Zezinho detestava estudar pela manhã, mas às segundas-feiras acordava bem cedo para ir à aula de Educação Física. Essa era a única disciplina que gostava, pois lhe dava a oportunidade de exercer seu talento para o futebol. O pai
pediu-lhe que não demorasse para trazer o pão, temendo atrasar-se
no trabalho. O garoto, sabedor que na ali na favela sempre faltava
merenda na escola, tratou logo de garantir sua primeira refeição
do dia. Na saída padaria, um
cachorro magrelo e esfomeado abanava a cauda pedindo-lhe o pão.
–
Xô, cachorro!
O cãozinho parou, abaixou a cabeça, mas
insistindo conquistar seu bocado diário,
retornou; quando Zezinho deu as costas –
Xô, cachorro!
Os carros da Polícia subiam velozes o morro. Assustado, o moleque
encostou-se à parede, desceu devagar, sentou-se
no chão; recolhido do mundo horripilante.
–
Xô, cachorro! Gritou um Policial.
O menino se levantou. Notando a distração
do garoto, o vira-lata saltou, conquistando
um pão.
–
Xooooooooooo, pulguento!!! Gritou o PM.
O moleque correu em disparada. O
esquelético cãozinho, orgulhoso de vencer mais uma batalha, correu
pelo canto da viela exibindo o alimento entre seus dentes como um
troféu.
A roda de vadios espalhou-se em debandada, entre xingamentos e
latidos de vira-latas. A matilha se dispersava pelos becos, sumiam
pelo morro acima. Os raivosos de raça vinham logo atrás, disparando
o terror, num lastro de projéteis e estampidos de guerra.
Já no portão de casa, Zezinho driblava os policiais que rodeavam
os corpos estirados pelo chão. Um policial fez a
revista. Lançou os pães no chão para conferir se havia alguma
droga no saco, os cachorros famintos abocanharam tudo. Com
muito esforço, o guri convenceu o policial a deixá-lo passar pelo
portão.
No barraco, sem os pães, o pai surrou o garoto,
sabido que perderia o seu ganha-pão porque os policiais não o
deixariam sair, e outra vez chegaria atrasado no serviço; o que o
seu patrão lhe avisara que seria imperdoável.
Hostilizada pelos favelados, a brutalidade canina do poder público
se retirava do morro e, alimentada de
vingança, exibia os corpos vencidos que pintavam aquele
solo barrento de um vívido vermelho-Brasil. Os porta-malas
mal cabiam de tanta presa. Certamente, um dia muito proveitoso, o
delegado se orgulharia da matéria na TV com tantas apreensões e
mortes de vagabundos, o que agradaria seus chefes. À noite, pelas
vielas, de pouco em pouco surgiam outros
cachorros em busca do ganha-pão de todos os dias.