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sábado, 24 de novembro de 2012

Com bola e tudo - Sergio Martins






O amargurado encheu as malas, partiu pra roça e feito um altar, pôs os quadros e as fotos no mesmo lugar numa tentativa de eternizá-los intocáveis em sua época festiva...

O aventureiro achou vida estradeira, um lar em cada esquina, uma paixão por mar e embora não permitisse ser possuído, foi presenteado com os ares e as pessoas que respirou e assim, viajou - mesmo sem nada ter; conquistou seu próprio mundo.

Rico, o maioral partiu. Por só querer querer, comprar e não perder, ganhou apenas o que acumulou: migalhas de seu amor ao poder. Então, sem nada, partiu outra vez.

Afoita, a maior, foi a primeira a sair. Tão logo, achou a nova casa profundamente entediante, insensata e vazia quanto os cômodos de seu mundinho...

Estressado, no intuito de partir, o do meio achou um meio mais fácil. Mas os dias seguintes se tornaram difíceis e infelizmente, não encontrou o caminho de retorno...

O inferiorizado era o mais jovem e pequeno. Este permaneceu qual beleza fúnebre das rosas: envelheceu cedo demais. Solitário, notou que havia uma bola de futebol em seu quintal, porém, não achando dono para ela, deixou a calçada esquecido de seu banquinho de plástico e como quem marca um "gol contra" em final de campeonato, entrou em casa(com bola e tudo).

domingo, 18 de novembro de 2012

Outras vozes - Sergio Martins





O mágico olhar se tornará gris e sequioso
e o seu Scotch caro não será milagroso.
Depois de cair e notar o mundo girar,
desejará aquela máquina de escrever,
a máquina do tempo, rezar ou desaparecer?
Logo que ouvir outras vozes do seu coração,
lembrará de promessa, desabafo e perdão,
que tudo é só necessidade de se encontrar
(no colo de mãe), de novamente se apaixonar,
que todo seu trabalho estúpido para morrer
era somente o afã de intensamente viver...
Na solidão noturna em que a luz faltar
e, no frio silente, o último cigarro se apagar,
acenderá outra rua num viver sem chegar
ou será um amor desvairado que irá te salvar?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Em meus lares (a favor da tribo Kaiowá por seu território ancetral) Sergio Martins



Resultado de imagem para aldeia guarani-kaiowá do mato grosso do sul




Ao tempo em que não caíamos na segunda divisão,
o fútil olhar morria de amor com toda sua alienação,
estavam em alta o reality show e a moda primavera-verão,
por conta de mais um namoro gris, aqui vivia-se a depressão,
e lá, Sol e Tupã tristes, fracos e em apuros na dilaceração
de um sul que é a cara de Brasil ou parece um outro que não viu
ou não quer ver este que segue inerte na ponte que se partiu...
No instante em que eu não conferia o troco,
gastava sem razão, fazia questão de pouco,
enquanto você dormia e eu só fazia
meu papel de escrever mais rebeldia,
havia morte à Gaia em nome de Deus, pó sobre pó
em todo meu solo Guarani, Taquara, em Caarapó...
Onde a Senhora estava que não soube da Aty Guassu em Yvy Katu,
Ñande Rú Marangatú, Sombrerito, Guyraroká, Potrero Guassu...?
Talvez o Senhor, no frio de ar condicionado assistisse televisão
com a bela propaganda de felicidade maior que a da desolação...
E eu, aonde me escondia, encontrava-me e a tudo perdia?
Vou dizer com um tanto de vergonha, nem sei se deveria:
fazia Mbaraka e Takua contra a maldição de homens pálidos,
em meus lares Kaiowá, Pyelito Kue, Tekoha Ñu e Porã – Dourados.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Borboletas - Sergio Martins







Pousou. Ascendeu. Deslizou. Acalmou-me:
Planei no céu. Abriu o segredo e contou-me.
Violão do corpo à alma, novo se fez,
flor colorida confundiu-se com sua tez,
como fosse alegria de primeira vez
toda a nossa beleza que se refez.


Abandonando o prazer de um farol
mergulhou ao encontro do sol:
minha sombra despida, a razão faz valer,
na timidez de tocar-me, no orgulho de sua luz obter...

O que traz um sensível olhar às estrelas
devolve-me a graça nas incertezas...
Se tropeçante e com medo abro as janelas pra acreditar,
já não me apresso em entender o seu levitar...
Minhas asas são – suas -,
as curvas que me obrigam - suas ruas -,
ao vulnerável atalho dessas - águas turvas, brumas -,
duas luas - vibrantes em suas palpitações mudas -,
é cada olhar no castanho mar  - dóceis uvas -,
é feitiço marulhando - almas impuras-;
borboletas recém-enclausuradas provando, sorrindo e nuas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Idas e vindas - Sergio Martins






O sol matinal com seus raios oblíquos sorve o orvalho da última noite de uma temporada de chuvas, colore os capinzais, os arvoredos e as ervas rasteiras pela estrada alagadiça... Sinto o cheiro da terra, o café exalando gostoso está na xícara grande que seguro com minhas mãos frias; do meu quintal, um pardal afoito e perspicaz dribla o medo de estar em minha presença e leva as folhas da mangueira caídas ao chão, as nuvens cinzas se fragmentam, a brisa que afaga o rosto é aquecida e tem perfume de flores, a cigarra canta, as borboletas monarcas reaparecem, o campo recebe os garotos famintos de bola, um sabiá passou cortando o silêncio qual faca afiada; bem ao longe, uma pipa deslizou e eu sorri por ainda acordar moleque desprendido de razão... E penso em como é bom festejar a ida... A ida à molecagem, às ruas barrentas da infância, ao carinho acolhedor dessas noites de Outubro... Abrir as portas e receber a primavera no íntimo como um desmedido amor próprio: idas e vindas do dia grande, festivo e de beleza gratuita, das felizes e esperadas cores, do aparecimento da novidade da terra, da caminhada de bicicleta aos fins de semana na estrada por onde as amendoeiras arremessam suas copas, das sombras e folhagens, das novas canções, dos inusitados romances, do velho livro que se acha em meio aos badulaques empoeirados, do nascimento tão esperado, o choro que só chega para a ida do que não é bom, para não mais lastimar a dor antiga, o sorriso extenso para jamais deixar de chorar e sofrer pelas razões certas, a certeza inusitada que o que se perdeu, na verdade, é o início de uma saborosa vida, da sensatez de não nos preocuparmos demasiadamente com coisa alguma...
As flores me esclarecem os valores das idas e vindas: da saudade, da solidão, da tristeza, da alegria da chegada, das despedidas, da arte da reconstrução, da possibilidade na impossibilidade, da Graça em meio à desgraça... Brindemos a mística de nossa primavera: o eterno acreditar...!!!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Réquiem para dois (de novembro)




Porque os dias são Finados, chorei antes de rir ao amanhecer de sol e chuva — que despontou cinzas e sombras no meu chão...
Porque os dias são Finados, da mortal beleza revelou-se para mim um vulto de sorriso em meio às brumas inquietas do cemitério e, por estar morto e sepultado em lirismo eterno, senti a calma e o prazer dos suicidas quando a última fresta de sol tardio fechou-se como um caixão ofertado à silente e fria escuridão da terra...
Porque os dias são Finados, sinto-me em paz, contente e abrigado no seio de minha mortiça dama, a que contempla e chama-me às doces canções de sua boca — como se eu pudesse ver as luzes enfumaçadas de suas velas em meio à penumbra de minhas encruzilhadas...

Porque os dias são Finados, sinistros corvos agouram, morcegos dançam em acrobacias e assobiam, os encantadores urubus me desejam, pois sou vítima espreitada e indefesa no ventre desta floresta assustadora. Enquanto estes espíritos me lembram do mundo do além e elevam funestas sinfonias, palpita o meu coração feito sinos góticos, anunciando a junção dos ponteiros festivos para minha última valsa. Nesse momento, entre lápides e crisântemos, um arco-íris reafirma o amor de minha bela morte por mim; o que me faz grato e feliz, semelhante ao velejar apaziguante de um réquiem para dois (de novembro).

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Em Novembro - Sergio Martins






Em Novembro, meu Ipê amarelo não floriu. Foi quando me lembrei que as despedidas de Agosto e os perfumes insensatos de Setembro aportaram em mim como se a tristeza fosse uma doce sinfonia que não se pode esquecer...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, aprendi o costume de me olhar no espelho sem notar o passar das horas, de perceber os traços do tempo em meu corpo e de tentar viver na contramão do passado.

No ano que o Ipê amarelo não floriu a fé expurgou-se de meu íntimo; então aprendi que é melhor viver um sonho louco a ter uma vida sã em vão.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, me dei conta de um drama: em meu nome há rosa. Sou um homem de uma flor só. A poesia me floresceu. Mas não é essa a flor que com seus espinhos me perfura o íntimo. A dor que sinto provém de uma rosa que cada pessoa a chama por um nome. A minha rosa dos ventos esquisitos tem a sua rosa como nome próprio. Essa dor que de mim não se desprende vem do trabalho que me adiciona mais trabalho e mais tempo para eu não ter tempo para mim. É que a gente pobre trabalha triste... E não raro, perdemos a fome e o sono na tentativa de construir com o que acumulamos: o nada e o em vão. Todavia, sei que a miséria existencial não é só o azar financeiro, e sim, o malogro no amor e todo esse olhar para a vida de esperança perdida que ele nos impõe. Mas há na pobreza algo ilógico: a força que absorvemos para enfeitar e encantar a feiura dessa vida. A dor que sinto é por amar. Amar a vida, por me empenhar em prolongá-la e me eternizar em sua beleza como fazem e conseguem os deuses e os poetas. Quem me dera ser corajoso e desleixado como os loucos e os homicidas!

No ano que o Ipê amarelo não floriu, rebusquei nos álbuns de fotografias e em documentos as minhas origens e certifiquei de uma verdade: a tristeza é minha mãe. Nunca vou abandoná-la.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, notei um vazio em mim. Por certo, este vazio já pairava no ar de minha atmosfera, eu é que estava distraído em meu namoro com os atrativos do meu olhar. O vazio é em mim. E acho, até mesmo, antes de mim; antecipando-se ao meu olhar feito cortina de neblina outonal. O vazio é. O vazio está sendo. O vazio sempre está; embora toda a alegria de viver o acometa de um profundo sono. Este vazio mora em mim de forma indesprendível qual Graça de amanhecer e ao mesmo tempo uma tática do amor, isto é, o meu próprio vazio querendo me aproximar dele, o amor, a fim de que eu seja dependente de ser completado por ele. O vazio é um comigo. Eu sou todo um vazio só: vácuo enigmático que não se pode definir. Meu vazio tem o doce aroma da morte melancólico de Novembro e dos campos de batalha e é do tamanho da beleza indiferente da moça na pintura...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, o pé de acerola secou e morreu. Parece mesmo que ele, o pé de acerola, tomou as minhas dores – as dores de um mundo pesado que me curvaram as costas...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, desfolhei páginas amareladas e empoeiradas de um velho caderno e dentre um amontoado de rascunhos que fiz, li meu desabafo que absurdamente parece ser atual: “...Aos meus lábios, emergiu de tua boca a doce calda de pêssego, ao meu destino flui o mar amargo de tuas palavras que mudou pra sempre a minha direção... Os quadros, os filmes, as fotos, as festas e as viagens perdidas que vez por outra lembramos... As palavras ao pé do meu ouvido em francês... O lençol continua novo, branco e lavado, porém, frio sobre a cama. O corpo continua jovem, virgem, belo e triste flutuando nas nuvens cinzas de sua realidade..."
O que há de florir meus olhos e acender as luzes místicas nesses Ipês que se apresentam como monumentos estáticos e frios no meu Jardim Novo? Quando se dará o florescimento de um soneto numa folha simples de papel que presenteará a dama enquanto dorme tão cansada e esquecida de si? Quem vai acariciar tuas costas com os lábios sequiosos a fim de sorver suas irritações? Onde ficarão os velhos quadros? Quem há de mostrar-me a bela música do meu funeral e em Novembro, o que em nós há de ser certeza primaveril?.
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