Páginas

sábado, 30 de outubro de 2010

Amanhã por Sergio martins




Amanhã vou queimar meu filme, faltar ao trabalho, botar pra ferver,
não vou morrer na praia, vou tirar onda. Tô nem aí, doa quem doer.
Vou pra galera, mentir na cara-de-pau, ouvir a verdade também,
mas se ela não for bacana que se dane, não devo nada a ninguém!
Não ficarei a ver navios nem a chorar o leite derramado,
vou mostrar minhas unhas, criar asas, ficar chapado,
enfiar o pé na jaca, não vou nem ligar, nada vai me aborrecer,
hei de cair no samba, meter a porrada, pagar mico, pagar pra ver.
Vou me enfiar nesse jogo de espelhos, escancarar,
gritar pra quem quiser ouvir, me desavergonhar.
E que os fins justifiquem os meios,
adeus à segurança inerte e anseios,
pois não ficarei mais louco de preocupação,
chegou a minha vez, bye-bye pra obrigação
da felicidade e da moral enganosa da religião,
repugno a vaidade e o ódio, a razão sem paixão,
quero o prazer a todo custo, o viver a mil por hora,
beber da taça até o último gole, gozar dentro e fora,
rir dos tombos e dos hipócritas, fazer sacanagem,
cuspir na cara das utopias da politicagem,
ser dono do meu próprio nariz,
não precisar de grana pra ser feliz,
esquecer a obsoleta e absurda educação, amar,
ser eu mesmo, fazer outra alegria pra me acriançar,
desconhecer todo medo e toda culpa, sonhar,
depois de todo cansaço da procura, descansar,
ser irresponsável, me sentir bem, conhecer um broto
e acordar em paz na Graça de me sentir um bom garoto:
aquele que dá luz, colore e descolore o céu que lhe encobre,
que desenha, apaga e não desdenha o seu papel mais nobre.





Se tardar por Sergio Martins


Acho que não sei, o mar
– pastos dessas vidas secas –,
é o que deveria estar;
mas se vai... Não posso entrar.

Passos que dei devo trilhar:
beira-mar, luau, fogueira...
E você pra me amar.

Se me perdi, por que não voltar?
Se tardar não chego lá.
Corri a vida inteira...

Imagem: http://filosofossuicidas.blogspot.com/2010/07/carta-e-entregue-com-mais-de-70-anos-de.html

O retrovisor por Sergio Martins


Para onde vão tuas canções sem o horizonte e suas linhas?
Eu sei que procuras o sol da manhã e que caminhas
às pressas para as festas e ao seu trabalho,
mas no carro, vês no retrovisor que seu caminho é só um atalho,
pois no silêncio, na noite sem luar, sozinha, não podes se esconder
e, tão distante, carregas comigo o peso do amar sem viver.

Mas há esta vida inteira que eu não quero perder,
enquanto presumo que um dia vais entender...
Você diz que está bem, mas ninguém sabe do vazio em sua cama.
Como pode ser feliz quem não sabe dar amor a quem ama?

Para onde vão tuas mãos sem as trilhas quentes das minhas?
Eu sei que se torturas em seus templos – subproduto das vinhas –
às vésperas da loucura, onde sem paz e alegria tudo é falho...
mas na dor, no quarto, em dia frio, só eu sou seu agasalho,
pois sem poesia toda verdade é utopia de enlouquecer
e sem felicidade, tudo é vaidade: encanto fadado a esmorecer.


Mas há esta vida inteira que eu não quero perder,
enquanto presumo que um dia vais entender...
Você diz que está bem, mas ninguém sabe do vazio em sua cama.
Como pode ser feliz quem não sabe dar amor a quem ama?


Imagem: http://juliadr.blogspot.com/2010/05/retrovisor.html

Sorte por Sergio Martins


Quem está para a sorte como a abelha está para a flor?

O que nos atrai à conquista se não o imprevisível de uma terra que recebe os raios de um céu tempestuoso?

Imprevisível como o dia de amanhã é toda esperança depositada nesse destino. Segurança é palavra utópica do positivismo.

Sentir o feitiço da floresta, navegar sempre por mares estranhos, abandonar o porto seguro de tédio e medo, contemplar o sábio cotidiano da abelha (melhor modo de pensar a vida), degustar todo o mel do caminho, plantar e conhecer novas flores...
E então, quem está para a sorte como Deus está para o humano?


Pique-esconde por Sergio Martins



Tenho medo de sair de casa. Em todo canto há coisas assombradas:
pelos prédios, colégios, pelas praças, igrejas, vilas, calçadas.

Os carros passam apavorados nas avenidas,
os vira-latas assustados deitam-se nas esquinas,
nas ruas tudo está parado, não se ouve um pio,
não se vêem gatos ou gente, tudo está vazio.

Nesse silêncio só o relógio anuncia cada segundo;
quem roubou a vida deste mundo?

A chuva caiu porque Deus chorou?
Encoberta pelas nuvens, a lua viajou?
Seria eu a pôr tristeza em tudo o que vejo ou ninguém mais vê?
Se ninguém liga para este pobre mundinho, me diga, por quê?

Por que, na noite nublada que passou
nem os pirilampos se acenderam,
e no dia ensolarado que já chegou
as borboletas não apareceram?

Preciso saber senão vou ficar maluco,
o que aconteceu a esse lugar e com todo mundo?

Se não se não é dia das bruxas ou o sono que a todos venceram,
nem sexta-feira treze ou os passarinhos que adoeceram
e não são as flores que murcharam,
muito menos as abelhas que não acordaram;
já sei então o porquê de estar faltando o colorido
neste planeta que se perdeu do seu belo divertido
e de todas as suas riquezas que se escureceram;
só há uma explicação: os anjinhos é que se esconderam.

As boas contribuições da vida por Sergio Martins



Saí à rua para me alimentar de beleza e de tudo o que provei, trouxe para casa a poética das flores brancas e das rosas-chá. Nelas eu depositei um sorriso e em mim elas deixaram perfumes de saudade.

Saudade é o vazio dos instantes satisfatórios que permanecem em mim e que se torna intenso pela dor de não poder ressuscitá-los. Portanto, lançar um olhar encantador sobre a vida, também é minha tentativa de resgatar o prazer perdido: em seu perfume, a rosa faz emergir fragmentos de ocasiões suaves que habitam meu íntimo. Ela possui os meus mistérios. Entendendo a rosa, facilmente são descobertos meus enigmas; por isso me tornei-me íntimo de um botânico.

Vi flores brancas livres ao vento com suas pétalas iluminadas ao luar, dedilhei levemente o veludo sensível da rosa-chá, beijei seu corpo fascinante ao orvalho, senti o aroma de sua essência... e quando a praça se encheu de crianças, fiquei ansioso para brincar e pelo verdíssimo gramado, fui aguçado por uma sede de escorregar naquele tapete já sentindo o cheiro do capim sem me importar com o penteado e com as roupas que se sujariam; logo, me perdi do tempo no escorrego, subindo em gangorras, soltando a voz ao doce clima de me sentir dentro de um corpo útil e de uma vívida alma, chamando os amigos para um passeio no balanço onde nos divertimos até ficarmos cansados, cantamos feito loucos, caímos na grama, descansamos a barriga que doía de tanto rirmos e depois, bebemos guaraná numa mesinha de pedra em companhia das crianças.

Navegante da vida intensa, um amigo fez cerimônia erguendo seu copo cheio de refrigerante: diante das flores, brindemos à poesia! E para não perder o embalo da euforia, reforcei o rito: porque de todas as boas contribuições da vida, as flores brancas e as rosas-chá são eternas companheiras!

Do simples, o doce veneno por Sergio Martins



Adentrou-me o amargo do seu abraço, um peso na consciência pelo seu descaso... Seu olhar me é depressivo, em teu sorriso há uma cilada irresistível e cruel... A química me entorpeceu numa estranha sensação:
uma foto rasgada no chão,
uma carta pra ninguém,
conversa sem razão,
cantar– triste tentativa– esquecer o desdém...

O que me faz bem é o que mais me faz mal: Aprendi a gostar de escrever e de ler o que não é do meu dever– psicoterapias–, a querer o que não é não do meu querer, a considerar a solidão como fiel companheira e a lutar contra o que não pertence ao meu ser...

Virou-me para baixo, do avesso convivo, sempre como ontem, nos traços errantes desse escrito– alma em desordem, homem-não-homem em abundante aflição...

O que me faz ver o atraso,
infelizmente, mora ao lado,
esquerdamente batendo forte,
velozmente me desvia do norte,
ilegalmente me subtrai a sorte;
e o insucesso não me responde
se ainda tenho jeito, sentido, vida, morte...

E tudo era tão simples...


Cai por Sergio Martins


Cai: mais um nível da ligeira felicidade.
Cai: o zero que se entendia ser absoluto, mais baixo fica.
Cai: de tantos cais falazes a esperança fez-se ironia, e já nem se acredita na possibilidade de uma queda maior.
Cai: no aprendizado que demora fazer levantar, mas que promove a sensação de desamparo num conformar-se com o terror do imprevisível.
Cai: o segredo do interior da casa que se torna visível no tempo estranhamente belo.
Cai: o brilho prateado a regar o semblante decaído.
Cai: tremor de medo á luz dos lampejos.
Cai: para esclarecer que a causa da queda nunca é a tal chuva quando as visões do interior da casa confundem-se com o perverso tempo que cai.

Fotografia por Sergio Martins


Amanheci com o despertar mudo no olhar e a poeira de chuva através da janela era um tédio infindo – pesadelo que à noite me assalta.

A chuva ganhou liberdade, entoou sua música eufórica para romper meu silêncio entorpecente e aquelas agitadas pulsações se acalmaram no recordar dos teus sorrisos; no meu adocicar em sua voz de canção.

E segredado em meu íntimo, seu olhar voltou a ser a beleza maior, o anil do meu céu tempestuoso; seus olhos verdes – abismo luzindo a manhã de alento, irrompendo a realidade, rasgando a ansiedade, colando minha autenticidade. Sua imagem parecia eternizar as prazerosas sensações que conheci em teu corpo. Naquele instante, vi a rua feito papel em branco me chamando a andar no brilho colorido que juntos podemos desenhar. Ou seria fotografia – revelação da imagem como tentativa de pôr infinidade à poesia?

Bobo alado por Sergio Martins


 
Ela passou dançante e iluminada feito um raio,
olhou-me assim de soslaio,
por minha veneração recebi de minha razão mais um vaio,
meu corpo moveu-se à leveza do seu pairo,
e eu, palermamente esvoacei em seu ar de Maio,
no seu sorriso cínico em que de contínuo me esvaio,
ao dourado alvorecer de seus cabelos em que me distraio,
à poética do seu olhar-verde-mar que nunca traio,
às suas ondas imprevisíveis que sempre atraio
e no seu aquém-mar prendi-me como num balaio.

E então, será que desse convés imaterial e zombeteiro eu caio?
Só sei que mesmo rastejante, de seus pés não saio,
serei um fiel gentleman, seu contento aio
e desse bobo alado, ela há de ser um amorável e eterno ensaio!

Escultura: Eros e Psique - de Antônio Canova, no Museu do Louvre, em Paris

Passa por Sergio Martins



Passa mais outra página onde irei voltar e passar.
No seu olhar me passei adiante - estou passado,
pois na liberdade das borboletas te vi passar.

Por mim, deixo você transpassar para o medo não me passar.
Em branco passa o negro passado e essas marcas hão de passar.

Do raso ao íntimo, vejo uma criança que velozmente me ultrapassa;
então, naquele passado não mais passam mal meus passos,
pois a infância é um paço imperial: presente sempre presente. Rio que não passa.

Passa a largo o silêncio frio das madrugadas no olhar colorido do céu brilhante que passou para baixo a monotonia triste da campina no quadro empoeirado que o pintor esqueceu de pôr vida - e de graça passar.

Passa o passarinho cantante se contrapondo ao rumor das ondas anunciando que a maré alta vai passar.
Passa à frente o carteiro, um passaporte me levando até você; daí, te vejo: campo florido que passa.

Você, minha verdade absoluta, correnteza de um sentido maior, rio de um Janeiro que me chama a passar junto, a trocar, a não deixar o amor passar.

Tudo passará, nada se perderá e tudo se reconstruirá se você passa a me habitar; se de norte em norte do seu caminho me fizeres passar.

Por crer, por ter você e por amar,
sinto muito se um indiferente olhar
pelas estrelas passar - vejo tudo ficar e o nada passar.

Imagem: http://vivopelavida.com.br/2009/04/12/feliz-passagem/

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Soneto ao ocaso por Sergio Martins


Aspiro teu pulsar agitado de mar aberto,
teus lábios grandes, róseos e tépidos,
teus seios escorregadiços e lépidos;
o pulo alto de teu desejo fugaz e incerto.

Tenho o doce e a inocência desta criança,
à fome de teu corpo sonho no inverno,
sorrio às tuas canções de colo materno
e dos teus olhos almejo apenas a pujança.

Te quero mesmo com toda ausência,
pois já sou imensidão de saudade,
e desejo não ter mais que a essência,

que o amor-próprio de minha existência;
e deste modo, não terá dor que dê fim à
beleza feliz onde o ocaso não é falência.


O acaso por Sergio Martins


De casualidade eufórica e enganosa, o coração virou todo acaso;
conquistando velhos e novos olhares –saltando sempre mais alto:
cada dia um novo lugar de luzes e sombras –contra-mão e atalho.

Mas não é que de casualidade eufórica e enganosa, o tal acaso
por fim, tornou-se felizardo pela via de um amor apaixonado?

E assim, este acaso casou-se na casa-altar do seu próprio ocaso.

Foto: http://graosdeareia.blogspot.com/2006_10_01_archive.html

Ocaso da manga por Sergio Martins



Esverdeou-se o mar ao amanhecer:
manga pequena, endurecida de prazer.

Âmbar fez-se a tarde sonolenta e o anoitecer dormente:
manga vermelha do meu crepuscular áureo e silente.

Do amarelo seu, minha água de boca sedenta- um grande sofrer!
Perfume doce, chuva de arco-íris do meu amadurecer.

Foram muitas as luas e breves as euforias:
madrugadas demoradas- juventudes apodrecidas!

“Foi-se a manga, virou adubo, quanto dissabor!
mas até hoje guardo seu sabor...”

E por fim, tal caso seria meu ocaso definitivo
não fosse a infindável alegria deste fruto divino.

Foto: http://bbel.uol.com.br/comportamento/post/frutas--como-se-servir.aspx

Soneto ao sonho que não acaba - Sergio Martins





Ofertei todo o meu amor ao teu colo - no ar de julho
 - deitado e vivo. E, morto para as dores de friezas,
na maciez singular de tuas carícias órfãs de tristezas,
matei a solidão: memórias desse velho embrulho.

Ali, nada era como o sol que criei em tua face,
o vento de teu ânimo que veleja em meu mar,
a coragem com que me segues num namorar
melódico e, assim, minha vida é alento de arte.

Não fosse o rosal de teus lábios que assedio
e teu riso milagroso como o eclipse solar,
não seriam florais as margens frias desse rio.

Qual valsa de Strauss é o nosso leito – nosso lar,
sonho que não acaba. Teu corpo é dança e sarau,
em que minhas noites vazias têm a graça estelar.


Soneto a outro Jardim de Cactus por Sergio Martins


A Rosa Branca embebida de orvalho que beijei com calma,
recriou tua boca faminta ao hálito aromático,
e em inseguras metas e um tanto sorumbático,
inclinei meus lábios vencidos de frio para lavar-me à alma.

Num caso de amor com a vida e à beleza temível,
vi a escuridão de toda minha vida qual tema
fúnebre na lua infeliz feito meu único lema
ao perfume de uma morte incessante e inevitável.

Entorpecente, exalou em mim todo aroma de sua crueldade,
foi-se o pólen de sua inocência espargido pelo ar
semelhante a quem amou (de sua vida, apenas a felicidade).

Deitei em sua terra macia, não percebendo que ali seria o fim
do meu escasso e afável pulsar, pois no Jardim de Cactus,
a Rosa Branca era só mais um espinho perdido– dentro de mim.

Imagem: http://digiforum.com.br/viewtopic.php?p=877418

Soneto com dores e amores por Sergio Martins


Com dores e amores, muitas vezes, a raiz voltou a nascer
sem ressentimentos, conduzida por um perdão em flor,
crendo que o corpo de sua velhice teria a força do amor
no coração lodeiro da terra que lhe recebeu sem prazer.

Com dores e amores, a mocidade fechada no frio da serra
lançou a amargura lameira; mas sossegará seu cansaço?
descansarão aliviados, seu frágil corpo e o seu espaço
na estranha, infértil, incompreensível e distante terra?

Com dores e amores, a terra se recusou a comutar
afeto e a nutrir paixão na pobre raiz, e copularam
suas cores, seus odores e sabores – tristeza de luar.

Com dores e amores, sem ter razão feliz no mangal,
a raiz embebedou-se com a cicuta da terra má entre
as Coroas de Cristo e os Crisântemos do seu Funeral.

Pintura: http://poesiaeafins2.blogspot.com/2009/11/aquarela.html

Soneto sobre a boa e negra terra por Sergio Martins




Não era o Cálamo, o umbuzeiro, o Açafrão,
o Álamo, as Acácias, os imponentes Ipês,
as falhas ou todas as carências desse mês;
nem o rude tempo sobre o campo e o ribeirão.

Não seriam os Plátanos, o Jequitibá, os Dentes-de-Leão,
os Lírios diáfanos, as Damas da Noite e os Muscaris,
todo meu vago e o meu vagar, o vento das tardes vis,
muito menos o lodo e os Mata-cavalos à beira do valão.

Não foram os Hibiscos, os Cedros brancos, as Ervas Cidreiras
nas encostas... O encanto fugaz morou em teu corpo fugidio e
omisso feito litoral poluído e suprimido às imensas cordilheiras.

Não poderiam ser os Alecrins, os Aloés, o Bom Dia na horta.
A ferocidade sobre a boa e negra terra é o desdém, a falta de
Bálsamo sobre suas feridas qual orvalho tardio na raiz morta.

Imagem: http://www.instructables.com/id/Make-your-own-BioChar-and-Terra-Preta/

Soneto ao mundo do que já foi por Sergio Martins


Há um ocaso, um adeus, o mundo do que já foi em teu corpo lívido,
uma paixão arruinada que não se desprende de teu olhar
frio invernando teu pouco calor, foto esquecida a mofar,
uma inquietude fugitiva da verdade no curso de teu ventre rígido.

Ainda que sejam intensas as brasas de teu consorte, te vejo ignorar
o ardor da noite, a energia com que me apego às luzes das tardes,
a reverência pela qual me prostro ante à beleza e descontente, ardes
em vão mal humor- desperdício do grácil tempo e da graça de amar.

Por que apagastes o fogo do nosso quarto para os deleites do amor?
Acaso, são infindos os prazeres e os risos de tua forte juventude?
Cessaram as poéticas das canções? E teu orgasmo, não possui valor?

No campo viúvo que anoitece, já não durmo, não fujo da embriaguez,
abro os olhos e sonho entregue às casualidades. Quero àquele mundo,
mas deitado à sombra da Acássia, namoro seu afeto, seu gozo e sua tez.

Pintura: http://armadilhasdotempoblogspotcom.blogspot.com/2010/10/despedida.html

Soneto à montanha alva e gélida por Sergio Martins


Na montanha, o sol poente é semelhante às fugas de teu olhar:
saudade escura que eu tinha na brancura de teu seio,
ausência interminável que fluía de tua face, e cheio
de um amor triste, vi a nevasca desabar- meu copioso degelar.

Quantas vezes, colina delgada, sobre teu colo frio e absorto
expirou-se meu coração no afã de findar sua agonia maior,
e em tocando seu corpo, espargiu-me o sangue em dor,
e numa vileza tacanha me calaste a alegria e o conforto?

Através de teu negro olhar, em encanto a lua me atraía,
e eu, mergulhado em seu prazer, descobri toda a luz:
minha infelicidade era quem eu tocava mas não possuía.

Oh! montanha alva e gélida, teus olhos caídos são um sinistro viajar
que me encobre de noite sinistra; contudo, a solidão dos morros não
será meu leito, minha vida será alvorada e meu amor, alegria de luar.

Imagem: http://vocepontocruz.blogspot.com/

Soneto à rosa dos ventos por Sergio Martins



O espairecer dessa avançada idade não é descanso,
é desonra que vem de tua censura ocular,
vazio austero em meio ao palco estelar,
mas não tão rude quanto à falta que em ti alcanço.

A friagem e a ventania dessas noites em que insultas
a melodia tépida dos meus lábios sequiosos,
e se apega às chamas dos cânticos suntuosos,
não ferem mais que os presentes que de mim ocultas.

O estar silente das tardes em que habita a melancolia,
nem o crepitar agonizante das chamas de Julho são
mais abrasivos que o repúdio de mãe que a ti me alia.

Tua arte não foi tão absurda quanto sua disposição por vetar
a fidelidade e toda a vida de amor que criei. Te amo, mas a
rosa dos ventos indiferentes que me destes não posso cultivar.

Soneto da definitiva perda por Sergio Martins


Perde-se a vida, ganha-se a batalha!
Pensei eu, apossado de um eu-varonil
que não via oponente mais forte ou vil
neste caminho poético de mar à serra.

Foram então, consecutivos agravantes e ataques,
as intempestivas gélidas, os ardentes veraneios,
os pesadelos e solidão, os copos e corpos cheios
de bebidas fúteis e insensatas e vazias as tardes.

Essa juventude enfraquecida no anoitecer
silente e estranho caía na esperança de
rever e possuir teus olhos ao amanhecer;

contudo, a definitiva perda não é a morte que não falha,
ou o afã do meu olhar. O que foi é o que fica- aforismo
que me abraçou-: perde-se a batalha, ganha-se vida!

Imagem: http://armandoatila.blogspot.com/2010/07/papo-breve-sobre-futebol.html

Soneto ao par de figos por Sergio Martins



Ao deitares, repousarei no meio das Catléias róseas
de teu pomo exaltado ao aroma único, ensandecido
e dependente do sabor doce igual um recém-nascido:
dormirei ofegante de gozo acima de ambas várzeas.

No teu repouso, hei de querer apanhar-te do sono um pouco,
e quem sabe, afundado às tuas pequenas e carnosas flores,
semelhante oferta lançada para casar nossas grandes dores,
eu me torne, atirado pela noiva, um bouquet feliz e louco?

No desabar do teu sono, serei o assento macio e quente
dos teus rochedos pontilhados de ferrugem feito dois
novilhos malhados sobre o gramado rico e contente.

As duas jóias desmaiadas à brancura matinal acalmarão meus desejos
como alianças presas ao meu peito agitado– par de figos acentuados
ao meu sopro delicado e amansados ao absurdo dos meus beijos.

Desenho: http://laranjeira.com/artigos/071124-apenasseios.shtml

Soneto à Violeta por Sergio Martins



Profano, o vestido afunilado se ergue solto ao vento,
adere-se perfeitamente ao corpo magro
colorindo a palidez da senhorita, e num só trago
do meu olhar que lhe aspira, me é consumido o alento.

Minha fantasia traiçoeira é igual à sua elasticidade
que em segurando a ossatura frágil,
desnuda-lhe à alma num rebate ágil
ao seu desejo de cobrir-se de uma cruel vaidade.

O céu convidativo ao descanso da tarde quente
observa a malévola e onipotente vestimenta da
dama que espera o bonde como uma noiva inerte,

fugitiva e infeliz. A música da noite fosca é viola que viola
a dor da moça que viu o céu perder-se ao lilás-roxo,
e assim, dança festeira na penumbra qual Violeta espanhola.


Imagem: http://www.zaroio.com.br/br/imagem/24201/pintura_campo_animal_mulher_vestido_ceu_noite_lua_/

domingo, 24 de outubro de 2010

Ode à menina floral - Sergio Martins



Foi você quem me avisou dos riscos de se ir profundo, quando se é na superfície que devo deslizar. E eu não te ouvi. Sou intenso. Admito. Pois entendo que me perder nessa paixão é o que faz sentido. Mas como negar meu caso de amor com as lembranças de teu beijo, com seu jeito de menina floral ensaiando um trago no cigarro ao luar, com teu cheiro excitante de mulher irresistível, com a toalhinha vascaína que provocativamente me destes, e com a tua voz mansa que me socorre e leva, feito correnteza leve de rio doce?

Entre nós mora o longo tempo de minha espera, a sede de embebedar-te à alma com minha poética, a pressa de meu afã em possuir tua pequena boca que se alarga num sorriso enquanto escondes teu rosto envergonhado de minhas palavras. Agora entendo que a pinta de teu rosto não é um detalhe de meus pontos de interrogação, ela é, sobretudo, o sinal que me direiona os olhos ao mesmo lugar, a tradução desse destino que em mim se faz reticente e determinante: minha vontade-necessidade de você.

Talvez eu seja apenas um sonhador de teu jardim a mim segredado, mas em tua presença, menina floral, sou este menino solto querendo apanhar com sofreguidão a rosa dos ventos enigmáticos de teu íntimo.

Foi dourado o prazer do céu estrelado refletido na maciez de tua pele morena em que desejei as maçãs bronzeadas e maduras que brotam de tua bela face. E para o meu consolo, quando fostes embora, esperançoso, pude sonhar contigo outra vez, dançou suave o teu ipê rosa, e a lua minguante abriu-se feliz após às doze badaladas da noite. Naquele momento, depois do teu abraço de despedida que ainda levo comigo, enquanto te via entrar em casa, este rio sequioso transbordou e correu para o mar ao sopro de doces canções: “Teus olhos verdes sinalizam meu caminho... Teu olhar é o caminho das pedras que me levam ao imenso mar verde”. (Kim)

O paraíso dos anjinhos travessos por Sergio Martins


Um de cada vez chegava à pracinha para soltar pipa.

Cada pipa era uma preciosidade: a carrapeta impunha respeito com sua rabiola quase do tamanho do campo de futebol, essa só servia para quem era sabido do assunto, tinha a batatinha leve como uma pena, de rabiola pequenina e de velocidade incrível, o pipão de linha roca enfeitava o céu, eram enormes e pesadíssimos, com formatos variáveis: tipo caixote, bolinha, retangular...

É claro que vez por outra aparecia uma raia para acabar com a alegria da galera. As raias são difíceis de cortar e aparar, pois são rápidas demais, seus movimentos enganam, além de não possuirem rabiola.

Sem pipa para soltar, o jeito era admirar o céu das carrapetas, dos pipões e das raias, pois, na arte de empinar piões, só permanecem no céu os reis que conhecem a melhor linha, um bom pião, a hora certa de cruzar e de aparar.

Sem dúvida alguma, em todo lugar existem os “gerequinhos” machucados, feitos de jornal, remendados, equipados de rabiolas horríveis, de cabresto embolado, de esqueleto de bambu velho ou quebrado; tem até aqueles que são colados com arroz ou macarrão cozido, os de plástico sujo e de saco de supermercado.

Ora, quem nunca soltou uma bolsa plástica amarrada com linhas puídas e cheias de nó apenas para atrapalhar a diversão dos outros? Mas apesar da deselegância, todo tipo de pipa ou coisa parecida subia, compartilhando e competindo do mesmo céu para a alegria geral.

Há coisas que são inevitáveis, por exemplo, quem havia "voado" não adiantava chorar, quem prendia sua pipa na árvore não seria intelogente se tentasse “estancar”, pois rapidinho vinha um “sem vergonha” para meter a mão naquilo que não era  seu! A solução mesmo era pegar um bambu bem grande e ir à caça de pipa “avoada”, caso não conseguisse, o único remédio seria descarregar a raiva daqueles que cortavam e aparavam todo mundo, furtando restos de suas linhas e rabiolas pelo chão ou seguir perturbando com marimbas que iam alto e cortavam a linha do primeiro mané que desse “mole”, caso a carrapeta, o pipão ou a raia caísse numa árvore ou num fio de poste, era melhor nem pensar em pegá-los com o bambu ou com a marimba, pois ao final de tudo, apenas os grandalhões ficavam com o prêmio; aí a confusão estava feita: dava-se início a um concurso para eleger quem melhor quebraroa o prêmio e ainda ficar com um pedacinho para contar história!

E foi num desses episódios onde o “coro começou a comer”, que as mães vieram correndo com chinelos, cintos, varas de goiabeira e vassouras prontas para a guerra. Só que os moleques abusados e brigões tinham suas mães sempre a defendê-los, quando não, vinham com seus irmãos mais velhos de  cara de poucos amigos, que só de vê-los, o coração dos menos favorecidos gelavam-se de medo. Porém, quem tinha boa educação não hesitava em atender à intimação de mãe: entra logo em casa menino senão vou te buscar... Não vejo a hora de acabar esse inferno de pipa!

Mas entrava por um ouvido e saía por outro, pois esquecidos da surra e dos duelos, a molecada saía desesperada de suas casas aproveitando a distração dos pais; já outros, matavam até aula e ficavam o dia inteiro na rua, para que então, unidos e sorridentes entre apertos de mãos e troca de pequenos favores pudessem assistir a mais um show no céu e participar da festa naquela pracinha; ou melhor, no paraíso dos anjinhos travessos.

Pintura: Meninos soltando pipa - Portinari

O velho por Sergio Martins



O velho está preso dentro de sua própria casa. Sempre na cama; descansando. Ora sorri, ora chora e ninguém sabe o porquê. Talvez o sorriso venha das lembranças de momentos alegres como o do nascimento do filho, e o choro aconteça pelo fato de ninguém deixá-lo fumar seu querido cigarro de palha e beber sua deliciosa cachaça em paz.

O velho já não anda, não fala, não enxerga, apenas ouve o canto dos pássaros entrando pela janela do seu quarto e a alegria barulhenta das crianças no quintal convidadas pelo seu filho que não abre mão de ser menino.

O velho que jamais notou a presença das flores neste mundo ou presenteou alguém com elas, na ocasião, se vê obrigado a sentir o bom perfume dos Jasmins e das rosas colocados com todo o carinho de sua esposa no vaso acima da cabeceira de sua cama.

O velho sempre foi descansado para sonhar e cantar, contudo, deseja voltar a ser menos velho para abraçar o céu, soltar a voz pelas esquinas, beijar o luar...

O velho ficou doente pela falta de poesia no coração, e agora que está mais velho do que nunca, quer rejuvenescer, mas não pode, pois só a poesia faz com que as pessoas sejam eternas crianças.

O velho sempre se sentiu velho demais para o amor.

Na verdade, não sei se tenho razão. Sinceramente, acho que entendi tudo errado. Quem sabe se o velho, realmente, um dia já se importou com tudo isso? É provável que o velho, de velhice ou de qualquer outra coisa que seja bem rápida deseja morrer, e assim, livrar-se de vez dessa vida encantadora que ainda insiste em perturbar seus ouvidos com as suaves canções vindas do lado de fora do seu quarto.

Quem sabe, o velho nem mesmo quis nascer, e no momento em que fecha os seus olhos para dormir, vai-se embora muito feliz curtir o seu tão esperado sono em silêncio, longe desta vida sem graça e de todo o barulho infernal desse mundo festivo que tanto desejou sua presença?

Vida antiga por Sergio Martins

No desgosto de tudo tricotar, costurar e tecer,
está a avançada idade de tudo se esquecer:
que já foi amorável – dócil gente –,
com um rosto de sorriso transparente,
corpo saudável, vida de prazer ardente.

E embaça-se da memória a Graça que viveu
devido a geleira que o seu coração abateu...

Na arte de tudo querer ensinar,
está a idade de só murmurar,
de nada aprender, de ignorar
toda força de se inovar,
das derrotas se lamentar
e das alegrias não lembrar.

E porque deixou aquele modo de enxergar,
tudo o que apalpa sente a saudade lhe tocar;
e por não deixar a poesia lhe musicar,
em amores, seu tempo não pode mais voar.

E a criança que vê a cena, nem se dá conta do que aconteceu,
que a vida antiga não mais se sente dentro do seu próprio eu,
e inocentemente diz que ela parece mesmo um anjinho que à terra desceu,
mas eu ainda acho que ela é um anjinho que a arte de voar desaprendeu,
porquanto, esquecida de como subir, não se deu conta que de fato já morreu.

Desenho: http://newserrado.com/tag/frases-entreouvidas/

Madrigal da hora de partir por Sergio Martins


Eram trêmulas e macias suas palmas que chegavam frias ao meu peito quente e lívido, aquecia-me teu ventre que dedilhei para decompor suas cólicas; e muito mole e branca toda sua epiderme que esticava-se à minha frente feito lençol entregue à cama. Às vezes, a porosidade e o ar grotesco de sua face se abrandavam em mensagens cognitivas semelhante à brisa vagarosa no inverno; mas seu olhar noturno e desconfiado traziam sempre o adeus até mesmo no momento da chegada e dos reencontros comemorativos.

Não foram muitos os enlaces, desatamentos e desatinos?

Para onde foi a intensidade do teu viver? Conheceste o sentimento enquanto verdade absoluta e por ele, entregastes tua vida e morte e assim, absorvestes toda a felicidade existencial?

Haveria alguma paixão ardente que eu pudesse encontrar em ti livre de um gozo doloroso seguido dessa ausência de tranqüilidade?

Quanta dança eufórica e morta há em teus quadris!

E de onde brotam tamanha secura em teus grandes lábios encharcados com o prazer que neles ponho?

Quão profundos– abismos– e lastimosos são teus seios; e como é solitária tua camisola de cetim!

Que custo amargo é esse advindo da dor de teu fugaz prazer?

Onde ocultas as chaves do teu acorrentado e magro túmulo em que me aprisiono nas trevas de uma incessante e falaz esperança?

Diga-me onde posso encontrar as carícias, o excessivo cuidado e a graça de sermos definitivamente nós dois?

Por que ainda insistes em dizer que não representam absolutamente nada os sentimentos os quais nos levam aos beijos e abraços quando nos encontramos?

Por que se esconde e ainda ouve aquela velha e rude voz?

Do que adianta todo o tempo– que muitas vezes me pedistes– em que ficarás a sós com seus pensamentos se essa não é a melhor das terapias, se é só uma maneira cruel e estúpida de se vingar– talvez, de seus próprios sentimentos e verdades–; se a escuridão gélida de teu quarto apenas te remete ao carinho tépido que desejas, e que, ao fim do desejo e do sonho nunca consegues afinar-te à melodia de um outro caminho?

Durante muito tempo matei a vida por medo da morte enquanto percorrias festeira no paço de tuas admiráveis composições. E por medo da vida tentei matar a morte que vinha desse amor estranho e belo ao passo que sorrias contemplando este pássaro voar para a sua– suposta– viagem sem volta. Também sei que jamais conheci amarga despedida que não procedesse do teu olhar, porquanto, a cruel hora de partir é somente você quem conhece e caminha por ela me convidando a seguir-te os passos desiguais. Todavia, embora me fascinem os Crisântemos mortuários de teu jardim– que servirão para adornar o túmulo da morte que bebi em tua deliciosa boca–, sou convicto de ter amado até a última tristeza de teus olhos endereçados a mim, mas agora, depois de conhecer as Catléias raras, perdi-me do ser-político-religioso que era apenas um modo de ser-lutuoso, de maneira que agora, tão devoto dessa absurda e divina poética existencial, encontrei vida em meio ao caos e já não posso mais viver pelos mortos.


Do que necessito por Sergio Martins



Não me seduzem os casarões do suntuoso Bulevar. Os arranha-céus de coberturas milionárias me passam despercebidos.
Minha admiração desconhece os restaurantes com seus pratos exóticos.
Meu paladar ignora as bebidas requintadas dos portentosos. Para mim, não há prazer em seus prazeres. Deles, repudio o charuto, a etiqueta que lhes esconde a identidade, os trajes luxuosos que ostentam a vaidade egocêntrica, a beleza pútrida de suas jóias e musas. As riquezas que possuem são como os seus carros sofisticados: máquinas envenenadas para lhes atirarem em alta velocidade e precisão ao despenhadeiro existencial, cavalo de Tróia fazendo-os correr no autódromo capitalista para gastarem mais e mais os combustíveis de suas emoções.
Dessa espécie, o que careço é a distância. A longitude e só. Quero até mesmo um cemitério apartado, sem jazigo de pedra nobre bem no meio de minha gente simples que descansa em paz.
O que me atrai para uma alegria leve e extensa em meio às mansões da cidade é o casebre tortuoso à borda da favela. A infância longeva que ele abriga. A liberdade do guri negro e paupérrimo com sua velha pipa de plástico, a garotada que curte a vadiagem depois da escola, a morena escultural com os cabelos mal penteados flutuando ao vento do morro, com seus pés descalços, bacia de água na cabeça, o rebolado na cintura, a dança no andar, o samba no corpo e a sensualidade entranhada no espírito folião de toda boa crioula, a obra clássica dos catadores e recicladores de lixo que me capturam o apreço, a política enérgica dos ambulantes e comerciantes, o rico artesanato dos pobres, a filosofia socialista dos que nada tem, os craques invisíveis dos campinhos esburacados de futebol, os cientistas da arte afro, a sabedoria popular, a poesia viva do gueto, a música intelectual da ralé, os artistas que improvisam um meio de sobreviver sem vitimar o meio, sem vitimarem-se pelo meio desumano que nunca consegue lhes furtar a força e o sorriso que mais parece dominar seus dominadores e que em zombando da sofreguidão cotidiana, livram-se do vazio almático de seus senhores e da ausência de paz que carcome os magnatas. Aliás, o que é o riso feliz dos necessitados senão, o riso sarcástico de Deus desprezando e pondo em agonia a presunção e o status dos seus dominadores?.
Tenho saudade do gueto, da farra dos moleques tomando banho de balde ou de mangueira pelos becos no verão, do samba nos bares, das festas simples e cheias de vida nos barracos, da áurea de felicidade que encobre o ar dos empobrecidos, os bailes empolgantes que somente os desprovidos sabem fazer, o sabor do arroz com ovo frito, do tutu de feijão com água bem gelada, do bolo de fubá...
O que me alicia os olhos na pobreza é a suposta miséria da qual minha alma se prende para encontrar sua liberdade. A feiura, a escassez e a dor são partes inseparáveis de mim - e é isso que eu não sei negar. Aliás, cada dia que passa, aceito mais e mais essa dependência de tudo o que é desprezível pelo conceito capitalista, burguês e moralista. Na verdade, creio que minha tara pela insignificância é uma forma inconsciente de me aceitar desnudo em frente ao espelho, de encontrar significados, de me ver nas ruínas a fim de reconstruir alguma coisa de útil. Minha aversão aos atrativos dos tiranos é uma maneira de reconquistar a mim mesmo, de resguardar a beleza cristalina ameaçada pela sedução dos imponentes, de assegurar minha credencial que sombreada à penumbra do sistema, às vezes se vê fragilizada e vencida, esvaindo-se na incredulidade de um dia melhor e de ser-si-mesma - como fumaça urbana nublando as estrelas.

Aqui embaixo por Sergio Martins




Na rua antiga não há mais carambola, laranja lima ou siriguela, os pardais e sabiás que sobreviveram estão desconsolados.
Os moleques não jogam bolas de gude, não rodam piões, não descem a ladeira de carrinho de rolimã, não sabem subir nos coqueiros, colher amoras e nunca provaram um abiu, sequer viram uma tâmara ou um damasco.
No lugar do jardim da boa infância em que viam-se borboletas monarcas e a galera lotando a rua para jogar ping-pong ou queimado, movimentam-se carros velozes, motocicletas barulhentas e fumantes; no pomar onde se degustavam jambos graúdos e carambolas sobrou apenas uma arena abandonada e alagadiça, na qual, se é improvisada uma partida de futebol para um bocado de garotos.
São lembranças lá de cima, de um velho norte... E aqui embaixo, tudo está baixo demais... E ainda ouço aquela voz que voa no céu de sua realidade inconformada com toda essa poluição: não se espante, não é nada! Você é só mais um passado para trás na América de baixo.
Mas como deixar de enxergar o sorriso encardido do magnata cínico que passeia à orla da pútrida lagoa Rodrigo de Freitas, dos que preferem colorir os olhos com o neón da cidade a sentirem o verde, a clareza da Baía de Guanabara que adoece, de todos os que namoram as ondas da zona sul ignorando a cortina de indiferença que esconde as estrelas suburbanas e daqueles que sambam os enredos poéticos sem notar as líricas das rosas e dos pássaros?
Aqui embaixo, são pequenos demais todos os que alcançaram a altitude de um sonho patriótico...
O brilho da beleza ainda não se norteou na cidade onde a pureza morre, por isso, os amantes da terra se retiram para o campo a fim de se interiorizarem e ficarem próximos de si mesmos...
Desesperado, preciso me esconder dessa devastação, desse inverno interminante que sinto no terceiro mundo que é tropical de euforia na Sapucaí e no Maracanã, mas que oculta o efeito-estufa e a fome causados pelos robôs que se alimentam do combustível Neo-liberal. Ainda tento achar um meio dentro desse meio, contudo, não tenho um caminho que me proíba sentir essa dor mesclada de fúria por causa dos anti-terráqueos que só conhecem o tudo para si, que suprimem o ser-si-mesmo e que jamais serão parte de um todo a fim de co-existirem em harmonia com o mundo.
Ou será que preciso me livrar dessa aflição fumando um conformismo, bebendo uma religião, injetando um ostracismo ou tomando uma overdose político-capitalista? Caso contrário, prosseguirei nessa obsessão de ser normal, no anseio de abandonar essa baixeza desigual e subir para a floresta e conviver com os bons índios, de chorar a angústia dos pássaros, a beleza perdida das árvores e rios e de denunciar os monstros desprezíveis que se esqueceram da infância alegre e sonhadora; visto que, nada ser nesse absurdo de viver o tudo-ou-nada na grande cidade, é a moda que os fazem vender a imagem pública de serem o tudo no meio de seus nada existenciais.

O mais precioso e desnecessário dos lixos por Sergio Martins




O rebanho avança "à frente"... Não há pastor - onde os lobos são a própria vida.
Sob o destino incerto, as crianças ainda acreditam na descoberta do novo mundo, despejadas ao céu ácido,  de estampidos musicais e à terra polvorosa, estéril - vítima (cruel).
Em toda a "raça inferior", vê-se a pele dura e ressecada– cascos queimados, denegridos e foscos, a carcaça é uma armadura contra as intempéries climáticas: cadáveres encouraçados - revestidos de miséria; múmias enfaixadas de farrapos.
Pela garganta desce suas definições: o pó da terra.
Os olhos pedintes, anunciantes de épocas escravocratas, a cabeça cozinha-se à fervura do árido, a febre rega-se no mormaço sorvendo defuntos aos delírios desérticos.
Abandonadas, as multidões prosseguem, mal andam– esqueletos em película negra e poeirenta.
Espectros vagando em direção à luz? Sobreviventes da vida avessa, filhos de batalhas centenárias, eternos pagãos, alvos das violências covardes e súbitas dos senhores do mundo. Contudo, os bandos não desistem da lida, seguem, apenas seguem - "à frente".
E por que peregrinam numa fila sem tamanho qual artilharia marchando rumo à incorrigível morte?
A excepcional negritude misturada ao chão ardil – caco morto-vivo espreitado por abutres famintos.
Sobrevoam moscas aos milhares, o vento aperta as chagas evolutivas feito um lençol quentíssimo e as dores das inflamações externas são atenuadas, talvez, pelas moléstias interiores...
As doenças são de todos (os tempos - passado, presente e futuro) e de tudo - da água, do ar, do solo...
A comida o que é? E o que bebem?
As divindades do ocidente os desconhecem, ocupados em atender aos caprichos pós-modernos e emocionais da classe A e os deuses do oriente estão inquietos e mui concentrados nas guerras territoriais e religiosas, de modo que não dispõem tempo para atender as questões desse povo.
Como pode haver vida por aqui, gente vivendo nisto e naquilo? Há vida aqui?
Entre as escórias, são os detritos de um tempo vergonhoso, de ambições e vaidades egoístas, vítimas da globalização excludente, resquícios do descaso Neoliberal, resultado da beleza afortunada dos semideuses capitalistas; todavia, é desse inferno que o paraíso magnata é sustentado, é sobre esses escombros que os castelos dos dominadores politicamente corretos são edificados e é de suas desventuras que depende a prosperidade bélica, a indústria bem-sucedida do tráfico, a prestação do desserviço filantrópico-assistencial e toda a economia mundial.
O que vejo é confundindo com minha ideia – o mais precioso e o mais desnecessário dos lixos –, mas meu Deus, eles são humanos! Ser humano, eu? Meu Deus, eles também são filhos do bom Deus!
Esse povo é o "progresso" e a (nova) "ordem" mundial, é o modelo da "humanidade", é o "novo homem"; o homem  do futuro. Esse povo é a imperfeição (do pretérito mundial), imagem e semelhança dos deuses que o rejeitam, imperfeição feita do barro, do pó da terra - povo-pó voltando ao pó após receber o sopro de "vida" dos deuses da guerra...





Tá faltando gente por Sergio Martins


Dentro da gente tá faltando gente...
Conflito entre gente e um estado indiferente...
Nas ruas e casas nada mais é como antigamente.

De coberturas luxuosas à palafitas do subúrbio fluminense,
vejo uma cidade-presídio, uma sociedade falida, cruel e circense
onde cada espaço ao humano pertinente
é um cárcere superlotado de indigente.
As Acácias, os Plátanos, os Sabiás e os Pardais escapam pela tangente,
tudo se transforma em cimento e máquinas exterminadoras de gente.
Anorexia da consciência anti-gente,
dementes achando que são gente,
bulimia dos valores, espiritualidade entorpecente,
ideologia da crença patética e inconsequente,
controle de natalidade chinesa, aborto da fé racional,
Somália magérrima, obesidade Suíça, surto universal,
eutanásia do tio Sam, crise econômica e geral,
alienação do amor, egoísmo do poder máximo ocidental,
os países de Calvino, de Lutero, de Maria e de Jesus se vingaram,
o cristianismo deixou a luta pacífica e as nações pobres é que pagam,
armas e petróleo, bombas no oriente, ódio mortal,
colete de bombas nas crianças, e o autoajuda? É o mal total,
depressão, solidão, síndrome do pânico, gripe aviária e suína,
diamantes africanos patrocinam carnificina,
política e religião fabricam gente banal,
piração da arte moderna e conceitual,
incapacidade de reflexão e crítica, burrice geral,
comodismo e pilantragem do planalto central,
o malandro querendo ser Deus contra o mundo-reles-mortal
ainda não se deu conta que o caminho de sua ambição é o pior final...
Acima de tudo, a violência cresce,
Ah! que saudade do tempo de adolescente,
até se via os E´ts, mas ainda existia muita gente,
pois toda gente só pode existir no estágio mágico da mente.
Cadê toda aquela gente sonhando em ser e fazer mais gente?
o capital faliu a fábrica de gente.
Monstros não pensam, não sentem,
apenas mentem, devoram toda a vida que querem,
robôs vendem e compram gente,
vampiros sugam o dinheiro da gente,
é a ditadura da moda contra-cultura-indecente,
demônios neo-liberalistas algozes de gente,
andróides de sangue quente
disparam balas que se acham na gente,
são entidades enfeitiçadas pela gula prepotente,
mulas sem cabeça atravessam continentes com drogas e armas,
a pátria-amada-mãe-gentil é moeda prostituta, são bruxas e madrastas,
múmias escravas do trabalho, juventude doente,
auto-aborto, infância furtada, velhice precoce, gente sem gente...
Gente do exterior (imagem que se vende) tem farsa na aparência reluzente,
gente do interior só quer plantar e colher – viver normalmente,
mas para o gado engordar, o camponês míngua na terra seca de gente,
é gente que morre sem ver gente,
é gente grande que nunca vem,
é gente pequena que só recebe o desdém...
Nas instituições, os dotes são por classe social – arte incompetente,
o conhecimento é elitista – toxinas no coletivo consciente,
a ciência não conhece o divã da psicologia, não quer arejar sua mente,
e mente que não sente a dor de saber que tá faltando gente,
que é celeiro do racionalismo frio, que para desumanizar o carente
adota modismos, filosofias e tecnologias sem felicidade vigente,
a graça de fazer o bem foi vulgarizada, virou moda, matéria de última-mente,
a imagem do miserável é o futuro dinheiro de quem se sente e não sente,
a pobreza é a fotografia cara, a pintura da exposição improducente,
é o prêmio nobel, o sustento artístico-narcisista-inconveniente,
é o drama-trágico no teatro de quem lucra porque consente
para o gueto ser palco e filme, e o seu mal, arma para a mídia maledicente,
com a poesia invalidada, sobram almas penadas– tudo fica intransigente,
o mundo é um cemitério, só há corpos– tá faltando gente,
e sem gente, tudo morre, tudo mata:
o clima mata, o ar mata, a terra tem mina que mata,
o alimento que mata a fome, contém agroquímicos que mata,
a água, quando não escassa, possui algo que mata,
a mata outrora fechada, agora, abre-se e mata,
destruição em massa, superaquecimento, desmatamento que mata,
a mata vai morrendo e o índio invoca os deuses da mata
e o espírito guerreiro de todo cara pálida para matar o que o mata...

Dentro da gente tá faltando gente...
Conflito entre gente e um estado indiferente...
Nas ruas e casas nada mais é como antigamente.

Desenho: http://glauciamarinho.wordpress.com/

sábado, 23 de outubro de 2010

Do prazer de morrer por Sergio Martins

Vai céu, desaba, que as estrelas hão de vir
e o chão desse sertão vai mesmo sorrir.
Vãos cais são os que nunca sofreram desta dor
do prazer de morrer todo dia de um amor.

Mais um choro e uma brasa pois o frio não é daqui...
“Até o pardal encontrou casa, e a andorinha, ninho para si.” (Sl 84.3)

Vai-se o agouro, sinta o mar,
vence o ódio, ganhe a flor
do prazer de morrer e de matar
 a cada dia desse amor.

Foto: http://www.iplay.com.br/

Cachecol por Sergio Martins


Assim que vens,
banhando em bordô o beijar,
o são então sou eu:
você, nesse seu cachecol, é louca e feliz.

Bruxa, se não tens em teus cachos a luz do luar,
sou tosco, vadio no breu.
E perdido no velho paiol,
sob a bruma gris, se não tenho o seu amor.

Quero ser o teu menino ao sol,
tua louça, teu jeans.

Foto: http://www.elo7.com.br/tricotes-cachecol-roxo-batata/dp/4C69D

Vinho branco por Sergio Martins


O anseio todo de te achar,
o desejo tolo de te abraçar,
de se alegrar com coisa boba como o voltar a pé
de sua casa só para tentar caminhar melhor e até
dez mil léguas para sorrir
de tudo mesmo e me partir
após tantas e tantas andanças;
e de ‘‘poucas e boas’’ danças
em que me fizestes rodar, cansar e reentrar;
é apenas o perfume que ainda exala neste ar.

Estou errado, sei que devo entrar na moda,
dizer “nunca mais”,
e que nossa vida não pode ser mais essa onda
que arrasa o forte e o cais.

Mas ignoro todo o dever
e sempre venho te ver
pra dizer que é pra ficar que eu vim,
para mais uma noite
de vinho branco sobre o cetim
de teu corpo: açoite
de amor que, a fim,
de se eternizar no prazer, foi-se
mergulhando na dor que ficou nesse fim.

Foto: http://www.portalibahia.com.br/blogs/diariogourmet/?m=201007

Donzela e meretriz por Sergio Martins


Ainda sou aquela donzela nobre
apaixonada pelo criado pobre,
sem o cavalheiro gentleman que sonhei no altar,
que me daria vaidade e orgulho de lhe apresentar.

Sei que pra você isso é absurdo; mas
tinhas meu afeto, e eu, felicidade e paz.

Portanto, podes ir quando bem quiser;
fui sua mãe, filha, amante, fiel, mulher.
Mas onde estiver não se esqueça
que qualquer amor que apareça
por aqui, ofertarei meu corpo e minha alma,
pois você abusou do amor e da minha calma.

Levarei meus filhos, minha companheira e teu perdão;
só não há como perdoar o que fizestes ao teu coração.
Agora, prefiro até mesmo aquela vida insana e feliz;
jogarei fora o sonho vão de toda donzela e meretriz.

Imagem: http://sagrado-feminino.blogspot.com/2009/09/alquimia-de-afrodite.html

Tempus Fugit por Sergio Martins





Ah! Se, enfim, você pudesse entender minha certeza
de ser tão incerto tudo que cremos e temos de beleza.
Quero que ouças a canção do tempo que foge sem os porquês...
Você quer o passado e o presente e assim, desmata o bosque dos ipês.

O sonho antes do sono vai te acordar,
a criança irá sorrir para o teu prazer,
o entardecer de inverno vai te espelhar,
a sede de voar te aquecerá antes de adormecer.

Ah! Todo amor é um momento que se eterniza na morte e na vida;
mas seu paraíso é de quem fecha os olhos e se joga como um suicida.

Ah! Quando você vai parar de sair à caça de riqueza,
de ser tão desonesto com tudo o que vemos de tristeza.
Quero tanto que vivas sem as regras de "espadas e pavês..."
Você quer Deus e o mundo rejeitando a Graça que ainda vês.

O medo do sonho um dia vai desabar,
a esperança de ser-si-mesmo há de nascer,
o amanhecer de verão vai te inspirar,
novas fotografias lhe darão outro querer,
quando velho, o tempo em fuga vai cantar,
você vai ouvir, me dar razão e crer.

Imagem: http://widgets.yahoo.com/widgets/tempus-fugit-2

Croqui por Sergio Martins


Em teu corpo desenhei notas musicais
encontrando abismos e sons florestais.
Você partiu e em mim ficou um altar
onde faço amor com a fantasia pra não me abandonar.

É tão difícil reaver a aliança,
porém, é fácil ouvir a criança.
É raro não se esconder e desta forma ter certeza demais,
mas é admissível meu caminhar com uma sombra a mais.

Chuva, leva as pegadas de um tempo a entardecer.
Escaldante areia será nova tela ao amanhecer.
Bruma, sopra a saudade de um vento a renascer
nas crianças apaixonadas a arte de pintar e de viver.

A maior conquista é o absurdo do prazer.
Um amor de chocolate para toda fome de viver.
À tarde, notei que o trabalho de toda minha vida
será (noite) apenas pelo momento da despedida.

É compreensível a vida de loucas escolhas,
todavia, é grácil ainda o cair das folhas.
É fato que não se pode ter todas as luas e seus cais,
mas é impossível meu sonhar sem as alegrias litorais.
http://www.clickmoda.com.br/tag/figura-humana/
Imagem:

Véu por Sergio Martins



Conheço bem as vozes que sopram ao vento de praia
onde é pela metade toda lua até que o dia raia.
Faz muito tempo que o coração de luau atravessou a avenida
e agora, ouve apenas as recordações dessa chuva enfurecida.

Depois que vi o brusco estrago de um furacão
entendi que para a canoa o mar é imensidão;
senti a chuva fresca no dia de sol
e a intrigante beleza de um atol.

Calma amor, tudo é apenas desespero de céu;
sei que um dia vamos recordar:
“falta de dor também pode ser um véu
que a luz de um verão tenta ofuscar.”

Me dê a mão, pois é infelicidade toda a altivez.
Agora que meu olhar para o mundo é de primeira vez,
venha fotografar o arco-íris que toca a montanha e o mar,
pois o amor igual areia de mar que se for libertada, com as mãos se deixa apanhar.

Imagem: http://cinzasdecarvalho.zip.net/arch2009-12-20_2009-12-26.html

Ainda quero por Sergio Martins


Eu até tentei segurar areia com as mãos,
mas na vida, nessa nossa ida e vinda
não há segurança, nenhuma saída
sem medo; apenas a certeza dos amores vãos.

Eu até precisei contemplar nuvens de algodão
sem o seu doce, plantar nuvens e colher
tempestades; mas fiquei a ver navios, a ser
tão moço velho no fim sem fim desse chão.

Eu até joguei balde d’água no oceano,
lancei pérolas aos porcos, dei vexame
de embriaguez; mas não há quem ame
e se torne são depois de um desengano.

Eu até cansei de dar murros em muros, de chorar de dor,
de subir morro sem socorro por acreditar,
por tentar sempre e só me impacientar;
mas hoje, ainda quero me adoentar de comer do teu amor.

Foto: http://poetisasonhadora.blogs.sapo.pt/arquivo/665123.html

Alienação do amor por Sergio Martins


Tudo o que muda neste falso aparato
volta para mudar as curvas desse fim.
Saturno mudou de Virgem para Libra, que barato!
Ficarei mais responsável, serei líder de mim.

Minha profissão, meu empreendimento,
toda piração, todo estranho sentimento...
Foi muito difícil aceitar
a beleza em desconstrução,
mas é tão bom contemplar
a brisa reacender a brasa deste verão.

Já não vejo as tapeçarias do Oriente, os azulejos lusitanos,
mas a trilha simples ainda é o norte eterno que sonhamos.
Parei até de fazer aquelas loucas viagens
e não corro mais em busca de miragens.

Não foi esmola, arraso de um tempo que sonhei;
foram as dores da escola em que me formei.
Sei que não és só mais um rosto bonito
de fala encantadora,
achei em ti, no seu jeito esquisito,
um colo de mãe acolhedora.

Fora à euforia, tua ausência é de mina
e minha voz rouca é de uísque e fumo;
fico entre a arte e a Metanfetamina
e em belos e maus lençóis eu durmo.

Agora que tudo acabou, não choro o leite derramado,
tenho viva em mim todas as cores do céu estrelado,
a alegria do teu vinho, tua graça de manhã alva,
pois no caminho das pedras só teu amor me salva.

Imagem: http://colunistas.ig.com.br/curioso/2009/08/13/o-museu-dos-coracoes-partidos/
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens mais visualizadas