e eu, mero fragmento apaixonado,
de tua aura imanente e transcendente
anseio me eternizar – felicidade de um triste fado!
Imagem: Google

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Nobres adornos (Amor de Ariel - parte 2) por Sergio Martins



A grande árvore de Natal da Sala fora vestida de nobres adornos por Ariel que após ficar alguns minutos imóvel diante de tal alegria dos olhos, andava de um lado a outro rindo de si mesmo. Ele que sempre foi tão racional e sensato, não sabia explicar e até mesmo ficava espantado com o fato de ainda estar perdidamente apaixonado pela mesma mulher ao longo de tantos anos. Aliás, pelas suas próprias conclusões concebidas algum tempo depois, entendeu que jamais deixou de amá-la; mesmo quando o tempo da desilusão lhe fizera crer que tudo foi uma miragem psicológica advinda de sua sede no deserto das emoções, mas agora, com o amor recém acordado, seria um equívoco não acreditar que seu olhar mágico para a vida também vinha da crescente paixão por ela. Paixão que lhe acendia o corpo e a alma todos os dias...
Foi assim andando e divagando tais questões pela casa, até parar ali, entre sorrisos e lágrimas de alegria, agachado no cimento lodeiro da escada da varanda onde desenhava um coração nos musgos com uma pedra e dentro dele escrevia a palavra amor enquanto ela, a mulher sua, quieta e de súbito, apareceu desembrulhando o riso floral numa candura de menina em mais um dia feliz escrito em seu diário; pegou a pedra de sua mão como que tentando vestir de nobres adornos aquele encanto adolescente do seu namoro e escreveu: eterno.
Imagem: http://eudecoro.com/natal

domingo, 5 de dezembro de 2010

Aquele Dezembro - por Sergio Martins


        Submergidos à áurea encantada de dezembro e enternecidos pela manhã, os olhos do moço despontavam um castanho incomum e seu peito enchia-se com a leveza dos marulhos crepitantes do vinil; a suave melodia ondeava relaxante, e toda aquela paz levitando na calmaria da brisa, recolocava suas emoções às prazerosas maresias, àqueles dias graciosos com sua amada... Ao passo que Esmeralda, a sua querida menina (antecipando-se ao seu ritual de acariciar-lhe o rosto frio antes do beijo quente), observando o olhar noturno de seu homem-menino que amanhecia brilhante e cheio de vida, fez o que seu corpo tanto desejava, descobrindo assim, sua roupa e seu novo e feliz dia: o mar dourado ao alvorecer. 

Pintura: Adélio Martins - http://adeliomartins.blogspot.com/2010/10/3-pintura_20.html

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Após a chuvarada por Sergio Martins



Ontem vi gaviões sobre uma árvore seca e alta em meio ao trânsito desenfreado de gente, sorri com as flores rosas do ipê, percebi que o canto do Bem-te-vi pela manhã é mais vívido, abandonei o corre-corre do trabalho e o frio do ar condicionado e fui ao terraço da cobertura contemplar o crepúsculo e sentir o abraço de despedida do sol. Pela manhã, no passeio de bicicleta, retirei o casaco para sentir o frescor matinal e a poeira de chuva lavou meu rosto...

Sei que o fato de me exasperar contigo ainda que diante de sua intrigante beleza é um absurdo descomunal; todavia, reconheço a mestria da tempestade e você também sabe degustar do dia ensolarado após a chuvarada... Sou consciente de que não posso me nutrir apenas dessa minha poesia urbana, simplista e repetitiva sem respirar o ar puro de teu amor – satisfeito pela minha arte de amar-te loucamente –; pois ao fim de um curto tempo longe de ti já não conseguiria mais ter esse brilho fraco por onde a felicidade ainda vibra em meus olhos...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O sino de Dezembro soa por Sergio Martins

[Sino-208.JPG]
O sino de dezembro soa:
até o corpo mais frio sua
e, da alma, parece que voa
todo o embaço da bruma.

O sino de dezembro soa:
onde o chão é macio de uma imóvel espuma
- suavidade que do além ecoa,
leveza rara: um mundo que é liberto para tornar-se pluma.

O sino de dezembro soa:
entre pinheiros, guizos, outras cores, neve...
Gelo cristalino que à campina sobrevoa,
pastores e ovelhas em lareira e verve.

O sino de dezembro soa:
a vida ganha sons em devidos tons: luz, aroma, sabor...
Mais força contra os monstros da mente, e mesmo que doa,
abrigarei na manjedoura, Deus-criança em amor.

O sino de dezembro soa:
no quadro, algodão celeste adornando o mundo de cores,
e mesmo que essa nostalgia de tudo ao meu ser moa,
terei a magia do ar, as guirlandas prateadas e as flores.

O sino de dezembro soa:
o céu beija a terra - gracejo do amar!
"Poeminha que voa, toda a poluição côa"
- brisa calma sobre o agitado mar!

O sino de dezembro soa:
às dezoito horas o crepúsculo é eternamente paralisado:
devoção musicada que os meus olhos entoa
 - remissão dos que norteiam-se neste dim-dom badalado.

O sino de dezembro soa:
o enlutado volta ao lar - amor em enlace.
E algo parece insistir que não é à toa
que a noite caia e o frio me abrace,
que do meu coração esta graça se remova
fazendo com que o dia, ainda em luz, se despedace,
que a alegria perdida seja do meu corpo o flagelo,
transformando em neblina breve esta proa,
e que num vão sentido mergulhe tudo o que anelo;
pois, logo há de vir a imensa esperança, solta
nesse ar, curando os traumas do meu desvelo
no momento feliz em que o sino de dezembro soa.

Imagem: http://beijoscincoaldeias.blogspot.com/

Dezembro por Sergio Martins



Sinos - Natal em preto e branco 1600x1200 Papel de Parede Wallpaper





Quando o último sol acordar,
tu dormirás na noite quente
e breve para amanhecer e amar,
pois os dias serão um só presente.
As luzes serão coloridas pelas ruas,
as guirlandas, as horas adiantadas,
os espelhos e as folhas amareladas
te farão os luaus, as estrelas e luas.
Quererás outra luz, novamente engravidarás,
lembrar-se-á da infância e da escola,
não aceitarás mais nenhuma esmola,
morderás a maçã e mais uma flor plantarás.
Verás mil vezes as fotos, ouvirás velhas canções,
alegrar-se-á com as novas pegadas na areia,
farás festas e amigos, sentir-se-ás uma sereia
e há de dormir pouco para sonhar mais emoções.
Desejarás abraçar o mundo, fazer origamis e juramentos,
consertarás a boneca, arrumarás o quarto e os cabelos...
Para ter o sorriso de volta e livrar-se dos pesadelos,
não esperarás o telefone tocar e cantará todos momentos.
Farás um cartão de Natal, sentirás que o amor se refez,
rirás do passado e do autoajuda, acharás seu novo verão,
abrirás mão das roupas velhas, considerarás a atual estação,
a melhor. E não pensarás muito antes de fazer tudo outra vez.

Imagem: http://downloads.open4group.com/

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Soneto ínfimo para a maior das estrelas por Sergio Martins


7158.jpg

De Areta, soltou-se o riso como fosse só para mim
– Alegro de Bach sobre o jardim de Cactos,
feitiço e paixão de nossos eternos pactos –
é seta, reta sem arestas de meu único e último fim.

Os lábios candentes são convites à morte
da solidão que aprisiona os namorados.
Fechados, abrem-me os desejos frustrados.
Abertos, sigo na utopia de viver em sorte.

Seus olhos são de manhã, de nascente e de mangar:
fresta de mar verde em primavera;
festa desse adolescente, o vão de um perfeito amar.

Foi magia e divino aquele inesperado encontro ao luar
onde cri que tua beleza ainda é a poma do meu deleite;
mas ao partires vi o espelho: pedaços meus pra se colar.

Pintura: http://culturareligare.wordpress.com/

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Soneto à estrela principal por Sergio Martins



Assim como vozes que transitam néscias diante da sabedoria,
ela escondeu-me os olhos imitando a estrela principal
cujo poder vem anoitecer-me num rebuliço visceral;
e vitimado à mudez ignorante senti o pranto da noite ao dia.

No frescor de Novembro a palmeira encenava com o pensamento
meu e o clima revirou meu corpo igual às manhãs carinhosas
do céu brasileiro, e tão logo, suas curvas terminaram suntuosas
num muro alto e me dava apenas a imaginação lançada ao vento.

Além das cores, luzes e texturas da obscuridade dessa menina,
meu tempo sem graça e sem pecado cativa-se à memória da
leveza de suas horas frias que ainda perfumam minha rotina.

Pois em olhando-me sob o gotejo primaveril qual afeto extemporâneo,
a graça amordaçou-me os conceitos, a tarde ventilou o ânimo e o meu
choro submergiu-se à água tépida de seu rosto perdido e momentâneo.

Imagem: http://www.allthelyrics.com/forum/general-discussion/64621-poems-and-song-meaningful-prose-2.html

É primavera! (versão político-social completa) por Sergio Martins

[A_PRIMAVERA_MONET_1886_GIVERNY.jpg]




Outra vez o céu anil se estende sobre as árvores favorecidas pelo orvalho de uma madrugada nebulosa. À música encantadora dos pássaros, cintilante manhã se espreguiça sobre os primeiros e ressurretos olhares. Nova manhã, novo ser, olhar único e ansioso qual flor inocente, sequiosa pela luz. A criança afoita que mal dormiu pelo afã de  divertir-se com tudo o que é simples, salta dos sonhos e voa para saborear o crepúsculo matutino. Os movimentos matinais se abrem no brilho de seus olhos, a lua branco-gelo do dia se inibe no azul clareado, os raios fluem de trás do monte, tingem as flores, realçam o verde, apaziguam a ânsia, trazendo a nós a sede de se apaixonar de novo, a força para sair do medo, de reaprender sofrendo apenas pelas razões certas, de festejar a chegada do dia – presente divino – com um sorriso infantil...

A esperança que demorou se pôr fora do exílio adoentou demais a alma jovem, mas a madrugada foi vencida, agora, a arte de amar é forte raiz na alma que, enfim, volta ao seu respectivo corpo... O orvalho encontrou a terra árida e ao seu toque gracioso o grão de trigo ressuscitou, velejou na alegria sonhada, os pássaros aparecem, as flores se fortalecem, as crianças se divertem, os dias se enobrecem... A Senhora do florescimento vem... E degela-se o pico da montanha, convidando as gaivotas e fazendo o colorido brilho na imagem que se embaçou pelo mal tempo: por ser despertado, o amor foi correspondido...

Mas a clareza matinal não afasta o silêncio dolorido se abrindo no semblante das pobres famílias habitantes de um mundo-casebre prestes a desmoronar na degradação imposta pelo tempo... O drama silente evoca lágrimas de quem acorda tarde por não ter conseguido descansar na impiedosa madrugada... Os sorrisos já não prestam, os abraços são inúteis, a esperança das preces foram malogradas pela inveja dos deuses – do Planalto Central – que se encolerizaram com a felicidade requintada de um povo simples. Os desolados, são velhas almas penadas debruçadas nas janelas vendo a exuberância ostentada no céu do crepúsculo vespertino que logo morre ao toque da realidade que mostra o fosco de um olhar indiferente para toda a pobreza que o cerca...

Nas calçadas, os bêbados repousam confundidos com cães doentes e abandonados, pelos becos, as crianças de rostos aflitos são as mesmas que se divertem com o vento que as levarão para os redemoinhos onde a adolescência rebelde e sem fim se conformará em não questionar sobre o sentido de viver; e acontecerá, então, no íntimo de cada uma delas, a crença de que só a morte do corpo eliminará todo o sofrimento da alma...
E em mais um dia frio desse mundo confuso, me encontro triste e esperançoso, preferindo ter fé que muitos apenas tentarão descansar seus respectivos corpos por causa da descrença num bom clima de suas emoções, já outros, hão de sonhar antes mesmo de dormirem; mas enquanto houver quem sonhe, quem lance sementes sobre a terra sequiosa, não se poderá esconder o raiar do sol primaveril, pois havendo sonho, a verdade maior – a poesia eterna – , se fará presente na calma fúnebre de um lugar esquecido, na vontade de viver mesmo com todo o pesar (do autoengano) de nada ter, nos acordes de violão embelezados pela solidão, no bebê que recebe o amor materno, nas lições das aves, na lembrança da pessoa amada que viajou para longe, na chuva que traz o pão à mesa, na solidariedade compartilhada entre o povo sofrido que é apaixonado pela sua terra, no olhar de Jabuticaba brilhante da madrugada sedenta de prazer, na frágil convicção de um amanhecer afetivo e até mesmo no silêncio ingrato sobre quem tanto espera o porquê de todo mal ou no paradoxo da estranha felicidade que vem da beleza triste e que todos os dias vai morrendo só para nos fazer vivê-la de forma intensa... Tudo para que no outro dia, tudo se repita: por trás da colina o sol acende a manhã colorindo a rotina do campo... A cigarra, deitada num galhinho da macieira proclama: É primavera! A dama com seu novo vestido florido passou abrindo um sorriso tímido entregando (à luz dos seus olhos verdes) o sinal aberto para o violeiro que viu a canção viva retornar à sua inspiração...

Depois do mal-humor do mundo, o universo acordou tentando agradar a todos ofertando a promissora estação em nosso altar... É o prenúncio de coisas boas, evento simples e extraordinário: a visita inesperada de um amigo que deixou muita saudade ao partir, o bolo que sai do forno, o prazer com que a amada corta os legumes frescos e a carne, a sopa na mesa, o vapor da panela exala o perfume da comida saindo pelos ares, a festa que é feita sem nenhum agendamento somente para comemorar a graça de se estar - bem...
É primavera: folia que permanece no olhar... A beleza é recriada nos olhos de boa percepção: as pedrinhas do rio, as flores secas, as sementes, os galhos em brotos, o algodão, o retalho... Tudo vira arte, é pintado, vira artefatos decorativos e acessórios... É hora de retirar a poeira do piano e saborear a música romântica... Observe as flores do Pinheiro, a rosa desabrochando, sinta o perfume do Jasmim, a dança da flor branca do maracujazeiro - erotismo natural! A vida está se rendendo à sedução primaveril, o ar se mostra amoroso na face risonha da moça que se move na leveza de um pássaro, nos gestos afetivos e nas dóceis palavras; sua pele seca é banhada de orvalho, seus nervos contraídos são relaxados, o rapaz enamorado tem alma campesina, coração fertilizado para sua flor e água na boca pelos seus grandes lábios, pela sua língua doce feito menino sedento por amamentar no seio materno... A euforia e a sensualidade estão soltas por toda parte, o romance é fecundado, o amor dá a luz, os Cactus do sertão florescem e dão de beber aos espíritos sequiosos... Primavera é florescimento. É como a gravidez na velhice: esperança que não se perde.

Os Lírios estão esplêndidos nos tenebrosos vales, o morango ainda brota no penhasco, no barro outrora enlameado saltam raízes, ervas e capins, o jardim concebe toda a atividade normal para o seu sustento... O coração está sorridente, cheio de prazer pelo desejo alcançado, a expectativa demorada não enfraquece mais os ânimos, pois ainda há o poder de conquistar várias vezes a pessoa amada, o mar está convidativo, a paixão é insinuante e possível, o disco antigo com as músicas extasiantes foi achado, o filho deixou de ser pródigo para estar em paz no seu lar-doce-lar, é a volta do trabalho para o contentamento da família, pelas manhãs, a suavidade é inalada, a amizade renasce depois de muitos erros cometidos e perdoados, após a melancolia duradoura a noiva volta ao altar com seu mais belo vestido, a garoa enobreceu a tardinha no dia ensolarado e fez-se o arco-íris, é sol e chuva – casamento da viúva!

"Após a guerra, as crianças dançam sobre os destroços, cantando unidas em cima dos tanques destruídos, fazendo brinquedos com as cápsulas e os restos das armas derrotadas pelo chão....

O mundo está farto de dor e ódio, as mãos estão unidas para liberar a sorte de todos, o universo é parte de todos – casa comum –, depois do temporal, a reconstrução da casa, depois do aborto e perda, o nascimento, a conquista...


E quando achamos que a frieza existencial nos levou tudo de precioso e que não existe mais nada que possa nos tocar a emoção, a primavera chega; exaltando o sagrado encanto na magia extravagante dos ipês, trazendo surpresas agradáveis, ressuscitando toda a graça do nosso caminho, a história de amor recomeça, resistindo aos ataques, triunfando sobre a ideia que a morte é um fim definitivo. Detrás da colina o sol reacende, dourando as campinas com seus raios oblíquos e purpúreos, ouve-se a festa das cigarras, os crepúsculos se tornam mais jovens, as amendoeiras nos presenteiam com o lindíssimo mar de bronze de suas copas..."
Pintura: A primavera de Monet

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Eu-em-si por Sergio Martins


Na praia, descortinei as retinas e de tudo o que observei, nada mais havia que pudesse melhorar-me. E evolui-se minha perplexidade em desvarios: enquanto viam-se apenas coisas nas pessoas e pessoas nas coisas, de forma milagrosa, tudo me saltava aos olhos com o brilho de beleza.

Naquele momento deixei de ser eu mesmo, o mundo virou, o tempo estagnou e as imagens convencionais sumiam de minha vista para uma nova dimensão me alcançar: eu e a poesia – já era o que pra sempre marcaria o Eu-em-si...

Ou seria uma atividade brincalhona de Deus em fazer-me um eterno embriagado que em sua contemplação singular da realidade, tornou-se estranhamente feliz?


Foto: meu acervo pessoal/  Dia de finados em Barra de São João - 2008

Soneto à solidão amiga por Sergio Martins


Qual imprevisível céu de Belém do Pará, neste clima metamórfico,
esvazia-se o copo que dorme à boca seca e fria,
a água ardente adormece a dor do corpo e cria-
após muitos goles-, na alma, o alento: personagem triste e utópico.

Há uma festa nos dias quietos, o vazio da vida outonando é um meio
que levará o ser a ser-si-mesmo, a música feito tragédia teatral
no velho coração, é nova e dançante nos cenários desse natal,
nos lábios das crianças flutua a poesia viva de cada manhã e cheio

de ver os transeuntes cabisbaixos, num fundo, o céu banhou o chão,
choveu no dia de sol, os pardais se aninharam em amor,
as flores e o barro ofertaram seus perfumes exultantes de gratidão.

Ora, o que é pior, a solidão ou a ausência? A perda ou a dor do infindo "por quê"?
“Saudade sempre” ou “vazio até logo!?” O que te cala não são os dias, o vazio não é um só. 
A música será vã e de nada valerá a poesia se esse nada nadar em você...

Imagem: http://www.gostodeler.com.br/index.php

domingo, 21 de novembro de 2010

Além-mar por Sergio Martins




Reli as cartas. Deixei entrar.
De folhas amareladas, sonhos amassados, corações rasgados... se fazem os rascunhos de uma vida desejável.

Dei as costas. Resolvi esquecer.
Fechei as portas. Não deu pra conter.
O oxigênio sufocado inebriou-me. Lembrei das manhãs primaveris, tive de acordar. E na delirante gravidade de toda essa relatividade, abri a cabeça.

A poesia se (re) fez
– em além-mar–
perdido estou outra vez.


A chegada e a saída da praia por Sergio Martins



A chegada à praia é um agito cardíaco. Desta vez, o sol foi cálido, as ondas pequenas, o vento inibido, o mar frio de correnteza forte qual traiçoeiros imprevistos, o anil do firmamento pontilhado de pipas e mal coberto de nuvens, na areia, os corpos descansados comungavam-se ao divino feriado e à sorte de um generoso bronzeamento... Todavia, nem mesmo a euforia das crianças, o flerte dos adolescentes, as esquisitices dos adultos, a graça dos idosos, muito menos as incontáveis, comuns e exibidas meninas me fizeram resfolegar com sofreguidão o ar de uma paixão órfã de lógica semelhante à moça pálida e falante que à companhia de sua amiga, igual a mim, parecia dialogar com a esperança demorada de um amor correspondido...

Para o grande prazer do meu desvairo, sua pele se avermelhava, o cabelo, aos seus cachos, planavam às asas da brisa, os olhares castanhos, fulgentes e distraídos para o mar me apanhavam um suspiro enquanto meus lábios ensaiavam um sorriso... Fiquei inquieto pela ambição de ouvir sua voz em minha direção. Tentei me aproximar. Ela levantou-se leve como uma exótica, sofisticada e colorida pluma, ajeitou o seu admirável biquíni, direcionou-se às ondas e antes de trilhar o passeio pela areia molhada torceu o pescoço para trás, olhou-me rapidamente e eu entendi tudo errado... Sentei-me abraçando a esperança perdida. A ânsia me sufocou. Levantei e fui caminhar sem direção pensando que tudo era apenas uma afetação do intenso primaveril. Mas ao voltar, não resisti ao seu andar pueril à minha frente sugerindo confluir o mesmo caminho que o meu e, em minha poética ela tinha a história em que meus passos seguiriam...

Cheguei bem perto da moça. A formosura incomparável do seu rosto me emudeceu, ainda que muito suado, gelou-se-me o corpo inteiro e ofegante por saber que sua beleza me era vital; desisti de falar, deixei o tempo correr, mergulhei de olhos bem fechados com aquela peculiar expressão de desespero feito garoto perdidodo seu endereço em meio à multidão... Naquele instante, minha certeza se afirmara: a volta da praia também seria sempre um agito cardíaco.

Desenho: Costa de Souza/ http://costadessouza.wordpress.com/

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Adássia por Sergio Martins




Não era Catléia,
nem Azaléia
ou Acássia.

Não tive ideia
da flor ateia
ou audácia.

Mas dançava toda prosa
também de vestido rosa:
Adássia.

Imagem: http://arrozcomtodos.blogspot.com/

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Outra Paixão por Sergio Martins

[Para+o+poema+Encanto.jpg]




Se desculpou o meu amor,
mas vai chover.

Na terra seca nasceu a flor
– Cactus de beber –.

Vai ver que era só um pavor
– tempo a perder –.

Encanta e morre. Breve Beija-flor
– poesia a renascer –.

Lua: festa sua, nossa canção.
Nua: arte crua, minha divagação.

Bruma: vida pura, outra paixão.
Pluma: flutua. Bossa suja e limpa esse chão.

Imagem: http://janeladaminharua.blogspot.com/

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Amada pátria por Sergio Martins


[patria-amada.jpg]


Dias de chuva no litoral são outro falar...
O silêncio nublado de séculos discursa as despedidas tropicais,
sinais de rancor, medo e fuga...

Aqui, onde os deuses de cara pálida resolveram pisar,
neste chão que cresceu e mal se ajeitou,
com as cinzas deste dia, há um renascer nas perdidas
alegrias dos índios, resquícios de uma tribo que habita minha alma...
Mas andamos tão velozes neste barro vermelho sem notarmos a mistura de tanto sangue...

Distraído, perdi-me do tempo vendo a sombra noturna dissipar-se à melodia dos pássaros matinais... A neblina, então, extinta, abre o céu colorido, metafórico, metamórfico e crescente como euforia de alforria - sorriso sarcástico de Deus para a crueldade dos colonizadores -; o frio é suprimido pela brisa primaveril feito calor humano sobre o brutal capitalismo e qual esperança após a guerra, no luzeiro mágico do dia e dançam pra mim, , árvores, flores, pássaros, crianças: luzes e cores de um tempo que parece desabrochar para o amor...
Seria feriado no corpo e na alma...
Um dia que em dores agudas se curva à pró-clamação pela sua liberdade...
Monarquia e democracia - manchas tristes, primavera que o Brasil ainda não conheceu...
República republicada semelhante profecia que sempre volta para se cumprir: infância restituída à sua terra-mãe: prostituta e amada pátria.




sábado, 13 de novembro de 2010

Soneto à alma penada por Sergio Martins




Diante do retrato, uma alma penada recorda
da magia morta: os brinquedos perdidos
qual esperança em estio- falta que corta
seu prazer- mistério roubando os sentidos.

Em tudo há um espelho refletindo a saudade:
no Jequitibá, nos livros, nos quadros, no mar,
nas primaveras desbotadas em sua idade,
nos invernos em que a solidão fez seu íntimo nevar,

em toda mulher que é tão madrasta quanto uma paixão transcendental,
por isso, ao mesmo tempo se sente um príncipe e um mendigo,
então explode: que vida cheia de Graça é essa que não vale um Real?

Diante do retrato, essa miserável alma penada sempre lamenta:
porque tudo o que me aflige mora neste jardim de beleza?
E finalmente ouve a resposta: quiseste ser poeta, agora agüenta!

Imagem: http://calicevertido.blogspot.com/

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Zé por Sergio Martins

Ocê anda tão apressado
que nem sente a brisa da manhã,
o canto dos Bem-te-vis
e a sanfona dos bons tempos na roça.

E aí Zé, por que essa pressa?
E aí Zé, que pressa doida!

"Ocê" anda tão arretado,
comendo Fast Food envenenado,
adoecendo atrás de dinheiro
e não vês que a vida
por si só já é um lugar ao sol.

E aí Zé, por que essa pressa?
E aí Zé, que pressa doida!

Imagem: http://www.sobreadministracao.com/
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