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quinta-feira, 1 de março de 2012

A cena muda - parte 3 - por Sergio Martins





O andar da moça sempre acompanhado pela leveza de seu sorriso se contrapunha a todo azedume de cidade grande; na verdade, ao passo que um rebuliço cardíaco me sufocava, todo o seu corpo e sua feição pareciam sorrir igual contentamento de cão guiado pelo seu carinhoso dono. Naquele feitiço, eu tive a sensação que o ônibus se aproximava do mar e inalei a maresia, ouvi marulhos sinfônicos de sereia e perdi-me num apetite desordenado de correr pelas areias da Barra da Tijuca, encontrar muitas pegadas além das minhas e que caminhassem junto aos meus pés. Subitamente, olhei para os lados na intenção de me recompor daquilo que até então parecia surreal e vi que um velho abriu a janela e deixou o sol lhe tocar para apreciar melhor a cena espetacular. Afoito, chegou até mesmo a lamber os lábios com muito gosto, procurando, talvez, sorver o paladar das boas épocas em que a calda de pêssego deslizava em sua boca pelos lábios da mulher amada.

Houve também, no olhar de alguns o parecer frio e insosso dos críticos de arte que se esforçavam em ignorar a mestria daquela poética como se pudessem, num ato de coragem, de desespero, de covardia ou de pura crueldade driblar toda a vida e toda morte inevitáveis advindas do lado de fora.

Até que a lotação se adiantou cortando a cena igual cortina que desce sobre o palco anunciando o fim do show. Bem que tentei evitar o fim do prazer curvando-me o corpo e girando completamente meu pescoço para trás na ânsia de não perder o restante daquela graça ameaçada pela pressa do motorista; mas não teve jeito, viriam mesmo as chuvas de Março após o carnaval. Acabara-se o espetáculo e veloz, a condução foi engolida pela ladeira; o que acometeu meu estômago de um afago gélido característico de minha infância todas as vezes que a caminho da escola, o motorista acelerava a condução antes de descer a imensa rampa para o meu salto de alegria. Quanto prazer eu tinha em toda aquela geleira estomacal!

Um comentário:

Severa Cabral(escritora) disse...

Boa noite meu amigo misterioso!
Sempre que venho te ler,me surpreendo com seu talento,pois são prá poucos ...escreves divinamente bem...
bjs meu amigo !

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