A segunda-feira fora arremessada à fervura típica do verão carioca. Dentro do ônibus, a volta do trabalho pra casa se dava ao luxo de uma ambiência relaxante e calma sob as cores metafóricas e metamórficas do crepúsculo vespertino.
Escrevo porque não posso frear o impossível: controlar as vozes que nascem poeticamente em mim, como a beleza irrefreável do crepúsculo - é a arte quem me guia. Nesse mar há paixão e verdade essenciais a mim, tanto quanto o oxigênio; de modo que é nisto que contém sentido: tornar-me legível (para mim mesmo), ainda que minha caligrafia seja de certa forma ilegível.
Durante a manhã há sombras melódicas em teus
olhos,
nos dias nublados você fica tão inebriante e
sedutora
quanto a morte que degustamos num Réquiem de
Fauré.
Quão bela é sua aparição nas fúnebres ruas:
o vestido preto, a sombria maquiagem desfeita
pela chuva –
fotografia do mundo falecido– rara flor da
noite!
Não quero o colorido passado, o céu ensolarado
nos irrita,
e já desconhecemos o dia; pois só acordamos à
noite
para dançarmos o lunar madrigal
ou a ópera carnavalesca das assombrações.
Almejo a rouquidão, o fumo e o uísque de tua
boca:
ao doce do teu batom preto, meu
apetite vampiresco.
Foi numa madrugada que conheci teus nefastos carinhos,
uma ventania gélida precedendo a brisa quente,
que me arrepiou todo o ser,
e me soprou aos ouvidos o meu medo mais
profundo,
antes do temporal despedaçar toda a vida que
eu conhecia:
o medo de morrer, na verdade era apenas a frustração
de
não realizar o desejo de viver tudo o que eu
sonhei.
Em meio às brumas você apareceu tão tenebrosa
e irresistível como as catedrais góticas,
e me tocou:
acordes sonâmbulos e desesperados do meu ser!
Você necessita do meu sangue e da minha
carne,
eu tenho muita sede de suas lágrimas e fome de
sua tristeza,
pois minha felicidade é também é a sua:
ter o nosso amor – que é de morte.
Minha amada taciturna, seremos só eu e você
nesta sinfonia fantasmagórica:
assistir o teatro dos horrores, plantar rosas
murchas no jardim doente,
inebriar à lira sinistra do inverno...
Nosso mundo será eternamente este solitário e
belo cemitério,
ao som de suas canções melancólicas ao
violino.
