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segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sírius por Sergio Martins






O pêndulo do antigo e enorme relógio de parede lhe agitava às badaladas da alma, lhe punha em sonolência e então, deitava-se ao sonho. Velejava àquele inconsciente (coletivo de menino) divagando sobre o colo feminino: o homem tão bruto e ao mesmo tempo tão desamparado e romântico em busca de sua inalcançável amada.
Achegou-se num passado longínquo: um simples trovador desamparado no cais à espera do navio real português trazendo sua deusa lusitana. À noite frígida, ansioso e angustiado no porto, ele vê um farol ao longe perdido na escuridão do mar. Acha que já é dia e se permite à loucura: é Agosto! Rainha Maria vem chegando! Sua majestade se aproxima em sua luz pomposa e crescente. O navio aporta. Seu farol é silenciado. O menino homem festeja como se visse Sírius: sua mais doce “estória” da realidade - fantasia de sua estrela maior!

Imagem: Google

domingo, 29 de maio de 2011

Azul por Sergio Martins



Azul celeste descortinou-se no outono de Maio.
Azul azulejou o olhar matutino.
Azularam crianças na pracinha e litorais dos amantes.
Azul de um mar calmo na ventania esquisita.
Azulzinho clareou nos olhos de Jamelão.
Azul ímpar de Sanhaço no ar colorido.
Azul-água esverdeando o rosto cabisbaixo.
Azulão do crepúsculo vespertino.
Azul excêntrico das ondas marulhando...
Azul-caneta desse colibri vadio
rabiscando seu pseudopoema no ar:
Azul escuro que enobrece sua vida passageira.
Azul vivo de fora a fora que não o adentra.
Azul desbotado da lembrança que voa
(em sua) madrugada apagada.


Foto: Google

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Soneto aos versos teus por Sergio Martins




Se anelo ter um verso em seus olhos
onde um imenso mar verde me alcança,
Já não sei se é perdição ou esperança
o que me faz ver o ridículo dos sonhos.

Vistes-me em desvarios cantarolar, a lua musicar,
nos quadros rever-te, nos poemas tão bem lhe compreender...
e tanto se acostumou com meu sorriso que deixou de perceber
o esvair do seu brilho quando fostes regressar...

Ao clima irresistível no entardecer de minha outra razão
em que senti seu acalento quando corrias para me ver,
de tudo que amanheci, se anoiteceu todo meu coração...

Então, se insisto no anelo de ter um verso em seus olhos,
é bola de neve na ladeira desse outono a me levar:
em meus olhos ter o verde mar- deslumbramentos nossos!


Imagem: Google

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Maris por Sergio Martins

Mulher deitada_4.jpg

Boneca de porcelana.
Bailarina da caixinha de música.
Ursinhos de pelúcia,
vestidos de seda,
Petit Gateau e Caviar,
mundo rosa e branco
numa redoma de vidro.
Dizia não e pensava em sim.
Fazia pouco caso; todavia, queria mais.
O louco de amor partiu.
Ela sentiu saudades.
Desencantou-se da fantasia.
Enjoou-se de ser deusa, humanizou-se.
Viajou para bem longe, mas encontrou-se
batendo à minha porta.
Eu abri. Ela entrou. Fez-se rainha da plebe
e de minha casa - nosso eterno lar.


Pintura: óleo sobre tela de Delphin Enjoiras (1857 - 1945)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Horizonte crepuscular por Sergio Martins



No divino olhar do menino, o demente a viajar,
atendeu ao pulsar que há tempos marulhava o ar...
Seguiu calmo, perplexo, olhos marejando
a razão de encontrar-se norteando...
Qual gaivota em ventos tropicais,
ergue-se sobre a rocha e vê o cais:
lugar onde deixou a procura e toda vontade de ancorar;
era o cenário poluído de um mundo que não sabe respirar...
O mar verde, de perto se lhe abre o sorrir,
acordando o sabor de um inusitado sentir...
Do que é espantoso, extraordinário e belo,
acolhe em seu íntimo feito graça de violoncelo...
Molhado sobre a areia, abandona dos olhos as escamas,
ignora as pegadas tortuosas, o mal-humor das lembranças...
A tarde cai juntamente com a imagem na água do seu anoitecer
e na reia fria, mergulhava, então, o significado transparente de ser...
O tudo era o agora - a verdade que morava ali:
sem histórias ou horas; apenas a leveza de colibri...
Suspirou. Agradeceu. Se apegara à "estória" e não quis mais nada responder;
pois, no horizonte crepuscular, sua alma era a própria resposta: amor e prazer.

Imagem: Google

domingo, 22 de maio de 2011

Soneto da sagrada carne minha - por Sergio Martins


Sagrada carne minha, valha-me sempre desta razão:
desesperadamente sustentar-me de ti,
e que a felicidade seja o presente; aqui:
terra fértil onde no raro prazer fiz nossa canção.

Água límpida e fresca que salta dos seus abismos secretos,
crescente vida pondo luz nesse olhar,
que na paz silenciosa me faz musicar
a ânsia de embriagar-me no gotejo imanente dos seus afetos.

Na minha aridez, brota de teu ventre incessante harmonia,
a tarde de outono que dorme sombria, em sua companhia,
é como um "alegro" de D. Scarlatti ao fim da triste sinfonia!

Fruta pão de carnosa pompa e maciez- precioso sabor-;
é com a força do suor, leite, mel e vinho da minha dor
que celebro a ceia deste tempo sacramentado pelo amor.

Imagem: Alessandro Allori, 1535-1607, Vênus e Cupido

sexta-feira, 20 de maio de 2011

A beleza da morte - parte 5/ final - por Sergio Martins

Mas em contrapartida às duras penas de minha vida, sou orgulhoso de ter feito meu próprio epitáfio: foi-me revelado o tal "pulo do gato", de modo que, não apenas contemplei de longe a "terra prometida" como também, abracei o amor à vida e a paixão por essa contraditória existência, ouvi o silêncio divino das montanhas e a sinfonia poética da mulher amada que aprendi a conquistar e me apaixonar todos os dias, respirei e prendi o romance cotidiano ao meu ser em meio aos anseios capitalistas dessa poluição modernista, recebi de Graça e cultivei extraordinárias amizades, expulsei os demônios de minha alma, me afogar em tristeza e me exasperar de contínuo; todavia, neguei o inferno, agarrei meu paraíso, pedi perdão, soube perder e a hora de parar, experimentei a alegria vívida das crianças que nunca se retiraram de mim e jamais deixei de criar a arte nos apertos desse gueto. E agora, prostrado à sombra do fim do caminho, o frio todo dessa morte lenta é amenizado pelas chamas que se fortalecem alimentadas pelo encanto da terra em que me enlaço com gratidão. Portanto, ante à iminente e eterna despedida, arremesso um maço de nobres Crisântemos, uma coroa de Rosas aromáticas no túmulo-altar desse solo paradisíaco, convicto de sossegar deleitável pelas bênçãos adquiridas, de ter conquistado um relacionamento íntimo com a imortal felicidade e com a sagrada tristeza mesmo nos atalhos em que a escuridão pareceu-me enlouquecer. Enfim, de tudo o que recebi e que me foi furtado, levarei a poesia: a beleza que Deus me apossou e com a qual, me casei para além-mar".
De agora em diante, cada folha terá sua utilidade e seu alto valor para mim, porque aos olhos sensíveis, a desfolhagem outonal é como o sono: paisagem que abriga a esperança de uma primavera em flor. É a beleza da morte.

Imagem: Google

quinta-feira, 19 de maio de 2011

A beleza da morte - parte 4 - por Sergio Martins




(...) Antes de terminar a exposição do meu epitáfio, vou resumir a questão do túmulo: túmulo é o lugar onde remetemos nossa oferta para quem se foi – flores para a vida, flores para a morte – é como o sagrado íntimo da pessoa amada em que, mortos de um intenso amor, depositamos nosso melhor ritual. "...O túmulo físico pode ser a tradução de nosso espaço interior onde guardamos tudo o que amamos - tudo se foi ou que um dia irá; pois não nos pertence. Daí, um princípio da psicologia: só cuidamos devida e demasiadamente daquilo que realmente amamos e da máxima teológica: onde estiver o teu coração, aí estará o teu tesouro..."Mas no mundo onde tudo é descartável, as folhas pelo chão são vistas como substâncias mortas, as pessoas são folhas secas entre os lixos, esquecidas de toda a beleza que brota em meio ao tenebroso vale existencial, dos lírios majestosos que habitam os charcos e que todo ser humano pode ser cativado, cultivado e exalar o seu perfume no mundo.

Nesse sentido, guardar o que se ama é pôr em túmulo. Os Faraós sabiam muito bem disso. É como a fotografia, isto é, a tentativa de eternizar o momento - belo. A imagem (o belo) captada e refletida em fotografia (túmulo). E no tal túmulo é onde desejamos - ainda que inconscientes - o viver eternamente com as coisas e pessoas que amamos.

Imagem: Google

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A beleza da morte - parte 3 - por Sergio Martins


(...) De qualquer forma, a morte das folhas me fez entrar em contato com o alto preço da árvore; pois a presença da morte nos permite valorizar tudo o que gratuitamente recebemos da vida. Ali, aprendi que na vida, absurda e naturalmente, existe a beleza que só se pode ser emitida pela morte e que a vida e a morte são belas porque agem, inexplicavelmente, em plena comunhão – no túmulo –: lugar onde as pessoas ofertam a beleza para aquele que vai ao encontro do eterno mistério na mente humana – a morte –; e a morte dizendo que não é uma despedida eterna – as folhas voltarão a se encontrar pelo chão – pois ela, a sedutora dama da noite (morte), também está grata por receber os bouquet`s – ritual de amor em torno do caixão de quem acaba de entrar em uma nova vida.
Semelhantemente ao amigo que se impôs à ação de quem recolhia as folhas, não me contive; abracei sua loucura manifestando minha indignação e defronte ao túmulo das folhas, sentei abaixo da amendoeira e fiz meu próprio epitáfio como quem oferta por gratidão uma coroa de vívidas flores: "senti as brisas matinais das primaveras, tentei eternizar os crepúsculos outonais em telas e em escritos, descrever meu íntimo nas noites de verão e dissecar a tristeza dos invernos; e só descobri mais possibilidades de me encontrar nos caminhos que cediam ruas para eu me perder. E assim, as coisas e pessoas se voltaram para mim com um novo olhar, pois, tudo o que mudava a minha volta, voltava para mudar tudo em mim, daí, a minha visão estranha para o mundo: as doçuras e amarguras que degustei, as bebidas que provei, os sonhos que me subtraíram o sono, os desejos que me sobrevieram sem permissão alguma, meus desatinos e decepções, meus textos simplistas e repetitivos, meus desenhos tortuosos, minhas músicas defeituosas... tudo. Absolutamente tudo, me deu a certeza de que caminhei à vela dos melhores ventos...

Imagem: Google

terça-feira, 17 de maio de 2011

A beleza da morte - parte 2 - por Sergio Martins



(...) Todavia, é possível fazermos dos fúnebres momentos onde partes nossas se vão com o tempo e com as pessoas, um instante de contemplação e valorização da beleza. É possível que haja partes em nós que foram destruídas pelas pessoas e que existam partes falecidas nas pessoas que assim estão por nossa causa. Uma simples palavra mata a alma despreparada. Um singelo olhar no silêncio de um romance revive a alma adormecida por toda a vida. É na falta do essencial ao bem estar que nos sentimos adentrar ao túmulo. Túmulo é falta, necessidade, ausência. Mas também, é no túmulo que conhecemos a possibilidade de se reviver. O grão de trigo morre para fecundar, com a execução das flores se obtém o melhor perfume, no fogo intenso se produz o brilho do ouro, a beleza única dos lírios mora nos fétidos vales , dos assombrosos bosques ouvem-se os apaziguantes cânticos dos pássaros, na morte da bananeira a solidariedade se acha no broto de amor que ela deixa como herança antes de ir para sempre, na morte de um nasce a esperança de muitos, é por intermédio de uma tragédia que vemos a sociedade se unir e as entidades políticas e religiosas se manifestarem. Ao pé da árvore colhemos o seu fruto delicioso e aromático a nos ensinar que aquele que planta colhe da mesma terra, é a terra alimentando a terra porque somos pó da terra e enquanto não voltamos ao pó da terra, será através da saudade que compreenderemos a falta que fazemos a terra e vice-versa. A chuva no estio nos ensina que toda a felicidade da vida é gratuita, é no trabalho desgastante e na escuridão de um salário deprimente que acendemos a sede de nadarmos nos olhos das crianças, de comermos o pão à mesa com a família, de curtimos um bom filme comendo pipoca, de namorarmos à luz do luar, de plantarmos sorrisos e colhermos a vida grata que desponta todas as manhãs...
 
Imagem: Goole

domingo, 15 de maio de 2011

A beleza da morte (parte 1) por Sergio Martins




As folhas secas da amendoeira estavam entre os lixos esperando pelos garis quando um amigo, movido por uma súbita indignação, recolheu e colocou-as em cima da mesinha da praça formando um círculo, e no meio pôs uma garrafa plástica de refrigerante que servia como jarro para as flores brancas e as rosas-chá.
As folhas mortas surgiam como vida intensa aos olhos do moço: algumas folhas já estavam marrons, outras bem macias ainda gozando num extremo verde, mas todas se achavam gravemente encurvadas pelo toque do sol. Folhas livres, decorativas. Em excesso se achavam as folhas sequíssimas e desbotadas que o rapaz julgava prontas para serem envernizadas e inseridas em sua arte artesanal. Rapidamente, apareceu um homem com um vassourão, uma pá e uma lixeira, daí, o amigo inconformado protestou: ele não tem o direito de levá-las... flores, frutos, árvores, folhas, animais e pessoas são descartáveis para essas pessoas... precisamos amar não só o que possuímos, mas sobretudo, toda a simplicidade que enxergamos...
De imediato, achei sua atitude um tanto radical, mas quando o poder de sua sensibilidade calou todos os meus argumentos, pensei: quando o simples não nos salta aos olhos como sendo um presente exuberante, não haverá nada de grandioso que possa nos preencher. Naquele instante, olhei a lua e captei sua beleza; foi quando entendi um pouco do que o amigo sentia em relação às folhas. Devemos retirar o embaçado do nosso olhar mesmo sabendo que o tal nublado, decisivamente, estará encobrindo o brilho existencial. Contrário a isso, todo luxo vira lixo e tudo o que é lixo passa a ser nossos luxuosos valores. Folhas próximas, lu distante... A lua em sua grandeza e distância é mais vislumbrada do que os pequenos e extraordinários detalhes que estão ao nosso alcance...

Imagem: Google

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Loira por Sergio Martins


São seus olhos de querer
me enxergando na escuridão
e voam à euforia de prazer:
chuva breve de tarde, paixão.

É um voltar ao tempo de (en)cantar
os dias com aquela alegria...
Vou querer a mesma fantasia,
o mesmo espelho mágico do teu olhar.

Tenho agora teu riso de menina;
meus olhos em orvalho de amanhecer.
A flor desse desejo me ensina:
que pode ser (loira) o meu enlouquecer.
 
Imagem: Google

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Flor de Maio por Sergio Martins

[Flores+-+04.JPG]


A campesina morena de sol desce a rua de bicicleta
com a rosa presa ao cabelo e não sabe que aquieta
toda a friagem incomum desse outono e que canta,
o seu corpo veraneio, a paz silente que me encanta.

Minha Flor de Maio, vestida de manhã brilhante
e que descortina a neblina: apenas siga adiante!
E então, com fé de poeta louco por sua beleza,
de primavera me adorno nessa silente tristeza.

E eu, só menino-homem, tão só que desejo
teu jardim de perfume e teu sorriso; e vejo
nos seus olhos negros o espelho na água de mar
noturno onde deságuo a escuridão do meu olhar.

Ah, menina floral! Com sua boca rosal,
sonha meu ser de moleque pedinte,
pois em meu palco és a estrela principal.

Ah, bela dona, és senhora de mim!
Derrama teu pólen em meus lábios
que hão de cantar nosso amor; enfim.

Foto: Google

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Reiventar (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins




Quando você ligar a TV os "donos da verdade" te prometerão o paraíso, mas saiba que seu inferno é só você mesmo quem pode desconstruir de sua mente.
Nas propagandas enganosas, os "senhores do poder" pedirão seu voto, no entanto, não esqueça que eles querem que sigamos a moda, que venhamos consumir o que nos consumirá, que nos tornemos moeda de troca em seus esquemas maquiavélicos, que sejamos pássaros em suas gaiolas; pois eles criam a doença para vender a cura. Portanto, não seja mais um rascunho, saiba quando "é proibido proibir". Mas caso se perca - fora de todo esse sistema atroz -, orgulhe-se, sorria feliz por ter escolhido ser quem você é e por jamais ter perdido a força de se reiventar.

Foto: Google

sábado, 7 de maio de 2011

A pílula da felicidade (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins





Após tanto tempo no "caminho das pedras", você descobrirá que cada um tem sua própria pílula da felicidade, pois cada pessoa é um universo particular - ninguém é igual a ninguém - daí, o problema de haver uma só receita para curar os males do todo.
Depois de muita espera e tanta busca por fugir de quem se é, você entenderá que o desejo pelo poder foi vaidade enfadonha, o medo de não arriscar foi perda de tempo, a culpa só retardou a cura e a razão pela razão apenas deslocou toda a felicidade que se viveria caso se ouvisse mais a voz do coração.
Depois da "experiência quase morte" sempre se aprende que o mergulhar profundamente na arte de amar é o único divisor de águas na existência humana.

Imagem: Google

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Mundos desiguais (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins

Num mundo desigual, as mudanças climáticas irão aumentar ainda mais as desigualdades


Os rios continuarão secando, os mares poluídos invadindo cidades e a terra há de vomitar os maltratos da humanidade. Uns chamarão isto de fenômeno da natureza, outros de tragédia e alguns de apocalipse.
Quem sabe não seja um ciclo, o êxodo pós-moderno para a nova terra e o novo céu ou o novo gênesis que a religião esqueceu de pensar?
Mas num cantinho deste agreste abandonado pelos deuses do poder, uma família pobre em seu casebre não há de se queixar desses acontecimentos. O pai trará os cereais no cesto, os filhos a lenha, as filhas as frutas e os legumes, a mãe porá na mesa sua arte e seu amor antes que todos, em sacra comunhão e alegria, rezem gratos ao Senhor do Bonfim.
E lá fora, a despeito de toda desgraça e de tanta ganância, veem-se as copas amarelas do Ipê que volitam à musica primaveril; e ao seu pé, um imenso e redondo tapete dourado. São mundos que se recriam e riem da maldade alheia, flores lançadas sobre o túmulo, folhas que sempre voltam a se encontrar pelo chão, ignorando todo desdém a que são subjugadas.


Imagem: Google

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Por esse olhar (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins




A escuridão cobrirá o azul das montanhas enquanto alguém terá a luz da vela. A calada madrugada será os acordes da nova canção - aquela em que o romance para com a vida não morrerá. Sempre que o sol despontar e voarmos os olhos para sua alegria, nos lembraremos de toda penúria de hospital, das perdas significativas, da experiência-quase-morte, das coisas que poderiam... das pessoas que não souberam...
Por esse olhar, o crepúsculo vespertino será metáfora reticente: a volta cotidiana da saudade de ser aquele ser... a graça de fazer da arte um caminho para o mar... então, iremos crer que até mesmo aquela chuva lavou-nos dos absurdos agouros. E até no pico da montanha encoberto pela nevasca, haverá o prazer de contemplar as pequenas luzes que a noite acenderá: a apreciação da beleza mata o medo de altura. Com este modo de pensar a vida, só voltaremos para nós mesmos e nunca ao fútil existencial.

Imagem: Google

terça-feira, 3 de maio de 2011

Estrela da Tarde (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins



Óh, frágil luz de rosto jovem,
tão cansado é o íntimo que te ilumina!
Óh ágil vidraça do firmamento de ontem,
quão permanente é a beleza desta velha menina!

E o velejar de tempo é nuvem passageira,
o furor e os anseios de "porquês" são poeira,
tristeza mesmo é o olhar que se colore mas não vê
que a (fugidia) alegria crepuscular vem de você.

E o silêncio é rio que não acalma
quando vem refletir a dor da alma.

Deslizando nesse céu de verão, não há do que se lastimar,
pois a magia da Estrela da Tarde foi feita só pra nos musicar.

Imagem: Google

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Outros sabores (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins





Poderá ser de súbito mesmo sua percepção do mal já extinto há bastante tempo, pois sua atenção ao luto te impossibilitou tal esclarecimento.
Quando a dor partir, a ausência se transformar na sede pelo autoencontro e a saudade traduzir-se num desejo de florir junto com a primavera - ainda que entendas ser tarde demais e insensato o murchar junto às rosas de outono -, até mesmo o mar tempestuoso será outro olhar: sem o embaço que o desbotou. Daí, sua casa se proverá de novas fotos no porta-retrato, sua mente quererá somar novos conceitos, entenderás como vaidade dolorosa todo o afã por entender a vida e o além-vida... 
Ao tempo que seu corpo, irrefreavelmente, abrir-se-á em apetites de outros sabores.

Imagem: Google

domingo, 1 de maio de 2011

Fim da linha (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins




Sempre vale a pena o arriscar
só pelos momentos de amar.
Já não me importo em ver o mundo girar
se o fim da linha for sempre este nosso lugar.
Não sabendo do ponto final embeveci-me na tristeza,
até entender que sem amor a vida é incerteza.
"Passar mal", doer corpo e alma, adoentar...
tudo é nada, pois teu amor - até na emergência - vai me curar.
Hoje sei que foi bom o absurdo de me machucar,
para que eu jamais perdesse a alegria de brincar.

Imagem: Google

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Luz do amanhã (10 dias que fiquei internado no hospital) - por Sergio Martins



A noite:
murmúrios inconfessos, gemidos de pavor, estridentes protestos, histeria coletiva: medo de um agrave maior.
A dor anula a voz. O silêncio dispara pela correnteza das horas e deságua nos badalos calmos e espaçados no pêndulo do coração.
À transparência dessa fúnebre melodia, nunca sabemos se é do corpo ou das emoções a impressão mais acúlea. E é nesse entardecer em que a noite álgida nos espreita, que sentimos o que é ausência. "Solidão é estar unicamente em companhia de si mesmo."

O amanhecer:
o dia nos acorda. Os olhos se abrem e se percebe a paz, o alívio, um sorriso prestes a florir suspenso no cinzento nublado ou seria a beleza do Grande Mistério? Realmente, é um vagar de nuvem toda nossa crença sobre as coisas de além-mar...
O pensamento gira ao passo que nada mais de fora do corpo se ouve. Até que a lâmpada frígida e tremulante no alto do teto desabrocha qual flor da noite. É quando estamos outra vez sem endereço na via desconhecida, abrigados somente pela enigmática Luz do amanhã.

Foto: Google

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Quando tudo se perde, sempre nos encontramos por Sergio Martins



Quando ele pegou o molho de chaves das mãos da moça, ela já tinha ciência de qual porta o seu homem abriria e, ele, na hora do café, sabia sempre que ela apresentaria alguma novidade. Ele gostava de suas trufas, de sua arrumação imposta à sua bagunça, do cuidado e de tamanha gentileza da moça. Já não se importando mais com seus impulsos agressivos, a moça esperava o momento das canções ao telefone, das caretas ao longo do dia, das esquisitices, dos seus sorrisos que o rapaz possivelmente arrancaria com tamanhas palhaçadas.
Até que a vida com suas permanências e provisoriedades, por fim, lançou-lhes tal veredito: a menina permaneceu ilesa como rocha ao violento ataque das ondas por meio de toda sua divina sensibilidade; o moço, provisório e fugidio como areia esvoaçante de mar que não há como segurar, flutuou ao som de suas ondas poéticas deixando para sua mulher aquilo que ela mesma jamais saberia, mas que também havia depositado nele: fragmentos estranhos e belos – saudade e carinho.

Foto: Google

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eu quero por Sergio Martins




Eu quero um milhão pra me matar,
uma razão pra me destrilhar,
outro motivo pra me reabilitar,
uma realidade bela para parar
de desejar a fantasia e vegetar,
uma religião para me auto-afirmar,
um entretenimento para me alienar,
uma verdade absoluta pra me identificar,
uma boa ação para me auto-justificar,
um cabresto para me controlar.

Eu quero desligar a TV e me estudar,
frear a NET, deixar de entender e desfrutar,
transar com o amor, gozar com a felicidade,
namorar o dia de hoje e conhecer a futilidade.

Eu quero querer e ainda mais efetuar,
largar esse tal de autoajuda e me libertar,
fazer um poema, uma arte que me faça respirar,
uma canção ou um livro que possa me ajuizar.

Eu quero entrar na moda, na febre do momento,
numa coqueluche que me dê estilo e entusiasmo,
num arrebatamento, numa paixão sem encerramento,
num quebra-cabeça, um susto que me deixe pasmo.

Eu quero não ter que virar o rosto pra não encarar,
deixar os psicotrópicos e de mim mesmo me emancipar,
mas já está muito tarde e não quero me atrasar,
vou deixar tudo isso pra amanhã, pois quero descansar,
vou exagerar mais um pouco e depois dormir pra sonhar.


Foto: Google

terça-feira, 26 de abril de 2011

Soneto à pintura íntima por Sergio Martins



A face casta e grácil da roseta atraiu-me a seguir
a linha desnuda de sua malévola tortuosidade;
cobriu-me em calda de deleite e escuridade
onde me embrenhei num matagal- eterno partir!

De todas as pétalas, a textura delirante, macia e sutil
apossei os dedos segmentados de um novo valor;
é pequeníssima, madura e real a tez desse labor
que devoro qual ambição egoísta - amores de Abril!

Irrigados ao vinho branco, os lábios róseos e suaves me fizeram aguar.
Melado de gozo, as lágrimas do seu prazer beijaram-me em dança
minorando-me ao desgosto profundo onde à vida me pos a sedentar.

Soltei-me feito músico infeliz anoitecendo ao perfume da brisa oceânica,
preso, qual imenso vácuo a vagar nesse obscuro espaço existencial e
desprezei-me o ser à praga de roséola - juventude em miséria vulcânica!

Foto: Google

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Chuva - por Sergio Martins

                                         Resultado de imagem para chuva
Ela sempre vem...
Canto intra-uterino,calmaria que silencia guerra,marulho a ninar toda bruta existência, alegria de camponês,pão que chega à mesa em suas carinhosas mãos. 
Ela sempre vem...
Aquietando a euforia sem reflexão,organizando as emoções dos sensíveis,unindo a solidão dos enamorados,eterna menina brincando livre pelas ruas,dançando, destruindo e construindo como toda intensa paixão;nos lembrando da vida que só brota na aridez.
Ela sempre vem...
Ainda que prevista, sempre mostra-se imprevisível no espanto que causa.Pinga-pinga por toda a noite, insistindo em prosar,e eu atendo ao seu convite: é ela, a bela dama prateada e cristalina! Aos gritos e feliz, derramando seus acordes pelo chão –harmônica que simula os passos da mulher sonhada – que pode vir a ser.



Imagem: Google

domingo, 24 de abril de 2011

Soneto de amor pascoal - por Sergio Martins



Em prol dos prazeres de cana, açúcar, ouro e vinho,
a Terra-mãe sofreu as tragédias gregas sem fim;
mas antes de ser das borboletas o seu jardim,
 viajara no afã deste  Alentejo em que me aninho.

Voa longe a agridoce voz lusitana, atravessa o Atlântico e me afaga:
de nossa lágrima negra - temores, o diamante dos senhores;
virá, da amarga infância, sua paixão de sexta-feira - amores:
no sábado, em seu afã pelo Brasil, não mas terei o susto de sua chegada.

A distância que nos une é a extensão de minha alma:
Guanabara em beleza triste que canta e desatina -
desejo absurdo, miragem de menino que me acalma.

Derramado à vermelhidão, o céu festivo que mendigo,
amanhecerá no olhar de mãe Maria: alegria de filho

que volta ao seu lar – minha ressurreição de domingo!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Era um belo dia de Páscoa por Sergio Martins





Era um belo dia de Páscoa:
lembro do campinho de areia onde eu corria atrás da bola com a galera, as borboletas fugiam das meninas e os brinquedos pareciam seduzir os mais velhos a copularem com toda aquela alegria - de "voltar a ser". Eufóricos, os "de família" carregavam malas e mochilas bem cheias, os outros meninos rumavam à praia, lotavam os ônibus e voltavam bem tarde para suas casa.

Era um belo dia de Páscoa:
ouvia-se da cozinha, enquanto a canjica e o peixe seriam preparados, belas canções de um pequeno rádio de pilha, e da janela, uma rosa insistindo perfumar o jardim do quintal.

Era um belo dia de Páscoa:
a casa abandonada - aos carinhos de um tempo que se foi...  O crepitar da agulha de vitrola e a suavidade de violino e piano acalmavam. O sol fraco de outono aquecia, tínhamos a tarde e a noite para brincar e tudo parecia elevar o ser à certeza de que o dia só pode se fazer belo lá fora enquanto se puder fazer novos arranjos para esquecidas e eternas músicas no interior da casa abandonada.

Era um belo dia de Páscoa:
a família reunida, o peixe posto à mesa, o vinho, o chocolate, o partir do pão e toda a Graça no mesmo vilarejo simples, davam-nos a certeza que o amanhã seria a mesma afirmativa: um belo dia de Páscoa. 

Imagem: Google

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Amores de Abril por Sergio Martins






A velha guitarra dorme empoeirada
e sem cordas, me acorda pra balada
de uma saudade do movimento “paz e amor”
em que éramos criança no jardim em flor.

As botas gastas de acampamentos e estradas,
datilográficas, muitas fitas e fotos amareladas...
Tudo “Zen” e mais cigarro antes e depois do prazer;
Che Guevara, Beatles e Woodstock pra acabar com o azedo de viver.

Vai, não demore mais, recita um poema e pega o violão,
até jurei, voltar a ter barba, calça Lee e aquele cabelão.
Que tal uma “tatoo”, um som do Cazuza, outra pintura na tela
ou o sofá mesmo? Onde estávamos que não vimos o final feliz da nossa novela?

Vou buscar a boemia de Bossa, o carnaval de Noel e Cartola,
as fitas perdidas, o "preto e branco" sem caretice, o jogo de bola,
o bloco de Copa, o chocolate, o teatro, o circo, a paixão nacional,
a cerveja, o vinho e o uísque; pois nostalgia sem folia é arte-funeral.

Bem sabemos que na época que o Rock era jovem
o mundo deixou de ser bege e que agora somem
até mesmo dos nossos sonhos os amores de Abril;
mas ainda podemos reinventar os prazeres de vinil.

Imagem: google

terça-feira, 19 de abril de 2011

Do prazer de escrever por Sergio Martins


 

 
Que saudade... estava louco para publicar minhas travessuras!
Escrever é um encontro com minha infância. Livre do afã pelo intelectualismo, deslizo nesta superficialidade; pois, minha arte é rabiscar o simples, acompanhar a extraordinária dança das letras. Quando isto acontece, chamo de arte final meu rascunho imaturo e desengonçado que fere até mesmo as mais básicas regras gramaticais e a ordem da linguagem factual; daí, sinto acontecer o milagre: volto no tempo a brincar com o alfabeto colorido espalhado pelo chão da sala ou na cozinha a comer sopa de letrinha.

 Obrigado a todos os meus amigos leitores; amo vocês!
 
Foto: meu acervo

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A parte que falta em mim por sergio Martins

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A parte que falta em mim
é o rancor pelo que se perdeu,
a solidão advinda de sua companhia,
a beleza triste de sua poesia,
a segurança falha de teu cais,
a dor de não ter o poder,
o medo do medo,
a certeza da morte lenta nos seus lábios,
o horizonte veraneio que se distanciava em teus olhos;
o drama de não ser mais a estrela principal...

A parte que falta em mim
era a falta da melhor parte:
um menino abandonado – em seus braços.

A parte que falta em mim
era tudo o que queria ter
e que agora sei que jamais desejarei,
era o tempo que eu sonhava mas que nunca vinha,
então, antecipei-me a ele e vim, vi e vivi.

A parte que falta em mim
já não é minha parte,
é quem desconheço;
é nada mais que um pretérito imperfeito –
que não se desprende do perpétuo presente.

Foto: Google
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