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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Em Novembro - Sergio Martins






Em Novembro, meu Ipê amarelo não floriu. Foi quando me lembrei que as despedidas de Agosto e os perfumes insensatos de Setembro aportaram em mim como se a tristeza fosse uma doce sinfonia que não se pode esquecer...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, aprendi o costume de me olhar no espelho sem notar o passar das horas, de perceber os traços do tempo em meu corpo e de tentar viver na contramão do passado.

No ano que o Ipê amarelo não floriu a fé expurgou-se de meu íntimo; então aprendi que é melhor viver um sonho louco a ter uma vida sã em vão.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, me dei conta de um drama: em meu nome há rosa. Sou um homem de uma flor só. A poesia me floresceu. Mas não é essa a flor que com seus espinhos me perfura o íntimo. A dor que sinto provém de uma rosa que cada pessoa a chama por um nome. A minha rosa dos ventos esquisitos tem a sua rosa como nome próprio. Essa dor que de mim não se desprende vem do trabalho que me adiciona mais trabalho e mais tempo para eu não ter tempo para mim. É que a gente pobre trabalha triste... E não raro, perdemos a fome e o sono na tentativa de construir com o que acumulamos: o nada e o em vão. Todavia, sei que a miséria existencial não é só o azar financeiro, e sim, o malogro no amor e todo esse olhar para a vida de esperança perdida que ele nos impõe. Mas há na pobreza algo ilógico: a força que absorvemos para enfeitar e encantar a feiura dessa vida. A dor que sinto é por amar. Amar a vida, por me empenhar em prolongá-la e me eternizar em sua beleza como fazem e conseguem os deuses e os poetas. Quem me dera ser corajoso e desleixado como os loucos e os homicidas!

No ano que o Ipê amarelo não floriu, rebusquei nos álbuns de fotografias e em documentos as minhas origens e certifiquei de uma verdade: a tristeza é minha mãe. Nunca vou abandoná-la.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, notei um vazio em mim. Por certo, este vazio já pairava no ar de minha atmosfera, eu é que estava distraído em meu namoro com os atrativos do meu olhar. O vazio é em mim. E acho, até mesmo, antes de mim; antecipando-se ao meu olhar feito cortina de neblina outonal. O vazio é. O vazio está sendo. O vazio sempre está; embora toda a alegria de viver o acometa de um profundo sono. Este vazio mora em mim de forma indesprendível qual Graça de amanhecer e ao mesmo tempo uma tática do amor, isto é, o meu próprio vazio querendo me aproximar dele, o amor, a fim de que eu seja dependente de ser completado por ele. O vazio é um comigo. Eu sou todo um vazio só: vácuo enigmático que não se pode definir. Meu vazio tem o doce aroma da morte melancólico de Novembro e dos campos de batalha e é do tamanho da beleza indiferente da moça na pintura...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, o pé de acerola secou e morreu. Parece mesmo que ele, o pé de acerola, tomou as minhas dores – as dores de um mundo pesado que me curvaram as costas...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, desfolhei páginas amareladas e empoeiradas de um velho caderno e dentre um amontoado de rascunhos que fiz, li meu desabafo que absurdamente parece ser atual: “...Aos meus lábios, emergiu de tua boca a doce calda de pêssego, ao meu destino flui o mar amargo de tuas palavras que mudou pra sempre a minha direção... Os quadros, os filmes, as fotos, as festas e as viagens perdidas que vez por outra lembramos... As palavras ao pé do meu ouvido em francês... O lençol continua novo, branco e lavado, porém, frio sobre a cama. O corpo continua jovem, virgem, belo e triste flutuando nas nuvens cinzas de sua realidade..."
O que há de florir meus olhos e acender as luzes místicas nesses Ipês que se apresentam como monumentos estáticos e frios no meu Jardim Novo? Quando se dará o florescimento de um soneto numa folha simples de papel que presenteará a dama enquanto dorme tão cansada e esquecida de si? Quem vai acariciar tuas costas com os lábios sequiosos a fim de sorver suas irritações? Onde ficarão os velhos quadros? Quem há de mostrar-me a bela música do meu funeral e em Novembro, o que em nós há de ser certeza primaveril?.

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