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sábado, 4 de novembro de 2017

Dos altares - Sergio Martins

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O túmulo físico também é a tradução de nosso altar interior onde reverenciamos tudo o que amamos - flores para os que se vão... Isto me lembra um princípio da psicologia: "só cuidamos devida e demasiadamente daquilo que realmente amamos" e da máxima teológica: "onde estiver o teu coração, aí estará o teu tesouro" - meu coração é espiritual porque está na beleza sagrada, na poética silente que responde à histeria pós-moderna... Guardar o que se ama é pôr em túmulo - os Faraós sabiam muito bem disso. É como a fotografia, isto é, a tentativa de eternizar o momento - belo. O túmulo-altar é o lar no qual desejamos viver eternamente com as coisas e as pessoas amadas...
Estou no passado com as coisas e as pessoas que amo ao sentir tão somente a criança que ainda sou – é quando aqueles espíritos bons e eufóricos me convidam a brincar -; mas a tentativa de ressuscitar tais espíritos também é magia perigosa, é brincar de ser Deus...


domingo, 29 de outubro de 2017

Dos corpos que não caem - Sergio Martins








Naquela terra, já em outubro caíam árvores e corpos...
Os ventos que secavam as lágrimas também exauriam sonhos - ondas enfurecidas que feriam e ignoravam a juventude, mas não a levavam consigo; e assim a moça permanecia... Era ela a prova da força cruel do tempo, um cais arrebentado defronte ao seu destino e a partida do amante navio...

Do antigo ipê amarelo, os ventos repaginavam capítulos perdidos, as saudades dos encontros e confissões – chegava-se a arte tardia e primaveril; as flores espiavam as horas friorentas da manhã e a música inquieta que vinha do sopro, dos ares de outrora, tremulava as penas de um pardal, o qual, desolado, lamuriava a solidão e a perda do seu ninho...

sábado, 28 de outubro de 2017

Casa Vazia - Sergio Martins









A saudade é agora – espaçando-se pela casa vazia.
É apenas meia-noite e a soma de minhas noites já é meia-vida.
O final do dia é sempre mais um começo – a reclamação de toda a vida que está por vir; pois meus instantes são os ensaios desleixados dos deuses.
Eu tenho muitas flores embora nenhuma me possua; e sinto que esta liberdade é semelhante aos dias derramados em minhas mãos nas tentativas frustradas de segurá-los – é que pertencer a nada é quase uma identidade alienígena...
Se um sonho me aborda, logo se torna breve no tempo que me desperta para outras verdades...
A saudade talvez não seja mais da vida intrauterina, mas da morte que sempre se esconde, ainda que ela (minha bela dona!), espreite e deguste-me com seus românticos olhos.
A saudade... Talvez seja de mim mesmo. Sinto isto quando a casa, no tempo-espaço, está cheia...
A saudade é agora – espaçando-se pela casa vazia.

domingo, 8 de outubro de 2017

Flores Primaveris - Sergio Martins


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A liberdade (de seguir unicamente o caminho trilhado por mim) cala os desafetos e aquieta a amada e tão esperada solidão: um fogo brando aquecendo toda a vida e a defendendo do pavor – o atribulado mundo. 
 As horas do sonho me entusiasmam – pois discursam artes futuristas - ao tempo que descrevem amores nas folhas opacas despedidas pelo chão – embora sejam primaveris. 
Se à noite tenho a única e inebriante vida (a qual, por ser mágica, acende o vagalume), nos dias de luz deságuo irrequietas chuvas – floreio garoas sorridentes, riso-sarcasmo e tímido alargando-se no instante em que meus olhos se apequenam; pois é fúnebre todo o desmaio da tarde no declínio dos sonhos, o sono à luz de pianos e violinos, toda ilusão que afaga a realidade desbotada e define as sombras agourentas do caminho de quem o aprecia...
Não, não me digas jamais a verdade.
Quero a ilusão pura e intensa para o meu transbordamento - eu transo com a fantasia; pois é dela o orgasmo vital dos pseudopoetas: ser sempre eu mesmo dentro e fora de mim.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

Gatunos - Sergio Martins



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O gato dorme no alto da árvore...
Passado meio-dia,
à poeira colorida que sobe ao céu,
ao barulho de carros mal-educados
e à feiura dos comportamentos...
O gato dormindo no alto da árvore...
Ignora fumaças de cigarro,
o sol fustigante e a irritação,
a menina me pergunta se animal tem alma,
filosofando sobre irracionais felizes...
O gato dorme no alto da árvore...
Acima dos sapatos em correria,
dos suados preocupados,
lábios sequiosos e mãos aflitas por capital.
O gato dorme no alto da árvore...
Bem alto, inatingivelmente alto!!!
Abaixo, tudo. Tudo rebaixado:
a cidade veloz corre na autoestrada-vagarosa-autoestima...
O gato dorme no alto da árvore...
Invejando pedintes, apaixonados e frustrados olhares:
gatunos espíritos sem galho ou árvores na vida-rua-vazia e noturna. 

domingo, 21 de maio de 2017

Bilhete premiado - Sergio Martins








Eu tenho um bilhete premiado. Estou louca de empolgação e quero apresentá-lo às minhas amigas.


Enquanto deixei apenas a casa desarrumada, o Antigo levou minha carteira com dinheiro e documentos – nela havia um poema adocicado que eu lhe daria de presente.

Agora eu tenho um Novo - bilhete premiado. E embora ele só retorne do futebol muito tarde, sei que ganhei a sorte grande para toda vida, um companheiro para meus altos e baixos de cortisol e adrenalina, de metanfetaminas, aguardentes, café e cigarros na insônia.

À tarde, quando acordamos sob o crepúsculo de dopamina, ele tem olhar pedinte - miserável e travesso! Eu não sei negar-lhe as migalhas: dou-lhe um beijo com gosto de rivotril... 
Eu tenho um bilhete premiado. Mas tenho pena de nós e acho que ele sente o mesmo, pois me disse que também sou o seu bilhete premiado. 

sábado, 20 de maio de 2017

1 cigarro - Sergio Martins









Para esta vida enorme e veloz, morte vagarosa – fantasia...
Naquele frio, percebi como são elegantes os clarões azulados dos lenços enfumaçados que sobem de sua boca... 
Minha fumaça entrelaçou-se à sua, como se nossa solidão se abraçasse; tornando-se uma só alegria...
Que maravilha essa terra: cinzeiro e luzeiro nosso!
O céu afaga, fuma monóxidos e tristezas, mas também faz cinzas do que não é poesia...
Às caretas de um tempo que apenas fecha-se aos caretas fúteis e carros acelerados (quais guimbas de toda beleza e sentido), mais um cigarro...
1 cigarro...
E assim, do absurdo e do divino fizemos rima:
relaxa, acenda e traga sua dor,
enquanto eu queimo outro amor – 
para esta vida enorme e veloz, morte vagarosa – fantasia...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A pobrezinha - Sergio Martins




A pobrezinha é simples e bondosa.
Romântica, amante da vida.
Ah! Pobrezinha bondosa... 
Simples.

Ela ressignifica o presente: instantes de riqueza inspiradora, horas preciosas, fugidias e inesquecíveis.
Ela jamais poderia ser futuro, pois é feita de si mesma: presente - de alegria -, semelhante ao porto ondulante à dança do mar, nada mais que o folguedo e a segurança de sua própria alma; deste modo, não pode ser (além de festa), seguro de navio algum.
A pobrezinha é encanto, todavia simples. De orgulho, tem apenas os olhos: feitiços de jabuticabas.
E não pode ser malpassada, pois é torrada, quente, passada do ponto da normalidade. Passados são seus lábios: contos e cantos de tribos do outro lado do oceano...
A pobrezinha é um presente que só pode morar no dia de hoje é só. Nada pode ser mais que isso: utopia - sempre presente.
A pobrezinha é simples, portanto, só pode oferecer a única coisa que tem: ela mesma – genuinidade amorosa de corpo e alma.
Simples. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Quando o sonho do oprimido não é tornar-se opressor - Sergio Martins

                                               


       Necessito explicar (e não me justificar) o que é tão óbvio... é que às vezes, é difícil captar o óbvio. Se você me conhece um pouquinho, sabe de onde eu vim e de onde sou, portanto, reconhece que o sonho deste oprimido que vos fala jamais será o de tornar-se opressor. Você já me viu:

Muito triste? Furioso? Melancólico? Reclamando da vida, de tudo e todos? Isolado do mundo, envolvido apenas com meu mundo? Já ficou zangado com meu sumiço, alguns me acusam de abandono. Andando com/em um bando - de preconceituosos, alienados, machistas, ociosos fúteis, capitalistas mortos de fome pelo poder? Empossado por um discurso derrotista e de autoflagelo, de vitimização? 
        O meu humor também me define. E por que será que sou assim? Nunca confunda a alegria do oprimido com sua opressão; o meu riso não é bobo ou ingênuo, mas sim, por entender que o riso do miserável é o sarcasmo dos deuses diante de seus opressores. Minha alegria é por valorizar cada centavo advindo do meu trabalho, da gratidão pela amizade, comida, saúde... Coisas que os capitalistas jamais entenderão... Embora não me sinta na obrigação de mostrar-me feliz a todos e todos os dias - até porque a felicidade, não anula as normalidades humano-existenciais, tais como: melancolia, solidão, isolamento... 
     O argumento da meritocracia somado ao ideal utópico capitalista de felicidade (as sociedades capitalistas se organizam de forma seletiva, regidas por um pequeno grupo burguês e escravista. Esses grupos escolherão os privilégios e os privilegiados que regem, de modo que o determinismo social se traduz pelas camadas mais baixas que não conseguem atingir o topo do ideal capitalista), as ditaduras midiáticas, do consumo e da beleza e da moda, a sociedade do espetáculo gerada pela inércia e futilidade, a sandice moralista-político-religiosa que subsiste do mal - a fim de criar o “bem” para vendê-lo em nome dos deuses - vive do “enxugamento de gelo” (ao passo que aumentam os espaços religiosos, as sociedades não têm baixas sequer no índice de violência e todo o assistencialismo é a prova da falência de tais instituições) parecido com a política de enfrentamento usada pelos cães de guarda da burguesia (a segurança pública não foi criada para garantir segurança ao povo, e sim, para a proteção do Estado burguês) que matam negros, pobres e favelados em comunidades, os que simplesmente zombam dos direitos humanos e defendem ideias que sugerem a extinção de políticas públicas, a manutenção da indústria da guerra, carcerária, hospitalar e dos manicômios (morte e prisão a todos os criminosos) e a polarização da vitimização, em minha compreensão sociológica e empírica e no meu devir existencialista e artístico, demonstram que esses idealistas apenas conduzem novas formas de escravidão e punição aos menos favorecidos em vez de reeducá-los e inseri-los na cidadania e em melhores condições.                                                 
Os capitalistas não conseguem entender as contradições do capitalismo (porque estão possuídos pelo poder e não pelo amor) e que a minha vida (e a vida de qualquer socialista), não pode ser usada como material didático para a meritocracia, uma vez que não represento a totalidade de minha cultura; isto é, este negro, pobre e favelado é a EXCEÇÃO e não a REGRA. Meritocratas não querem enfrentar a verdade de perto, aprofundar-se intelectual e empiricamente em tais questões porque hão de convir que não se é possível acolher um caso isolado tal qual o meu histórico e tê-lo como regra de aplicabilidade universal, simplesmente porque as possibilidades e oportunidades que me foram viabilizadas, não condizem com a maioria dos que vêm da minha realidade - ora, sobreviver no contexto da fome e da guerra, ser vítima de intermináveis preconceitos todos os dias, de várias doenças psicológicas e desordens sociais, não raro, produz-se mais que simples revolta: o convívio com a miséria e a violência gera também alienados apáticos, mas, sobretudo, um senso de justiça individual e mais violência. 
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