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quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Minhas flores, meu templo - Sergio Martins




Celebro e reverencio tudo o que é divino. Aquilo e aqueles que me foram dados de Graça, dedico meu tempo, dinheiro e minha saúde. Minha liberdade, por exemplo, é sagrada, irresistível e inegociável: abraçar meu filho, conversar com minha mãe, pedalar bicicleta, jogar futebol com a galera, caminhar sem destino, viajar com meus amigos, fazer novas amizades, passear por aqui e acolá, divertir-me muito... Outra divina alegria é minha solitude, a que me acaricia com as coisas que amo compartilhar comigo mesmo: o cair da tarde espiritual, o banho de chuva em euforia, a dança ao rock psicodélico e progressivo, as calmantes suítes barrocas, as sonatas de Bach, os andantes de Mozart, os adágios de Choppin, a degustação de uma sobremesa que preparo, os poemas transcendentes de Adélia Prado e Cecília Meireles, os filmes existencialistas de Malick...
Na solitude, permito-me ao silêncio em companhia das flores que cuido. Vê-las brotando, florindo, sorrindo e se multiplicando é um milagre, alimento de minha alma! É preciso estar em silêncio para apreciar a beleza, pois toda palavra lançada sobre ela é vã, não há necessidade de explicá-la; por isso minha oração é silente - um jardim que cuido e floresce ao meu redor... Dessa forma, estou pronto para ouvir o Criador.
É difícil quebrar o silêncio com algo que seja mais significativo, portanto, diante da beleza divina, apenas ofereço meu silêncio como reverência. Em silêncio eu converso com minhas flores. Elas me ensinam muitas sabedorias... Olavo Bilac conversava com as estrelas, e para quem achava loucura, ele respondeu: “só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas”. Eu entendo bem o parnasiano príncipe dos poetas brasileiros, pois creio que apenas os que têm amor próprio e que amam essa vida e esse mundo podem, de fato, ouvir as flores - em silêncio...
Percebo e sinto Deus em tudo o que é contrário ao medo, desespero, à agressividade - barulhos que profanam a sacralidade calmante e silente do tempo-espaço... assim, entendo que meu maior milagre é não depender de milagres religiosos, mas perceber diariamente o milagre divino em mim mesmo, nesta paz que me transborda a despeito de tantas guerras...
Religião é o demasiado falar. Espiritualidade é silêncio de adoração. Em silêncio, posso ouvir o que me é essencial, o que me é vital à felicidade.
Minhas flores, meu templo - onde oferto meu silêncio em adoração. Em contato com essas mágicas alegrias, estou em comunhão com o Criador.

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