Desbravando uma trilha desconhecida na Ilha Grande, o rapaz se perdeu. Exausto da longa caminhada, descansou abaixo de uma árvore, antes de seguir mais um longo percurso à beira-mar. Caía a tarde. Avistou alguém, ao longe. Acelerou os passos.
Era uma mulher que dormia tranquilamente na areia. Ao lado, as bijuterias indígenas que produzia. Descansavam seus seios molhados à sombra de dois quadros de tecido feito por ela, tratavam-se de um Realismo que exibia um litoral decadente e uma natureza-morta.
O homem mal podia crer no que via: o Cubismo insano, o Surrealismo do seu olhar. É uma miragem, só pode ser! Que estranho! Pensou. Enquanto admirava os longos cabelos que deslizavam na areia ao efeito da brisa fresca; aqueles belos, cheios e luminosos cabelos.
- Oi, menina! Estou perdido. Você também está?
- Estou passeando.
-Passeando? Não é perigoso passear sozinha por aqui? Eu te acompanharei.
- Não preciso de homem para me defender e sou livre para ir aonde quiser.
Ele sorriu. Os olhos pausados no biquíni de cores da bandeira da Jamaica. Curtia o reggae de Bob que vinha do celular dela.
Para quebrar a seriedade da riponga, resolveu cantar Gilberto Gil: "Abacateiro, tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar..."
Observando a camiseta da UJS do moço, ela ironizou:
-Então temos um esquerdo-macho com terrível senso de humor para cantada? Eu tenho uma música melhor para ómi alfa, bem no estilo Bossa-Nova de Jobim: "Olha que coisa machista e cheia de graça!!!"
O bobo só ria, aficionado pelo gótico batom preto nos lábios da menina, que flamejavam sob a vermelhidão crepuscular.
-Então temos um esquerdo-macho com terrível senso de humor para cantada? Eu tenho uma música melhor para ómi alfa, bem no estilo Bossa-Nova de Jobim: "Olha que coisa machista e cheia de graça!!!"
O bobo só ria, aficionado pelo gótico batom preto nos lábios da menina, que flamejavam sob a vermelhidão crepuscular.
- Você mora por aqui e faz miçangas, né?
- Moro aqui e acolá. Minha contribuição social é ser rendeira, ensinar a arte de miçangas... mas sou pós-doutora em Serviço Social, formação internacional em Ciências Sociais...
O olhar bucólico da mulher na noite que chegava o envolvia no místico, num encanto, feito o sedutor e traiçoeiro canto da sereia. Era ela, para ele, a definição perfeita do seu conceito de arte.
O olhar bucólico da mulher na noite que chegava o envolvia no místico, num encanto, feito o sedutor e traiçoeiro canto da sereia. Era ela, para ele, a definição perfeita do seu conceito de arte.
-Qual o seu nome, linda?
-Krawcrzyszchlaévski.
- Putz!
Sereiazinha, é bem melhor, pensou.
-Olha, eu preciso voltar, mas nem sei como...
Sereiazinha, é bem melhor, pensou.
-Olha, eu preciso voltar, mas nem sei como...
-Vem machinho, vou te mostrar um lugar. É pelo matagal ali à frente...
-Não. É noite já. Vamos por lá...
-Está com medo, hominho? Que menininho assustado!
O matagal dava para o outro lado do praia, onde descansava o barquinho da moça. Rapidamente entraram no mar sem destino.
-Como você é linda, minha sereiazinha!
-Não sou tua, sou minha, e nada de diminutivos.
O barquinho balançava desengonçado aos empurrões das ondas.
-Sou capricorniano, a terra é o meu mundo, tenho medo de mar aberto, não sei nadar...
-Sou Leonina, gosto de aventuras no litoral... Sou nadadora profissional e tenho curso de salvatagem em alto-mar. Você nao deveria ter medo de sereia, machãozinho... Tome esse chá de cogumelo para o medo passar... O chá deixou o moço fora de órbita. Alucinado, vislumbrou carinhos loucos no corpo da sereia, beijavam e arranhavam-se numa transa louca.
Exausto e acalmado num lisérgico além-mar, esquecera do que não deveria dizer:
-Minha sereiazinha, minha deusa, minha rainha! Achei muito bonita a sua aranha...
-Que babaca!
-Falei da sua tatuagem. Por que uma caranguejeira?
-Temos muitas coisas em comum.
- Cruzes! Deus é mais!!!
Uma tontura o acometeu, já não sentia o corpo. As vistas embaçadas apagavam tudo ao redor. Ouvia apenas o canto da sereia levitando Caetano Veloso: "Adeus, meu bem, eu nao vou mais voltar... Ai, água clara que não tem fim, Não há outra canção em mim..."
-Que bela canção, minha sereiazinha linda!
-Que bela canção, minha sereiazinha linda!
O homem caiu no mar, preso às teias do chá que continha secretos ingredientes. Sôfrego, o corpo ao menos se debatia, desaparecendo aos braços do mar noturno. Ela assistia a tudo cantando, rindo a satisfação e o orgulho pelo cumprimento da promessa de nunca perdoar quem a diminuísse: "De madrugada, quando o sol cair dend'água, vou mandar te buscar..."