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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Toda a casa por Sergio Martins


Entre os corredores, quadros: paisagens arborizadas de Setembro.
Ao fundo dos quartos, retratos: marcas impressas na antiga porta.
Pelas cortinas de véu fino, há lembranças de um casamento perdido, um perfuro em meu olhar iluminado – rastros sorridentes de uma jovem decoração...
Da sala, o silêncio de uma inesgotável intensidade contrastando com as paredes em tom modernista...
Em toda a varanda há brinquedos solitários e espalhados até a escadinha de azulejo que segue para o quintal empossado pela calmaria vespertina, pela suavidade da Flor-de-Lis, pelo doce aroma das mangas, pelo tapete de grama e pelas milhares de folhas e flores coloridas no chão arenoso, o qual, ainda guardava suas pegadas aprofundadas em suas minúsculas e macias dunas como as areias do seu litoral festivo...
Pela fresta da janela central, um raio de luz se desprendeu da cortina cinza-escuro das nuvens clareando uma parte do piso verde-musgo da cozinha, mas logo se foi deixando um estar enegrecido. São luzes e sombras num passado-presente da velha casa recém-restaurada pelos eufóricos espíritos. E na ausência de todos eu fico perambulando por todo canto feito um espírito preso num cemitério: me sinto em férias do mundo, , colho Lírios e Crisântemos, fico num vazio descomunal, frio adentrando-me que não acaba mais e assim, vou apalpando pedras, plásticos, ferros, móveis... para verificar se meu corpo ainda está; me sentindo tão próximo de mim mesmo que chego a me abraçar – afago de espectros ambulantes de um mundo-presídio...
E quando prostrado no chão de cada cômodo, me faço como cada um deles: olhar rebaixado que só vê cacaréus reconstruídos e coloridos, ar úmido e rarefeito – águas insípidas e paradas neste pouquinho de terra apaziguada e abandonada- sujeito velho, redesenhado pela história, inserido num radiante e transcendente enigma.
A tarde amplia o escuro ao tempo em que o sino da catedral retine místico e afetuoso e à meia-luz do abajur, fixei meu olhar num pedacinho de tinta que soltava-se da parede e aquilo já era segredo desvendado, presente adquirido, uma parte descolada em mim: viagem não degustada, lar não habitado.

Foto: Google

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