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domingo, 25 de março de 2012

Outono - por Sergio Martins



 



O agito de um ar tropical entoado para esconder o silêncio da verdade em meu íntimo, parte juntamente com o sol maior; de sorte que posso ouvir uma alegria especial longe das batucadas de desespero; é a vez de a orquestra calma musicar o ambiente para eu me aproximar de mim mesmo. "Outono é isto: queda de temperatura. Nele, "há um cair em si" que nos induz à ascensão. Parece que o mundo decai para que sintamos seu peso e nos é revelada sua nudez: espelho pelo qual vemos e nos aproximamos do "ser-si-mesmo."

Sem o assédio do verão que castiga minha pele, exige sacrifícios como a devoção ao corpo para nutrir a tirania da beleza exibida nas praias e que torra toda a poética do meu ar com aquela correria pela estética fabricada, posso, finalmente, voltar a ser. O verão é um moleque peralta. Vive sorrindo, se diverte ao dia em alto som e danças, está a mil por hora, seu compromisso é com o momento-prazer, por isso, não acha tempo para refletir. É óbvio que no outono íntimo também podemos provar de uma deliciosa e calórica euforia, mas é uma sensação verdadeira que não depende de calores sedativos, de maquiagens, vitrines sorridentes de fama e sucesso para camuflar a vocação para o fracasso. Com isso, aprendo que o que me dói no verão íntimo não é a verdade, e sim, a mentira, pois a verdade do outono é a oportunidade que encontro de sentir-me perto de mim mesmo através da necessidade que vem da dor; dor provocada pela solidão; solidão amiga. Ora, se a dor do corpo também é a dor da alma, logo que a tal dor nela se aplaca, lembramos que temos uma alma – corpo imaterial– tão frágil como a própria existência; e geralmente, só passamos a valorizar as coisas e as pessoas quando nos deparamos com a dor ou a perda das mesmas.

O outono me causa dor, sensação de perda. As folhas guiadas pelo vento me lembram que estou dentro de um mar aleatório em que navego nas indisponibilidades divinas, o frio que sobe o corpo é vida brotando na mente, em tudo mora uma saudade, as mensagens de despedida estão em tudo que vejo: no espelho não enxergo a certeza que os anos seguem uma correnteza veloz, as fotos, cada uma delas é um retrovisor me contando histórias, mostrando que o número de velas do bolo de aniversário vão se aumentando – a vida se apagando para iniciar outra vida –, falando de tempo perdido e provocando a intensa aflição pelo reconstruir... É a infinita dor pela qual encontro, todos os dias, o significado de minha existência.
A baixa temperatura reflete a queda da máscara carnavalesca de verão que mora em nosso eu interior – caímos na realidade, a mentira que dói inexiste, só há a verdade que consola –, e é justamente nesse fundo de poço que conseguimos nos encontrar: no caminho árido da cicatrização das dores da mentira; é o lugar onde podemos adquirir as belezas plurais dos infortúnios. O verão me engana ao trazer a ideia que possuo uma juventude invencível, sou aquecido por uma sensação de imortalidade, ignoro meu imenso vazio superlotando meu tempo como uma inútil terapia para me livrar de mim mesmo. O outono é um prolongado crepúsculo da tarde me dizendo: a noite vem. É um labirinto inevitável e enigmático, é a ausência do "eu-na-turma", é sinfonia apaziguante, é a certeza de caminhar livremente, a paz concebida após anos de guerra, é a idade avançada que tem a sabedoria como experiência pessoal... 
Ao findar o mês de Março, vemos a velhice nas coisas e pessoas – é a nova estação revelando tudo aquilo que é velho em nós. A velhice mortifica certas vaidades, acende o cuidado de nos apegarmos ao significado de ser, a ânsia pelo futuro promissor e as desilusões são postas lado, o medo do escuro não aparece pois estar a sós consigo mesmo não é mais fantasmagórico, e porque suportamos nossa própria presença a sós com a solidão amiga, podemos conviver em harmonia com o mundo pois já estarmos convictos que a solidão não representa o estarmos sozinhos, mas é a ausência de um sentido maior que nos faz sentir sozinhos ainda que bem acompanhados.

A juventude é um dia claro e grandioso, mente fervilhante e inebriada pela fantasia, agitação descontrolada, multidão reunida para curtir o Rock in roll, a escuridão não pode ser contemplada. A velhice possui uma beleza diferenciada, a magia não convencional como a escuridão da madrugada onde habitam as estrelas, os milhares de pirilampos, o mar negro de altas ondas. É o universo quieto reverenciando a mestria divina, é nela que gozamos de um bem estar infinito, a sorte de se viver um dia após o outro sem se cansar com atividades desnecessárias...

O outono chegou! E lá se vai toda aquela ginástica pelo físico perfeito que doloria o dia-a-dia dos fracos, a acrobacia de termos que achar tempo para ficarmos ainda mais sem tempo, se finda o Stress, o barulho urbano que produzia dores de cabeça, o sorriso obrigatório e sem graça para mostrar aos outros que se está bem, a fadiga pelo desespero capitalista dá lugar para o descanso onde se é possível ouvir o pulsar do nosso coração, o trabalho é capaz de ser um meio para chegarmos cheios de atrativos ao lar doce lar com as pessoas queridas, as festas estridentes com fogos de artifícios para conter os clamores da alma não são mais úteis, sobra tempo para sentirmos o abraço do casaco, a fogueira no luau, um bom livro, a exposição de artes, o bom filme assistido com ser amado...

No outono, vemos que o lugar da queda é também onde acontece a ascensão: a perda da euforia trazendo a razão, o rompimento de um prazer levando a saudade e trazendo novos sentidos aos nossos trajetos, o fim de uma alegria para a entrada de uma desconhecida felicidade... Outono é esta mescla de sentimentos estranhos e belos: saudade. Estranho pela queda e belo por ser ascensão. Pergunto-me, então, se existe outra razão pela qual o sol venha se despedir senão aquela que faça a noite sobreviver, as estações que com seus brilhos e cores próprios enchem de prazer e saudade os olhos poéticos. É aí que acho o significado de minha vida: no prazer. O prazer outonal não vem de propagandas enganosas de realização pessoal, não existem motivos para absorvermos alegrias instantâneas e fúteis de verão, o dia é findo, não há necessidade de mantermos uma imagem de campeões, é admissível assumir nossa vontade-necessidade, longe das luzes do palco hipócrita conseguimos observar nossas rugas – acabou-se o bronzeamento, a palidez retorna à minha face – e compartilhar um pouco daquilo que realmente somos... O mundo está entardecendo, as vistas se escurecem pela velhice e enxerga a existência com mais clareza: sombra mais forte, verde mais verde. Na noite é permitido ser quem realmente se é, na sensualidade das madrugadas mora o prazer de uma sinfonia silenciosa; lá onde a verdade está disponível para libertar nossas emoções... Há coisa mais triste e ao mesmo tempo tão alegre do que sentir o outono desfolhando as páginas do nosso inconsciente, fazendo do vazio um companheiro gentil que nos ensina a preencher nosso interior com o que vale a pena, da desocupação algo fecundo, pondo em dúvidas nossos conceitos, revirando nossos valores...? Como não enxergar que são estranhos e belos os raios solares enviesados e inibidos na campina dourada que se inclina pelo afago do vento, as enormes nuvens que vem e vão criando e desfazendo imagens rapidamente... O vento à tardinha enxuga o olhar visionário... O frio são lembranças descongelando – e a saudade é a velhice em nós– rumos desiguais, a boa infância abandonada, partidas sem sentido, noite delongada que denuncia o retardamento; a lua está próxima demais, a lua que minguou pelos olhares indiferentes é a mesma que preferiu estar cheia de sorrisos, grávida de amor e perdão; e em sua presença todos se enchem... A maré transborda de contentamento, o olhar da donzela recebe um gratuito prateado, o coração fragilizado se faz repleto de uma nova paixão... É com essa sábia velhice que me encho de beleza para florir o meu jardim, fazer feliz a quem eu amo. Velhice é outono sem fim, é crise de um prolongado crescimento. O tempo, na velhice, confirma o amadurecimento: arte do eterno aprendizado. No olhar dos velhos ouço um sossego que me aconselha a ouvir mais. A entender o silêncio. No ar rarefeito do clima de montanha fluem soltas e suaves as palavras dentro de mim e o sono tranqüilo me vence na rede da varanda... O amor é a fogueira que se encontra mais forte para criar a arte escondida na escuridão – a luz no fim do túnel, queda e ascensão – são desfolhagens colorindo e abrilhantando as telas dos pintores: as folhas vão se reencontrar pelo chão, chuvinha constante que cura a terra, natureza em autoreconstrução. Bate forte a saudade, algo se foi. No entanto, num piscar de olhos se percebe que as roseiras pelas ruas continuam floridas, os Bem-te-vis eufóricos nas mangueiras, o canto mágico e solitário dos Sabiás, os Pardais refazem seus ninhos, o prazer passa a habitar no momento chamado agora, o dia de hoje recebe o nome de melhor presente... Pelas ruas, some o vai-e-vem desordenado e o monóxido de carbono, a calma é divinal.. Há o vagar de um pântano tenebroso à sinfonia de um olhar que em tentando segredar-se, mais transparente se faz... Sobe a pequenina bolha de sabão da menininha que correndo atrás de sua obra flutuante me ensina como se cria um mundo intocável, leve, simples e esplêndido. A bolha estoura. Ela grita. Eu suspiro fundo e fico em silente, pois na perda do prazer até o emudecimento é terapêutico, mas o mundo flutuante que a criança idealizou não deve ser abandonado... Aí, o tempo me faz sentir que é hora de superar a dor, aprender com a saudade, rebuscar o prazer, cruzar os mares estranhos e belos. É o outono me chamando à última valsa todos os dias...

Um comentário:

Severa Cabral(escritora) disse...

Boa noite meu querido menino grande!
Grande no poetar...gosto de ler teu sentimento expresso de forma outonal...eu tbm tive oportunidade de deixar hj um poema que transcede o meu outono do qual deixarei aqui para vc;

ASAS DE OUTONO !

Tenho asas que carregam
sonhos,desejos,emoções,
ilusões,vivências...
E para viver todos
esses sentimentos
sem constrangimento
sobrevôo sempre em busca
de novos alentos
com o sabor do vento
de outono
que fecha-se em juramentos
dando a certeza que
somos alma e corpo
com asas que abrem e fecham...

Severa Cabral(escritora)

Bjs de saudades!!!!!

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