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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Aquele velho relógio - por Sergio Martins

Relógio antigo




De longe, um pescador reconhece outro pescador:
espelho de mar lírico que entardece,
árvore que seca no Jardim Novo e belo...
Vi um pardal sozinho na chuva e esqueci-me do tempo,
a noite dormiu comigo enquanto eu te chamava
mas aquele velho relógio lembrou e chamou-me...
Seu olhar me convidou: bebamos do licor que nos desedenta
e que não mata nossa sede – de embriaguez!
Passou a chuva duradoura da tarde fria e pela manhã, via-se
o chão barrento e pedregoso nos guiando outra vez à praia...
O sol convidativo se punha arremessando novas cores
para os amantes degustarem dos velhos olhares; no entanto,
o barco de pescador não aportou, as gaivotas voltaram e
aquele velho relógio lembrou e chamou-me...

domingo, 23 de outubro de 2011

A floresta sombria - por Sergio Martins





Já fiz que nem sei o mais improvável
e todo menos dessa vez foi notável...
Vai verde... Segue a trilha - pra amar.
Tenho só pra mim esta vida - de achar...
Compreendo que é difícil para vocês
entender o meu mundo de "porquês",
de reticências, de questionamentos,
de razões absurdas e sentimentos,
mas já desisti do muito, de toda esta multidão,
aspiro a alma significativa em meio à desolação:
eu e você, amor filosófico sem dó,
poesia simples, infância solta e só.
Quero a caverna de Platão, a arte antropofágica,
o ultra-romantismo, a noite livre da vida apática,
a floresta sombria das ideias, o ser-si-mesmo como norte,
o excesso que me contenha, a historicidade em bela morte...
Sinta então comigo a canção de além mar,
sempre que quiser poderás me degustar
no par de romã, no hedonismo, nesse lar de afã
onde a graça toda é não pretender - o amanhã.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Teteu e Romão por Sergio Martins





Era uma vez dois molecotes: Teteu e Romão.
Romão, o mais velho. Teteu seu único irmão.
Romão tinha força, todavia, baixinho.Quase anão.
O outro parecia um bambu de tão magrelo e grandalhão.
O pequeno, muito sério, respeitado, chato e brigalhão.
O mais novo mostrava os dentes de bobo e brincalhão.
O perna de pau no futebol sempre foi o gigantão.
O pigmeu só sabia de game, computador e televisão.
Teteu, o melhor no basquete, nunca usou escadas
e vivia nas nuvens entre pincéis e canções.
Romão, o duende zangado que detestava fadas,
gostava de ser brabo e de xingar palavrões.
O caçula parecia um poste, amava flores e navegação.
O cabra-macho não engolia desaforo, dava coice e safanão.
Os meninos apelidaram o tampinha de cavalão.
As meninas chamavam Teteu de grande "T". Era o Tezão.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

poeminha pra começo de festa - por Sergio Martins

 





Eu errei, admito. Ela brigou,
me arrependi, ela perdoou.
Foi um tempão sem falar comigo,
mas hoje me chama até de amigo.
Diz que gosta do meu ritmo acelerado e meu futebol detesta;
estou amando, ensaiando um poeminha pra começo de festa.
É de pura fantasia, é de elouquecer,
de voltar ao tempo mágico e reviver.
É de pura molecagem, de prazer gastronômico,
de alegrias rurais, de amor puro e astronômico.
Há belas fotos, fitas cassete, maravilhosas paisagens,
passeio de bicicleta, Belle Époque, novas tatuagens...
Ela é Chanel, expressionismo e vanguardista,
eu sou sua moda, sua onda, seu louco artista,
seu arco-íris, seus muitos flash's disparados,
seu banho de chuva, seus céus estrelados...
Ela me torna um bom menino sem dias iguais,
viajando livre, inspirado, feliz e longe demais.
Faz muita pose: "outdoor vintage new look";
farei dela "my best style, single and book".
Mostrou-me um vídeo engraçado (ela é boa atriz),
vimos o clássico em preto e branco com final feliz,
canta à toa, conta piada, eu ri de chorar.
Isso vai dar jazz. Eu acelero, vou dançar.
Ela "não tá nem aí", é muito doidinha,
disse que vai embarcar na modinha.
Tirei a poeira da máquina de escrever,
já fiz planos para quando o verão nascer,
ela fez caras e bocas, deu outra gargalhada, 
comí pipoca na pracinha, fiz muita palhaçada,
faz silêncio pra ouvir o sino da igreja tocar,
bebeu muita cerveja e começou a chorar,
ligou a vitrola, voou Rock de vinil, fumou meus cigarros,
deu-me a flor rosa de seu ipê, bombons, insanos atalhos...
À noite, ela é o outro lado do disco,
eu vou no som, me divirto, me arrisco
e no mar citrino de seus olhos mergulho o antigo inverno
porque sua arte em mim é um lirismo eufórico e eterno.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Volta ao lar - por Sergio Martins






Não serás a sombra dos meus passos, o eco na montanha ou o luzeiro entre mil faróis.
Serás a estrela primeira clareando junto ao dia, o colo macio após o cansaço, a sempre presente completude de meu ser, o riso após o drama, a limpidez de mar espelhando o divino celeste que desponta em meio ao caos.
Eu serei nada além que eu mesmo - a tua certeza de que a viagem valeu a pena, simplesmente, porque em sua volta ao lar, estarei lhe esperando. E assim, toda a saudade há de enobrecer o momento do reencontro, desconheceremos a ausência, o adeus será um esquecido ensinamento e a solidão, apenas um outro falar.

* Este texto é meu presente aos meus amigos recém casados Leandro Pontes e Viviane Miranda
Foto: Leandro Pontes/ lendonaspontes.blogspot.com

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Prosa de volta - ao lar - por Sergio Martins

                                        


Conheci todas as horas da noite e como um temporal, sua voz desarrumou minha quietude melancólica. Ao passo que girava o mundo, embriaguei-me contigo, não víamos céu limitado e sorvemos toda a juventude desses campos. A euforia procedente do desespero escondido em nosso riso e o medo passaram, quando no meio da perplexidade, ouvi a calmaria melodiar minhas desordenadas estranhezas...
Até que Agosto partiu. Recuperei velhas artes. Senti saudade do lar que construí para ser meu altar. Tenho agora toda a beleza alegre que cultivei no tempo do estio: novos arranjos para as antigas e eternas canções.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Para não esquecer - por Sergio Martins

 


Eu não te conheço, você não me conhece. 
Namoramos em solidão...


Nos sonhos, ouvimos a voz de quem amamos como ondas de mar calmo que tenta quebrar a rochosa espera... Todos os dias provamos o ferido e doloroso afeto que deseja coabitar, o entardecer tristonho, o silêncio pelo qual reverenciamos o Grande Mistério, o amor tranquilo, livre de mágoas e lavado em perdão. Nossos mundos, embora desiguais, são um só olhar (para o lirismo), livre de rancor, de (in) segurança, de temor, de (in) certeza... 
Temos esta paixão lancinante que colore o presente, a euforia e o encanto que eternizam momentos... 

Escrevi no caderno de poemas para não esquecer: 
antes de vê-la eu já me encontrava em teus olhos;
antes que visse meu rosto você já me possuía...

Eu não te conheço, você não me conhece. 
Namoramos em solidão.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

O caderno de poemas - por Sergio Martins


[livro_ao_mar.jpg]
No entardecer há metáforas e páginas abertas junto ao mar.
Do  litoral à serra o por do sol dourava de alegria
e sentia-se não ser tarde para confiar na longínqua viagem.
Na sombra da noite a lua brilhava magia na face da menina,
o menino lia o caderno de poemas e a névoa o inebriava.
Mas seu olhar para o nublado já era um novo olhar para si
mesmo: olhos embrumados daquele estranho encanto poético.


Imagem: Google

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A montanha por Sergio Martins



A luz mortiça da vela tremulou
na mesa vazia de jantar
como passos errantes na madrugada
que vigiam e aguardam a lua –
guarda-noturno sozinho na mesa de bar
observando os jovens foliões que ao menos o enxerga.

A brisa soprou nas folhas amareladas
e vi que no velho livro tem poeira e dor
enquanto os rostos são felizes nas fotos.
É que ontem, até a beleza das catedrais era fúnebre.

Há uma verdade: depois da má sorte climática
veja quão estranhos se mostram os sinos
cantando versos do além
à sexta hora das tardes de Agosto.

Nos dias em que namoros morrem
parece fazer muito frio e chover, mas estamos aqui,
no dia seguinte: um novo olhar nos surpreendendo...
pois, somos mora em todos esse jardim novo e ensolarado
- feito um amor prestes a nos renascer ...

Os mares azuis permanecem
ao passo que morrem os homens e seus degrados.
Estando só, o Sabiá, que mal há?
E caindo mais uma árvore na floresta, não fará falta?

"Os corações e suas juras sempre se partem,
contudo, as luas e os altares não mentem
antes que nossas almas se fartem."

Mergulharei no prazer e serei o desenho colorido que fiz:
submergido pelo mar tempestuoso e lírico.
E a montanha estará sempre no mesmo lugar,
lá onde a trilha tem ar puro e as borboletas dançam
norteadas pela música romântica 
do ventre materno de Gaia.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Mar de Agosto por Sergio Martins




Estou doente de sentir frio e de ver beleza,
de colher Crisântemos e de plantar tristeza:
sofro os males de Agosto,
vício de beber etílico mosto,
sintoma de contra-gosto,
alergia ao racional gosto,
febre alucinógena por excesso de gosto,
lesão por esforço repetitivo de anti-gosto,
falência múltipla dos órgãos de "bom" gosto,
distúrbio visceral incapaz de desgostar,
ânsia crescente de tudo agostosar,
melancolia agostocêntrico-bucólica,
pânico agudo da vida agosto-simbólica,
comportamento agosto-compulsivo,
surto autoagostino,
lirismo agosto-progressivo,
acidente agostino-traumático,
aspiração agosto-almático...

E nesse amargoso mar de Agosto,
a gosto da paixão fez-se o meu esgoto
onde vou me agostando de desgosto;
no trágico agouro que põe sal a gosto.

Imagem: Google

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Autorretratos e anéis por Sergio Martins






Foi manhã teu andar no alvo da noite
e eu, prazenteiro, li na areia de tuas pegadas
o choro vencido no tempo das luas amadas
à nossa aragem feito amor sem açoite.

Foi noite teu olhar calmo de amanhã
e em desespero vi que tudo era fumaça,
fogo extinto que já deu vida de graça
à nossa viagem feito prazeres de maçã.

De Agosto foi teu corpo pálido em arrepio,
foi de boa chuva todo o teu breve gozar,
de verdade foi tua paixão e teu abandonar;
foi infeliz a outra rua de teu olhar tardio?

Mas há tantas madrugadas gris
retratadas nesse rosto e em papéis,
e há tantos créditos e débitos que fiz
de tarde em tarde autorretratos e anéis.

Do teu olhar não me surpreende a morte
e se vou em fragmentos até meu último fim,
é porque já não sofro demais; pois é só assim
que sorve as gotas de vida e sonhos o meu norte.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Soneto para menina - Por Sergio Martins





"Nunca mais" é muito tempo. É tempo nenhum.
Aprendi a me contradizer, restaurar o sorriso,
esperar só o que me espera; de modo algum,
deitar-me à sombra do avesso em que piso.

A mesma lua que vi em seu quarto minguante,
hoje é cheia, grávida de alegria: farol divino
sobre a escuridão do mar. E já é distante
todo acorde, dedilhar e solfejo em desafino.

Até de relâmpagos e raios saem cifras de luz e calor,
a vida é partitura que se lê para o prazer da alma,
e no negro violão não se toca mais dissonante amor.

Quando eu sentir que é tarde não vou me esquecer
de namorar (essa poesia), e tudo será belo e calma:
Vitória-régia cujas flores são reveladas ao anoitecer.


terça-feira, 19 de julho de 2011

Dê-me - por Sergio Martins





Dê-me teus maltratos e tua hipocrisia; te ofertarei as flores que plantei para ti.
A aridez vai esculpir em teu coração a necessidade de minha água fresca e o frio te lembrará do meu colo macio.
O rancor vai suprimir tua juventude ao passo que você quererá a beleza e a força daqueles poemas.
Dê-me toda a culpa, tuas mágoas e medos, lance sobre mim sua rebeldia, pois só eu conheço a verdade de teus olhos.
Apanharei todo seu desafeto e servirei como adubo aos campos florais, à terra de nossa infância  onde dançamos ao sol: lar onde nós, amantes, dormiremos juntos e em paz para sempre.

Imagem: Google

terça-feira, 12 de julho de 2011

Inverno em escuridão - por Sergio Martins


Antes de amanhecer, a neblina encobre o bosque, a algazarra de espíritos sombrios harmoniza o labirinto de árvores acima do pântano, e assim adentramos o tenebroso caminho, pois o desejo que nos une é de fugir da simplória vida humana.

O inverno na escuridão da madrugada é liberdade, a paz é tão viva no cemitério das ilusões, e eu me apaixono todos os dias pelo mesmo cadavérico amor– quão belas são as luas cheias em teus olhos, amada morte minha!

Enquanto os vivos dormem, fugindo de suas feiuras existenciais, o frio nos acaricia, a fuga já não tem razão, e desejamos a mesma fogueira: nossa arte brilha mais que a dor, pois matamos o que nos matava para eternizarmos nosso amor.

Agora, toda a nossa festa no mundo dos mortos de tanto amar, é como um sorriso (sarcástico de Deus) diante das loucuras da desumana Terra.  



Imagem: Google

terça-feira, 5 de julho de 2011

Bossa - por Sergio Martins

                                                                                                                                                                   


De grãos crepusculares foram os beijos, o desejo que flutuava sobre a passageira estação, 
a fogueira branda enfumaçando o pacto de amor...

O mundo festivo se tornou neste belo corpo falecido, abraçado à insensatez das horas, mergulhando o véu e a grinalda na lembrança romântica: a brisa matinal se levanta enquanto a moça se deita sobre a areia da praia, observando a maquiagem desfeita no espelho d'agua, que clareia e reflete o céu nuvioso e calmo – que se tornou o seu embaçado rosto.

Velado pela lua minguante, o buquê de rosas casamenteiras se enterra na areia qual crisântemo– vida suprimida no túmulo. Silente, a noiva abandonada guarda sua aliança nas ondas, degusta o nobre champagne, desenha um coração na maciez úmida que se desfaz na amarga espuma, rega seu vestido ouro branco com flores chuva de prata; mas nada procura, nem mesmo quer se encontrar, apenas se entrega à força da natureza.

Defronte ao mar, que canta a eterna bossa de sua melancolia, todos os dias as ondas entoam a mesma marcha fúnebre, afogando os sonhos, lançando à areia as lembranças felizes, levando o espírito que insiste em se apegar ao corpo funesto corpo. 




quinta-feira, 30 de junho de 2011

Ária do corpo etílico - parte 3/ final - por Sergio Martins





O domingo se encorpa e ela apenas passa; tornando vulgar e sem graça tudo o que vem após si. Já na cama, onde a leveza de sua tez pálida ainda guarda alguns traços de maquiagem e seu corpo inteiro parece ser ainda mais flamejante sem a aragem crepuscular, ela há de sonhar antes do sono e deixará cair as palpebras à meia-luz do quarto, crendo que sua manhã é um olhar forasteiro. Seu amanhecer é a noite em que a flor da juventude desabrocha e apaixona-se outra vez para morrer definitivamente nos braços da infinita e sombria vida. Apossada de sono e de vinho, traga o fumo, abraça o travesseiro e sorri aquele risinho de menina que acaba de conquistar um presente inusitado; pois, embora satisfeita, sabe que há muitas auroras à espera de sua luz.

Imagem: Google

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ária do corpo etílico - parte 2 - por Sergio Martins

Agradecida, a matutina realeza se curva bailando a luz mortiça de seus cabelos dourados acima do suburbano e vil tapete - em que a moça embriagada vai trilhar. É assim que ambas se comprazem, uma dedilhando à outra numa sintonia de instrumento e acordes e dançam, ziguezagueando suas canções que se entrelaçam em dores e gozos de um só e imenso amor.
Como é frágil, tocante e cálido o corpo magro de alva manhã, que desperta o sol profano no íntimo dos olhos que a espreita desviar-se o rosto num quase adeus de madrugada à festiva de mais uma alvorada!

Imagem: Google

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Ária do corpo etílico - parte 1 - por Sergio Martins





Ainda é noite se ausentando do ocidente quando surge a dama da noite exalando o brio hedonista pelas ruas quietas e tristes desse fim. São vacilantes e mui não firmados seus pés macios e pequenos que à aurora desse gueto vem despir. Tão logo, abrem-se os botões de um Jardim Novo* - feito sorriso após a delongada espera. É aí que os ares todos dessa feiura de cidadezinha se enobrecem com sua aparição de estrela principal num simples amanhecer. E acorda esse ínfimo Realengo*  para se dessedentar no doce bordô de seu corpo etílico...


* Jardim Novo é o nome do sub-bairro de Realengo (zona oeste carioca) onde moro.

Imagem: Google

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Demora - por Sergio Martins



A lua imensa e próxima também é frívola sob este mármore negro, iluminando o tempo em que sua boca se pintava ao meu beijo. O fugidio sol de inverno entre nós, qual flor de vida breve, é navio que, mesmo indo ao encontro de quem o espera ansiosamente, jamais chegará.

Aguda e gélida, a brisa estremece o corpo e remete à alma todas as cartas e amores desejados que não chegaram aos seus destinos. O crepúsculo delongado dorme aos braços da noite, desdenhando a crueldade humana: o velho que acende o cachimbo, e com seu olhar vespertino, da calçada, vê a beleza que passa alegre na rua, ignorando toda a antipoética existencial.

Feito acordes de violino anunciando a chegada do mundo sonhado, dançam os galhos secos e os guarda-chuvas à sinfonia fúnebre da chuva tranquila e duradoura, abraçam-se os convidados do velório, e o sepultamento encerra as pretéritas lástimas: o antigo mundo inexiste, tudo é melancolia de inverno, a beleza triste do nosso túmulo, a eternidade em lírico descanso.


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Verve - por Sergio Martins





As estrelas parecem mais próximas
e talvez, não tenhamos neve neste ano.
São vidas que se enlaçam após a guerra,
amor que se encontra na velhice,
o antigo piano entoa sua mais bela
canção... E tudo é como você me disse:
"dê-me a chance de fazer o melhor possível".
Delícias da culinária, prazeres de jardins,
paisagens maravilhosas, artes paradísiacas...
E tudo é como você me disse:
"dê-me a chance de fazer o melhor possível". 
Esse é o grito que salta da alma do poeta.

Imagens: http://simplesmenteelegante.com/

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Tempo-espaço por Sergio Martins


Este céu imóvel e fechado move-me estranhamente: fico paralizado. Trancado; qual ostra presa aos rochedos. No céu está minha fotografia revelada: embrulho sofisticado, tempo bem-humorado ocultando tempestade. Nuvens pesadas segredam cargas elétricas - olhos pessimistas escondendo lágrimas... O vento muda e leva o mal-humor do clima. A terra sentiu sede, mas permaneceu enlacrada no tempo-espaço: a ânsia aumenta as horas, o tédio encurta o mundo - pensamentos imprevisíveis adiando a sorte... A chuva tardia regou a campina, grânulos prateados ecoam pelo ar, lampejos no rosto que vejo no retrato, ideias germinam em velocidade improvável - bica que derrama  amores, canal onde deságuo meus reclames... No espelho líquido desse chão barrento que vai se ondeando  ao sopro da brisa, vi o firmamento parcialmente azul: bebê recém-nascido sobre o berço de nuvens alvas e acesas. Meu rosto clareado no tempo renovado desse espaço composto pelos fragmentos de escuridão e de beleza - é meu campo nutrido, sensação de dever-prazer cumprido, partida e chegada; leveza e alegria de um raro sentir.

Imagem: Google

domingo, 12 de junho de 2011

Soneto ao dia dos namorados por Sergio Martins


Desse junho, jamais serão tardios os floreios,
após as sinfonias inoportunas ou à lentidão
das horas e lágrimas (finalmente secarão)
pela manhã doce que bebo em vossos seios.
Sem essa dor do desfolhamento outonal dos namoros
(destingindo e arrebatando florais
no tempo-espaço em que amais),
não restarão, da poesia, só efêmeros e tristes choros?
Por que vós, em seus caminhos não mais floris?
Colheis, pois, da floração de nosso outono,
a flor única, que perfuma o amor do qual partis.
Despetalando e entorpecida, venhas, meu divino provento!
Porque a vós oferto este ramalhete para o meu bom sono:
do corpo quente, apanhar-te-vos-ei a flor do meu sustento.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Frutos do outono por Sergio Martins





Os Ipês estão desfolhados no coração desse meu Jardim Novo*,
sem as flores, os sabores e os perfumes dos antigos amores
as tardes de sábado são gris, aos domingos são vazias as noites.
No frio, nas chuvas, nas ruas... tudo é só beleza triste de um povo
que carrego comigo: seus mundos, suas ilusões, suas dores;
pois sou esse chão – capim outonando, amargura dos seus licores.
Os livros, o café, as fotos e toda a falta até o fim da taça eu sorvo,
sinto o tapete de folhas nos pés desse réu do amor aos tambores
de tuas canções e, em vão arrisco fugir dessa poética de açoites.
Mas as flores voltarão a se encontrar pelo chão,
o céu em luar há de revelar e tragar a escuridão
e, talvez repenses aqueles sonhos antes do sono:
bons filmes, nossas artes, nossos frutos do outono.

* Jardim Novo é o nome do bairro onde moro

Foto: Google

terça-feira, 7 de junho de 2011

Broto de bananeira - parte 4/ final - por Sergio Martins


Enquanto criava o belo jardim em meio à aridez e a poluição desse solo, passei muitas vezes pela esquina do medo. Após o medo, o sabor da conquista. Agora, nos deleites do jardim, deixo meu broto de esperança na terra estéril: vença o trauma que te impede de arriscar, a ideia de inferioridade que obstrui os sonhos, as preocupações demasiadas que sufocam a paz, a preguiça de não fazer um caminho extraordinário para ser trilhado, a timidez em revelar seu eu-interior, a culpa que só atrasa a paz, o medo de desabrochar para o amor... A partir de hoje, sua tarefa é apenas cultivar um clima favorável para o crescimento do broto sem se importar com a ameaça das pragas. Saiba que vencer pode significar morrer por causa da aventura de um viver intenso que tudo arrisca, mas não se ganha um troféu sem se colocar à disposição dos perigos; portanto, ser vitorioso é primeiramente atropelar o medo sem jamais se esquecer do broto: a história que é preciso deixar como sendo uma paradisíaca herança na alma do próximo.

Imagem: http://www.lookfordiagnosis.com/portuguese/

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Broto de bananeira - parte 3 - por Sergio Martins




Para minha surpresa, a bananeira seguiu sua definitiva partida após presentear a terra com seu broto. Um broto de esperança. Só depois fiquei sabendo que na sociedade das bananeiras há uma regra: antes da viagem definitiva, cada uma tem o dever de deixar um broto como sendo a materialização de todo amor recebido em vida. Lembrei-me da lição de Sheakspeare na estória de Romeu e Julieta: nossa vida e nossa luta não deve ser apenas pela liberdade, mas sobretudo para seguirmos o sonho e a felicidade no amor; caso essa expectativa seja frustrada, somente a morte poderá nos livrar da cruel prisão existencial.

sábado, 4 de junho de 2011

Broto de bananeira - parte 2 - por Sergio Martins




De vez em quando fico inquieto, crio o hábito de observar tudo e provar um pouquinho de cada coisa; com isto, o tempo passou e eu deixei de observar a bananeira. As muitas ocupações não me permitiram acompanhar sua gravidez e o nascimento do seu cacho de pequeninas e fartas bananas que gratuitamente foram amadurecendo nesse pedaço de paraíso que se perdeu por aqui. Depois o tempo foi subtraindo sua força e eu também não percebi. Sua vida estava ameaçada por uma praga. E diante de sua morte, pensei na hipótese da bananeira sentir medo. Medo da morte como qualquer ser vivo diante do perigo que confisca sua graça existencial. Logicamente, não é só a morte que causa medo, a beleza também. Eu já senti medo da imensidão do oceano, do mergulho em águas profundas, das ondas e correntezas, do alto dos montes, da calmaria sinistra no ventre de um matagal, do olhar sedutor da deusa que todos os dias me consumia, daquele amor todo que crescia mais do que meu ser juntamente com a expectativa da perda... Mas foram medos amenizados quando entendi que eles só tem a ver com a rejeição ao aprendizado, a liberdade de escolha, a perda do controle sobre os outros, a falta de aptidão em lidar com a finitude, com a realidade humana e natural...

Foto: galeria de Maíra Ventura - http://www.flickr.com/photos/21664287@N08/with/5455943019/

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Broto de bananeira - parte 1 - por Sergio Martins




Ao lado de minha casa havia um muro baixo que me permitia o acesso à casa da minha tia. O muro foi levantado a pedido dela porque suas duas cadelinhas desciam ao meu quintal e faziam aquela bagunça. Todavia, eu fiz questão que se construísse um muro baixo pois não queria ser privado das alegrias naturais que livremente passam em seu quintal. Já me bastam os altíssimos muros que os gigantes egoístas criaram a fim de que gente de alma infantil não possa usufruir a plenitude do paraíso!
Foi inevitável. Em nome da privacidade e do progresso, a beleza da casa da tia foi murada. Mas antes que isso acontecesse, eu desfrutei bastante de seus encantos e lições. E dentre as muitas atrações do quintal da titia, para mim se destacou uma jovem bananeira esbanjando vida com seu corpo forte, macio e verdíssimo que se tornava dançante ao som do vento. Bananeira pronuncia ternura, por isso mesmo é considerada frágil. Pra mim, sua fragilidade é romântica e não tem nada de impotente; pois para quem viaja nos mares do coração, entende que a sensibilidade expressada em seu choro singular é o seu ponto mais forte: tentativa de fazer os humanos degustarem sua poesia.


Foto: Galeria de Maíra Ventura: http://www.flickr.com/photos/21664287@N08/with/5455943019/

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Sírius por Sergio Martins






O pêndulo do antigo e enorme relógio de parede lhe agitava às badaladas da alma, lhe punha em sonolência e então, deitava-se ao sonho. Velejava àquele inconsciente (coletivo de menino) divagando sobre o colo feminino: o homem tão bruto e ao mesmo tempo tão desamparado e romântico em busca de sua inalcançável amada.
Achegou-se num passado longínquo: um simples trovador desamparado no cais à espera do navio real português trazendo sua deusa lusitana. À noite frígida, ansioso e angustiado no porto, ele vê um farol ao longe perdido na escuridão do mar. Acha que já é dia e se permite à loucura: é Agosto! Rainha Maria vem chegando! Sua majestade se aproxima em sua luz pomposa e crescente. O navio aporta. Seu farol é silenciado. O menino homem festeja como se visse Sírius: sua mais doce “estória” da realidade - fantasia de sua estrela maior!

Imagem: Google

domingo, 29 de maio de 2011

Azul por Sergio Martins



Azul celeste descortinou-se no outono de Maio.
Azul azulejou o olhar matutino.
Azularam crianças na pracinha e litorais dos amantes.
Azul de um mar calmo na ventania esquisita.
Azulzinho clareou nos olhos de Jamelão.
Azul ímpar de Sanhaço no ar colorido.
Azul-água esverdeando o rosto cabisbaixo.
Azulão do crepúsculo vespertino.
Azul excêntrico das ondas marulhando...
Azul-caneta desse colibri vadio
rabiscando seu pseudopoema no ar:
Azul escuro que enobrece sua vida passageira.
Azul vivo de fora a fora que não o adentra.
Azul desbotado da lembrança que voa
(em sua) madrugada apagada.


Foto: Google

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Soneto aos versos teus por Sergio Martins




Se anelo ter um verso em seus olhos
onde um imenso mar verde me alcança,
Já não sei se é perdição ou esperança
o que me faz ver o ridículo dos sonhos.

Vistes-me em desvarios cantarolar, a lua musicar,
nos quadros rever-te, nos poemas tão bem lhe compreender...
e tanto se acostumou com meu sorriso que deixou de perceber
o esvair do seu brilho quando fostes regressar...

Ao clima irresistível no entardecer de minha outra razão
em que senti seu acalento quando corrias para me ver,
de tudo que amanheci, se anoiteceu todo meu coração...

Então, se insisto no anelo de ter um verso em seus olhos,
é bola de neve na ladeira desse outono a me levar:
em meus olhos ter o verde mar- deslumbramentos nossos!


Imagem: Google
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