Sem o assédio do verão que castiga minha pele, exige sacrifícios como a devoção ao corpo para nutrir a tirania da beleza exibida nas praias e que torra toda a poética do meu ar com aquela correria pela estética fabricada, posso, finalmente, voltar a ser. O verão é um moleque peralta. Vive sorrindo, se diverte ao dia em alto som e danças, está a mil por hora, seu compromisso é com o momento-prazer, por isso, não acha tempo para refletir. É óbvio que no outono íntimo também podemos provar de uma deliciosa e calórica euforia, mas é uma sensação verdadeira que não depende de calores sedativos, de maquiagens, vitrines sorridentes de fama e sucesso para camuflar a vocação para o fracasso. Com isso, aprendo que o que me dói no verão íntimo não é a verdade, e sim, a mentira, pois a verdade do outono é a oportunidade que encontro de sentir-me perto de mim mesmo através da necessidade que vem da dor; dor provocada pela solidão; solidão amiga. Ora, se a dor do corpo também é a dor da alma, logo que a tal dor nela se aplaca, lembramos que temos uma alma – corpo imaterial– tão frágil como a própria existência; e geralmente, só passamos a valorizar as coisas e as pessoas quando nos deparamos com a dor ou a perda das mesmas.
Escrevo pela ilusão de eternizar a beleza, pois é dessa poética que se alimentam os amantes da arte. O que realmente interessa-me é não frear o impossível: controlar as palavras - é a arte quem me guia. No momento em que as palavras me conduzem, mesmo levado pelas ilusões, exponho minhas únicas verdades... É nisto que contém sentido: tornar-me legível (para mim mesmo) mesmo com certa medida de obscuridade.
domingo, 25 de março de 2012
Outono - por Sergio Martins
segunda-feira, 5 de março de 2012
Fervura de menino - por Sergio Martins

No fim do dia abre-se a flor tardia
e já sem sono, longe vais do que te perdia.
Antiga, a clareira de céu se estende na varanda;
nova é a mensagem sempre à frente desse olhar que ciranda
entre goles de aguardentes, violão – profana poesia,
em desatino confesso – faceira e sagrada boemia.
Calmaria de Março depois do barulho,
ondas incessantes à dormência de marulho.
O café quente com cigarro e mais um livro;
ao estalo da vitrola desliza a chuva no vidro.
No crepitar de fogueira as páginas incineradas,
desejo ímpar, alegrias íntimas, luas enamoradas.
Linhas frias de caderno, fervura de menino em liberdade,
brincadeira de (ser) Deus, rascunho e perfeição da vivacidade.
Na boca da noite se fecha o gris que ardia
e já em sonho, podes ser você mesmo: canção vadia.
sexta-feira, 2 de março de 2012
A cena muda - parte 4/ final - por Sergio Martins

No último ato da peça teatral tudo parou. Aconteceu uma reverência mútua e num silêncio que se manifesta nas catedrais após o canto do sino à entrada da noite; deu-se a nota de falecimento: a atriz abriu os braços e recebeu aos beijos o seu homem acolhendo-o como se recebesse o seu bebê e dessa maneira, embalou o ar da plateia aos festejos de quem recebe a tão esperada notícia. Em comunhão com o sentimento dos espectadores, enchi meus pulmões para acompanhar o último suspiro da cena muda que ficaria gravada em minha memória qual vinil arranhado repetindo o bom refrão.
Entretanto, o que enxerguei naquele último ato foi a possibilidade de uma existência livre das tragédias românticas de Sheakspeare. São cenas mudas como estas que falam por si só como a própria arte que não se explica mas que existe apenas para ser degustada, que vez por outra aparece como um ponto de luz em nosso desengano e nos convence que a vida, até mesmo com toda sua beleza triste, parece mover-se numa tentativa de eternizar o prazer de uma adolescência enamorada pelo feitiço; norteada por uma felicidade singular.
quinta-feira, 1 de março de 2012
A cena muda - parte 3 - por Sergio Martins

O andar da moça sempre acompanhado pela leveza de seu sorriso se contrapunha a todo azedume de cidade grande; na verdade, ao passo que um rebuliço cardíaco me sufocava, todo o seu corpo e sua feição pareciam sorrir igual contentamento de cão guiado pelo seu carinhoso dono. Naquele feitiço, eu tive a sensação que o ônibus se aproximava do mar e inalei a maresia, ouvi marulhos sinfônicos de sereia e perdi-me num apetite desordenado de correr pelas areias da Barra da Tijuca, encontrar muitas pegadas além das minhas e que caminhassem junto aos meus pés. Subitamente, olhei para os lados na intenção de me recompor daquilo que até então parecia surreal e vi que um velho abriu a janela e deixou o sol lhe tocar para apreciar melhor a cena espetacular. Afoito, chegou até mesmo a lamber os lábios com muito gosto, procurando, talvez, sorver o paladar das boas épocas em que a calda de pêssego deslizava em sua boca pelos lábios da mulher amada.
Houve também, no olhar de alguns o parecer frio e insosso dos críticos de arte que se esforçavam em ignorar a mestria daquela poética como se pudessem, num ato de coragem, de desespero, de covardia ou de pura crueldade driblar toda a vida e toda morte inevitáveis advindas do lado de fora.
Até que a lotação se adiantou cortando a cena igual cortina que desce sobre o palco anunciando o fim do show. Bem que tentei evitar o fim do prazer curvando-me o corpo e girando completamente meu pescoço para trás na ânsia de não perder o restante daquela graça ameaçada pela pressa do motorista; mas não teve jeito, viriam mesmo as chuvas de Março após o carnaval. Acabara-se o espetáculo e veloz, a condução foi engolida pela ladeira; o que acometeu meu estômago de um afago gélido característico de minha infância todas as vezes que a caminho da escola, o motorista acelerava a condução antes de descer a imensa rampa para o meu salto de alegria. Quanto prazer eu tinha em toda aquela geleira estomacal!
A cena muda - parte 2 - por Sergio Martins

A trama do destino apareceu no teatro a céu aberto de uma calçada qualquer feito amor que é pipa guiada pelo vento e que está sempre no ar pronto para ser agarrado. De imediato, uma sombra cobriu todo o céu. Depois vieram os raios solares. E sorrateiro, um vento pareceu abraçar-me trazendo memórias de pipas. Assim que toda aquela escuridão foi desfeita vindo em seguida o sol e o vento, surgiu detrás de uma pequena cortina de sombra uma bela mocinha dos cabelos esvoaçantes e lustrados de um prateado matinal. A atriz principal vestia short jeans, chinelo e uma elegante camisa do Botafogo abrilhantada com sua estrela solitária aos requintes da última moda. Ela vinha caminhando aos passos adolescentes, movida de dança e sorrisos como fosse uma exultante monóloga. Parecia realmente feliz como toda loira deve ser, demonstrando indiferença à aflição adulta e urbana. Era assim que seguia seu caminho florido de criança rumo ao parque de diversão. Por ser tão original, a atriz tornou-se um destaque espetacular capturando a atenção de todos semelhante a um luzeiro na imensidão sombria; um jardim encantado atraindo os pássaros e as borboletas. Tão logo recebeu os olhares sôfregos de desejo que os rapazes costumam sentir e apresentar como aplausos de gratidão quando se veem diante de tal formosura.
Os carros suscitaram seus faróis piscantes, as luzes coloridas das lojas e as buzinas ovacionavam feito um coro jubiloso à estrela maior que seguia distraída, porém, compenetrada no seu trabalho voluntário naquele tipo de arena popular. Tratava-se de uma fenomenal contribuição à arte lírica.
Apesar de sentir-me agradecido, continuei estático, perplexo, de olhos fixos no novo e mágico mundo da mulher-menina, até que preocupando-me em não demonstrar má educação, alarguei um sorriso em sua direção a fim de presentear aquela brisa refrescante em meio ao mormaço de verão.
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