A fome nos apressa e nos põe a fazer coisas pelas quais nos desconhecemos...
O domingo fica mais estranho com o passar dos anos e sempre nos lembra do momento da porta fechada com violência e assim ficamos com a sós com os ecos dessa batida furiosa...
A fuga do desejo outrora alcançado e todo o ideal de felicidade que nos afugentou e que agora apenas é filme antigo, sobretudo, nos informa que também somos culpados: espectros que tocam e nunca são tocados, veem mesmo não sendo notados...
Cúmplice do caos, te convido ao meu último e melhor vinho que bebo todos os dias, pois tua companhia prazerosa não me rouba a solidão amiga. Nesta nebulosa e fria noite comeremos da arte que nos consome o corpo e a alma, de maneira que acharemos graça em nossos rostos melancólicos e risos entreabertos e foscos. Às tenebrosas melodias do piano, me aquecerei em teu colo noturno, pálido e letal em que abraço a morte ofertada em seus carinhos. Antes de deitar-me em nossa cama onde sou possuído pela ternura da morte
a cada noite, farei meu túmulo para dormir em paz, sentirei o prazer de teu
amor que, em desespero, anseio tê-lo sempre; pois só ele, o teu amor, não apaga
a luz de minha bela e devotada amiga tristeza.