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segunda-feira, 23 de março de 2020

Ensaios antivirais - parte II - Sergio Martins







A sonolenta luz do poste pesa mais fosca, letalmente ofusca os olhos-transeuntes que persistem achar algum sentido na calmaria mórbida que sufoca o ar de um medo resignado: o mundo hoje apenas é pequenez claustrofóbica e fria.
Caminha em minha direção a música romântica e antiga, flutuando o cabelo ruivo da copa da bela amendoeira, como se todas as árvores perdoassem as violências humanas... Estático, o sabiá canta tristezas de solitudes para todo o vazio existencial - ao longe, o diálogo interrompido, o monólogo sem ouvinte, o casal se divide, distancia-se pela estrada-despedida, a saudade de lá já amarga as calçadas daqui.

O agouro entardece todo o dia, a pressa da noite é um grito violentando o tempo, uma ventania enlouquecendo o lirismo cosmopolita...
Livre dos alucinógenos, os passos errantes caem no pensamento lancinante, no limbo cotidiano, pois são racionais e vãos... Sem a fantasia e a mentira-catarse, não há cura-droga que os possa salvar das verdades destrutivas... Portanto, a Pneuma filosófica e a Pneumatologia teológica perturbam-se, espirram a impotência, cospem a poeira cósmica e o pó terráqueo (que é absolutamente tudo), caem na apneia da cidade em pneumonia...

- O rei está nu! Denunciam os plebeus.

O reino está exilado no reino que sempre foi exílio: a cidade ensimesmada, encimada de cristos-críticos, decência-decadência...

Tosse um velho capim, outonando num canto qualquer de calçada. A garganta da flor diminuta está sequiosa pelo fumo do tempo e enchem-se de fuligens seus pulmões, ao tempo que estou num resfolegar de algum sentido, semelhante ao semelhante que não pode respirar - sozinho no mundo insensato... Em poucos minutos, uma poça d’agua destruiria meu rosto - a imagem e semelhança da des-razão nesse ininterrupto não-lugar.

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