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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Olhos de comer - por Sergio Martins







Com o avanço da idade tendemos a ver tudo em sua mais chata repetição. Isso é mais que normal. O que chateia o mundo são os olhos poéticos que contradizem a lógica, pondo em tudo no mundo uma animação e, como adoram ao sagrado, acendem pequenas luzes para a Luz Maior – como diria T.S. Elliot.
No mundo-mutante que gira numa velocidade incrível, não o acompanharmos seria trágico: as palmeiras resistem aos ventos, ao passo que os inflexíveis, quebram-se.
Outro dia vi uma borboleta, coisa rara por aqui (o progresso acabou com as angelicais criaturas).
Perguntei aos que estavam ao meu lado se eles também viram a teofania; mas para minha surpresa, eles só entendem por teofania as dádivas dos recursos financeiros – obtidas mediante barganhas com os deuses...
Noutra ocasião, meus olhos se alimentaram de um arco-íris, a chuva ainda musicava sobre um sorriso que eu degustava, à noite seria a grande lua, outros sorrisos e danças... Quando subi a montanha e fiz rapel, entendi a filosofia: “só depois de deixarmos a cidade é que veremos a que altura estão as torres.
Acima das casas”. A beleza vista do topo da montanha eliminou o medo de altura; ali compreendi a máxima teológica: “o verdadeiro amor lança fora todo o medo”.
Agora, são as violetas e as pequenas rosas do meu quintal que me põem na perdição dos olhos. O que me faz apreciá-las a cada manhã? Qual a razão de eu me apaixonar todos os dias pela mesma imagem? Ah! Esses olhos de comer poesia...
A observação e a experimentação não são meios exclusivos dos poetas, para a obtenção de resultados lógicos, a ciência e a teologia se valem dos mesmos recursos: “Olhai os lírios dos campos...” “Olhai as aves...” “Provai e vede que o Senhor é bom...”
O certo é que não há mais solução para os olhos poéticos, se estou cabisbaixo de tristeza, vejo o cuidado divino nos lírios, se ergo a cabeça, as aves me ensinam que mesmo sem plantar, têm tudo o que necessitam.
Olhar, olhar, olhar... Experimentar, alimentar-se... Abstrair-se da poluição visual e das miragens produzidas pelo deserto humano-existencial, captar o óbvio: os olhos necessitam se alimentar - da comida divina que nunca falta em detrimento da abundância dos males... As vantagens de caminhar neste contrassenso humano é se alinhar ao equilíbrio do universo. Daí a paz em meio à guerra e não ser dependente dos milagres do capitalismo para a aquisição de tudo o que realmente é essencial à vida.
Os olhos de comer têm pressa; e a vida está acontecendo no tempo-presente-divino...

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