"(...) Olhando no espelho de água do rio, o pajé pintava um admirável auto-retrato numa peça de madeira e na parte de trás do quadro ele narrava o sonho que teve na noite anterior do seu desaparecimento: a pressão contra meu corpo frágil e indefeso ganhava um impulso assustador e eu apenas sorria feito curumim recém-nascido que nunca abriu seus olhos para o novo mundo, mas que, milagrosamente, sabe oferecer um sorriso de gratidão; até que abandonei o cajado, me agarrei a uma pedra e resolvi abrir os olhos. Tarde demais. Os raios de vento estavam a ponto de perfurar minhas retinas, meus dedos se desprendiam da pedra enquanto a rapidez enérgica da corrente de ar me conduzia numa gravitação improvável, o uivo da ventania ensurdeceu o restante de minha pouca audição no instante em que já era quase impossível respirar a poeira úmida e pesada que degradava meus pulmões e me tonteava. E antes que minha pele e meus nervos se fragmentassem; deslizei da pedra e vi a maior, a mais bela e a mais luzente de todas as águias da montanha sagrada; e finalmente, semelhante a um pássaro livre e realizado, levitei girando rumo às nuvens tornando-me um com o céu."
Texto - fragmento de "Um com o céu" - de Sergio Martins
Foto: Google
Nenhum comentário:
Postar um comentário