Páginas

domingo, 25 de março de 2012

Outono - por Sergio Martins



 



O agito de um ar tropical entoado para esconder o silêncio da verdade em meu íntimo, parte juntamente com o sol maior; de sorte que posso ouvir uma alegria especial longe das batucadas de desespero; é a vez de a orquestra calma musicar o ambiente para eu me aproximar de mim mesmo. "Outono é isto: queda de temperatura. Nele, "há um cair em si" que nos induz à ascensão. Parece que o mundo decai para que sintamos seu peso e nos é revelada sua nudez: espelho pelo qual vemos e nos aproximamos do "ser-si-mesmo."

Sem o assédio do verão que castiga minha pele, exige sacrifícios como a devoção ao corpo para nutrir a tirania da beleza exibida nas praias e que torra toda a poética do meu ar com aquela correria pela estética fabricada, posso, finalmente, voltar a ser. O verão é um moleque peralta. Vive sorrindo, se diverte ao dia em alto som e danças, está a mil por hora, seu compromisso é com o momento-prazer, por isso, não acha tempo para refletir. É óbvio que no outono íntimo também podemos provar de uma deliciosa e calórica euforia, mas é uma sensação verdadeira que não depende de calores sedativos, de maquiagens, vitrines sorridentes de fama e sucesso para camuflar a vocação para o fracasso. Com isso, aprendo que o que me dói no verão íntimo não é a verdade, e sim, a mentira, pois a verdade do outono é a oportunidade que encontro de sentir-me perto de mim mesmo através da necessidade que vem da dor; dor provocada pela solidão; solidão amiga. Ora, se a dor do corpo também é a dor da alma, logo que a tal dor nela se aplaca, lembramos que temos uma alma – corpo imaterial– tão frágil como a própria existência; e geralmente, só passamos a valorizar as coisas e as pessoas quando nos deparamos com a dor ou a perda das mesmas.

O outono me causa dor, sensação de perda. As folhas guiadas pelo vento me lembram que estou dentro de um mar aleatório em que navego nas indisponibilidades divinas, o frio que sobe o corpo é vida brotando na mente, em tudo mora uma saudade, as mensagens de despedida estão em tudo que vejo: no espelho não enxergo a certeza que os anos seguem uma correnteza veloz, as fotos, cada uma delas é um retrovisor me contando histórias, mostrando que o número de velas do bolo de aniversário vão se aumentando – a vida se apagando para iniciar outra vida –, falando de tempo perdido e provocando a intensa aflição pelo reconstruir... É a infinita dor pela qual encontro, todos os dias, o significado de minha existência.
A baixa temperatura reflete a queda da máscara carnavalesca de verão que mora em nosso eu interior – caímos na realidade, a mentira que dói inexiste, só há a verdade que consola –, e é justamente nesse fundo de poço que conseguimos nos encontrar: no caminho árido da cicatrização das dores da mentira; é o lugar onde podemos adquirir as belezas plurais dos infortúnios. O verão me engana ao trazer a ideia que possuo uma juventude invencível, sou aquecido por uma sensação de imortalidade, ignoro meu imenso vazio superlotando meu tempo como uma inútil terapia para me livrar de mim mesmo. O outono é um prolongado crepúsculo da tarde me dizendo: a noite vem. É um labirinto inevitável e enigmático, é a ausência do "eu-na-turma", é sinfonia apaziguante, é a certeza de caminhar livremente, a paz concebida após anos de guerra, é a idade avançada que tem a sabedoria como experiência pessoal... 
Ao findar o mês de Março, vemos a velhice nas coisas e pessoas – é a nova estação revelando tudo aquilo que é velho em nós. A velhice mortifica certas vaidades, acende o cuidado de nos apegarmos ao significado de ser, a ânsia pelo futuro promissor e as desilusões são postas lado, o medo do escuro não aparece pois estar a sós consigo mesmo não é mais fantasmagórico, e porque suportamos nossa própria presença a sós com a solidão amiga, podemos conviver em harmonia com o mundo pois já estarmos convictos que a solidão não representa o estarmos sozinhos, mas é a ausência de um sentido maior que nos faz sentir sozinhos ainda que bem acompanhados.

A juventude é um dia claro e grandioso, mente fervilhante e inebriada pela fantasia, agitação descontrolada, multidão reunida para curtir o Rock in roll, a escuridão não pode ser contemplada. A velhice possui uma beleza diferenciada, a magia não convencional como a escuridão da madrugada onde habitam as estrelas, os milhares de pirilampos, o mar negro de altas ondas. É o universo quieto reverenciando a mestria divina, é nela que gozamos de um bem estar infinito, a sorte de se viver um dia após o outro sem se cansar com atividades desnecessárias...

O outono chegou! E lá se vai toda aquela ginástica pelo físico perfeito que doloria o dia-a-dia dos fracos, a acrobacia de termos que achar tempo para ficarmos ainda mais sem tempo, se finda o Stress, o barulho urbano que produzia dores de cabeça, o sorriso obrigatório e sem graça para mostrar aos outros que se está bem, a fadiga pelo desespero capitalista dá lugar para o descanso onde se é possível ouvir o pulsar do nosso coração, o trabalho é capaz de ser um meio para chegarmos cheios de atrativos ao lar doce lar com as pessoas queridas, as festas estridentes com fogos de artifícios para conter os clamores da alma não são mais úteis, sobra tempo para sentirmos o abraço do casaco, a fogueira no luau, um bom livro, a exposição de artes, o bom filme assistido com ser amado...

No outono, vemos que o lugar da queda é também onde acontece a ascensão: a perda da euforia trazendo a razão, o rompimento de um prazer levando a saudade e trazendo novos sentidos aos nossos trajetos, o fim de uma alegria para a entrada de uma desconhecida felicidade... Outono é esta mescla de sentimentos estranhos e belos: saudade. Estranho pela queda e belo por ser ascensão. Pergunto-me, então, se existe outra razão pela qual o sol venha se despedir senão aquela que faça a noite sobreviver, as estações que com seus brilhos e cores próprios enchem de prazer e saudade os olhos poéticos. É aí que acho o significado de minha vida: no prazer. O prazer outonal não vem de propagandas enganosas de realização pessoal, não existem motivos para absorvermos alegrias instantâneas e fúteis de verão, o dia é findo, não há necessidade de mantermos uma imagem de campeões, é admissível assumir nossa vontade-necessidade, longe das luzes do palco hipócrita conseguimos observar nossas rugas – acabou-se o bronzeamento, a palidez retorna à minha face – e compartilhar um pouco daquilo que realmente somos... O mundo está entardecendo, as vistas se escurecem pela velhice e enxerga a existência com mais clareza: sombra mais forte, verde mais verde. Na noite é permitido ser quem realmente se é, na sensualidade das madrugadas mora o prazer de uma sinfonia silenciosa; lá onde a verdade está disponível para libertar nossas emoções... Há coisa mais triste e ao mesmo tempo tão alegre do que sentir o outono desfolhando as páginas do nosso inconsciente, fazendo do vazio um companheiro gentil que nos ensina a preencher nosso interior com o que vale a pena, da desocupação algo fecundo, pondo em dúvidas nossos conceitos, revirando nossos valores...? Como não enxergar que são estranhos e belos os raios solares enviesados e inibidos na campina dourada que se inclina pelo afago do vento, as enormes nuvens que vem e vão criando e desfazendo imagens rapidamente... O vento à tardinha enxuga o olhar visionário... O frio são lembranças descongelando – e a saudade é a velhice em nós– rumos desiguais, a boa infância abandonada, partidas sem sentido, noite delongada que denuncia o retardamento; a lua está próxima demais, a lua que minguou pelos olhares indiferentes é a mesma que preferiu estar cheia de sorrisos, grávida de amor e perdão; e em sua presença todos se enchem... A maré transborda de contentamento, o olhar da donzela recebe um gratuito prateado, o coração fragilizado se faz repleto de uma nova paixão... É com essa sábia velhice que me encho de beleza para florir o meu jardim, fazer feliz a quem eu amo. Velhice é outono sem fim, é crise de um prolongado crescimento. O tempo, na velhice, confirma o amadurecimento: arte do eterno aprendizado. No olhar dos velhos ouço um sossego que me aconselha a ouvir mais. A entender o silêncio. No ar rarefeito do clima de montanha fluem soltas e suaves as palavras dentro de mim e o sono tranqüilo me vence na rede da varanda... O amor é a fogueira que se encontra mais forte para criar a arte escondida na escuridão – a luz no fim do túnel, queda e ascensão – são desfolhagens colorindo e abrilhantando as telas dos pintores: as folhas vão se reencontrar pelo chão, chuvinha constante que cura a terra, natureza em autoreconstrução. Bate forte a saudade, algo se foi. No entanto, num piscar de olhos se percebe que as roseiras pelas ruas continuam floridas, os Bem-te-vis eufóricos nas mangueiras, o canto mágico e solitário dos Sabiás, os Pardais refazem seus ninhos, o prazer passa a habitar no momento chamado agora, o dia de hoje recebe o nome de melhor presente... Pelas ruas, some o vai-e-vem desordenado e o monóxido de carbono, a calma é divinal.. Há o vagar de um pântano tenebroso à sinfonia de um olhar que em tentando segredar-se, mais transparente se faz... Sobe a pequenina bolha de sabão da menininha que correndo atrás de sua obra flutuante me ensina como se cria um mundo intocável, leve, simples e esplêndido. A bolha estoura. Ela grita. Eu suspiro fundo e fico em silente, pois na perda do prazer até o emudecimento é terapêutico, mas o mundo flutuante que a criança idealizou não deve ser abandonado... Aí, o tempo me faz sentir que é hora de superar a dor, aprender com a saudade, rebuscar o prazer, cruzar os mares estranhos e belos. É o outono me chamando à última valsa todos os dias...

segunda-feira, 5 de março de 2012

Fervura de menino - por Sergio Martins




No fim do dia abre-se a flor tardia
e já sem sono, longe vais do que te perdia.
Antiga, a clareira de céu se estende na varanda;
nova é a mensagem sempre à frente desse olhar que ciranda
entre goles de aguardentes, violão – profana poesia,
em desatino confesso – faceira e sagrada boemia.
Calmaria de Março depois do barulho,
ondas incessantes à dormência de marulho.
O café quente com cigarro e mais um livro;
ao estalo da vitrola desliza a chuva no vidro.
No crepitar de fogueira as páginas incineradas,
desejo ímpar, alegrias íntimas, luas enamoradas.
Linhas frias de caderno, fervura de menino em liberdade,
brincadeira de (ser) Deus, rascunho e perfeição da vivacidade.
Na boca da noite se fecha o gris que ardia
e já em sonho, podes ser você mesmo: canção vadia.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A cena muda - parte 4/ final - por Sergio Martins




No último ato da peça teatral tudo parou. Aconteceu uma reverência mútua e num silêncio que se manifesta nas catedrais após o canto do sino à entrada da noite; deu-se a nota de falecimento: a atriz abriu os braços e recebeu aos beijos o seu homem acolhendo-o como se recebesse o seu bebê e dessa maneira, embalou o ar da plateia aos festejos de quem recebe a tão esperada notícia. Em comunhão com o sentimento dos espectadores, enchi meus pulmões para acompanhar o último suspiro da cena muda que ficaria gravada em minha memória qual vinil arranhado repetindo o bom refrão.

Entretanto, o que enxerguei naquele último ato foi a possibilidade de uma existência livre das tragédias românticas de Sheakspeare. São cenas mudas como estas que falam por si só como a própria arte que não se explica mas que existe apenas para ser degustada, que vez por outra aparece como um ponto de luz em nosso desengano e nos convence que a vida, até mesmo com toda sua beleza triste, parece mover-se numa tentativa de eternizar o prazer de uma adolescência enamorada pelo feitiço; norteada por uma felicidade singular.

quinta-feira, 1 de março de 2012

A cena muda - parte 3 - por Sergio Martins





O andar da moça sempre acompanhado pela leveza de seu sorriso se contrapunha a todo azedume de cidade grande; na verdade, ao passo que um rebuliço cardíaco me sufocava, todo o seu corpo e sua feição pareciam sorrir igual contentamento de cão guiado pelo seu carinhoso dono. Naquele feitiço, eu tive a sensação que o ônibus se aproximava do mar e inalei a maresia, ouvi marulhos sinfônicos de sereia e perdi-me num apetite desordenado de correr pelas areias da Barra da Tijuca, encontrar muitas pegadas além das minhas e que caminhassem junto aos meus pés. Subitamente, olhei para os lados na intenção de me recompor daquilo que até então parecia surreal e vi que um velho abriu a janela e deixou o sol lhe tocar para apreciar melhor a cena espetacular. Afoito, chegou até mesmo a lamber os lábios com muito gosto, procurando, talvez, sorver o paladar das boas épocas em que a calda de pêssego deslizava em sua boca pelos lábios da mulher amada.

Houve também, no olhar de alguns o parecer frio e insosso dos críticos de arte que se esforçavam em ignorar a mestria daquela poética como se pudessem, num ato de coragem, de desespero, de covardia ou de pura crueldade driblar toda a vida e toda morte inevitáveis advindas do lado de fora.

Até que a lotação se adiantou cortando a cena igual cortina que desce sobre o palco anunciando o fim do show. Bem que tentei evitar o fim do prazer curvando-me o corpo e girando completamente meu pescoço para trás na ânsia de não perder o restante daquela graça ameaçada pela pressa do motorista; mas não teve jeito, viriam mesmo as chuvas de Março após o carnaval. Acabara-se o espetáculo e veloz, a condução foi engolida pela ladeira; o que acometeu meu estômago de um afago gélido característico de minha infância todas as vezes que a caminho da escola, o motorista acelerava a condução antes de descer a imensa rampa para o meu salto de alegria. Quanto prazer eu tinha em toda aquela geleira estomacal!

A cena muda - parte 2 - por Sergio Martins



A trama do destino apareceu no teatro a céu aberto de uma calçada qualquer feito amor que é pipa guiada pelo vento e que está sempre no ar pronto para ser agarrado. De imediato, uma sombra cobriu todo o céu. Depois vieram os raios solares. E sorrateiro, um vento pareceu abraçar-me trazendo memórias de pipas. Assim que toda aquela escuridão foi desfeita vindo em seguida o sol e o vento, surgiu detrás de uma pequena cortina de sombra uma bela mocinha dos cabelos esvoaçantes e lustrados de um prateado matinal. A atriz principal vestia short jeans, chinelo e uma elegante camisa do Botafogo abrilhantada com sua estrela solitária aos requintes da última moda. Ela vinha caminhando aos passos adolescentes, movida de dança e sorrisos como fosse uma exultante monóloga. Parecia realmente feliz como toda loira deve ser, demonstrando indiferença à aflição adulta e urbana. Era assim que seguia seu caminho florido de criança rumo ao parque de diversão. Por ser tão original, a atriz tornou-se um destaque espetacular capturando a atenção de todos semelhante a um luzeiro na imensidão sombria; um jardim encantado atraindo os pássaros e as borboletas. Tão logo recebeu os olhares sôfregos de desejo que os rapazes costumam sentir e apresentar como aplausos  de gratidão quando se veem diante de tal formosura.

Os carros suscitaram seus faróis piscantes, as luzes coloridas das lojas e as buzinas ovacionavam feito um coro jubiloso à estrela maior que seguia distraída, porém, compenetrada no seu trabalho voluntário naquele tipo de arena popular. Tratava-se de uma fenomenal contribuição à arte lírica.

Apesar de sentir-me agradecido, continuei estático, perplexo, de olhos fixos no novo e mágico mundo da mulher-menina, até que preocupando-me em não demonstrar má educação, alarguei um sorriso em sua direção a fim de presentear aquela brisa refrescante em meio ao mormaço de verão.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A cena muda - parte 1 - por Sergio Martins




A segunda-feira fora arremessada à fervura típica do verão carioca. Dentro do ônibus, a volta do trabalho pra casa se dava ao luxo de uma ambiência relaxante e calma sob as cores metafóricas e metamórficas do crepúsculo vespertino.

O primeiro dia útil da semana com seus muitos encargos, geralmente, não se assoma de eventos dos quais possamos classificar como significativos. E por ser assim, traduzia-se em nada além de mais uma data onde a rotina e o cansaço são interrompidos pela euforia dos amigos comemorando mais um título do Botafogo que gloriosamente punha-se em destaque nas capas de revistas e jornais pela conquista de mais uma taça Guanabara; infelizmente, sobre o Flamengo, que em minha absurda opinião de torcedor é o melhor time do mundo.

Havia também outra conspiração em enfeitar aquela segunda-feira de um adorno especial, é que ao longo das avenidas via-se um intemporal florescimento de ipês amarelos que embora inibidos, revelassem apenas suas copas desprovidas da fartura primaveril conseguiam despertar em mim uma irradiação de simplicidade e extraordinário e de divindade e humanidade através de suas esplêndidas e florescentes luzes. Vendo aqueles seres tão vivos, monumentais e dançantes em meio à balburdia costumeira dos transeuntes, compreendi que sendo lógico, isto é, um pouco mais racional e naturalista, me cabia bem ser ateu, mas em presença dos ipês sinto mais fortemente o feiticeiro e o poeta que habitam meu íntimo. São eles, o feiticeiro e o poeta, que mergulham meu olhar em direção à vida e ao mundo em luzes e cores encantadas, de maneira que sou levado a ver “estórias” por trás das histórias e imagens segredadas nas coisas e pessoas que mais parecem falsas vitrines tentando driblar minha visão e, portanto, estou assegurado a caminhar na contramão do ceticismo. O fato é que sou todo avesso mesmo e contra isto não há lei nem freios, pois a razão de eu ter fé está para além de minha própria compreensão e o lirismo todo dessa crença que vez por outra se ofusca por conta das marés violentas, acaba por desembarcar no cais de um pequeno detalhe do dia-a-dia, como por exemplo, um capricho divino no qual meus olhos se embriagaram quando um repentino e ligeiro engarrafamento de certa avenida repôs fôlego ao meu corriqueiro vazio existencial.

Pois bem, era uma segunda-feira na calmaria relaxante do tremulante assento de ônibus onde eu jamais iria supor ser meu divã até que, breve e marcante como um relâmpago que deixa seus rastros de destruição, ocorreu-me o que há de permanecer em mim semelhante aos amores lendários e trágicos e as grandes e históricas felicidades indisponíveis ao esquecimento.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Soneto à viola acidentada por Sergio Martins





Desde fevereiro, corpo saudável. Alma inebriada.
De incansável e grosseiro dedilhar do destino,
suas cordas quebraram. Realidade em desafino.
Suas notas sorridentes em elegias perpetuada.

No enterro do carnaval, voltam-se ao caminho:
Baião, Forró e alegrias de antiga Bossa Nova.
Mas na esperança sob a desgraça em voga,
a viola acidentada içará seu último Chorinho.

Entre saxofones luxuosos, máscaras festivas,
eufóricas percussões e flautas orgulhosas,
sua imagem apagada que brilhava nas avenidas.

Suas fantasias em desencanto, emudecem sem as rimas.
Na beleza da folia que não transluz felicidade,
a viola acidentada mora na quarta-feira de cinzas.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Taciturna - por Sergio Martins

                          
                   

Durante a manhã há sombras melódicas em teus olhos,

nos dias nublados você fica tão inebriante e sedutora 

quanto a morte que degustamos num Réquiem de Fauré.

Quão bela é sua aparição nas fúnebres ruas:

o vestido preto, a sombria maquiagem desfeita pela chuva –

fotografia do mundo falecido– rara flor da noite!

 

Não quero o colorido passado, o céu ensolarado nos irrita,

e já desconhecemos o dia; pois só acordamos à noite

para dançarmos o lunar madrigal

ou a ópera carnavalesca das assombrações. 

Almejo a rouquidão, o fumo e o uísque de tua boca:

ao doce do teu batom preto, meu apetite vampiresco.

 

Foi numa madrugada que conheci teus nefastos carinhos,

uma ventania gélida precedendo a brisa quente,

que me arrepiou todo o ser,

e me soprou aos ouvidos o meu medo mais profundo, 

antes do temporal despedaçar toda a vida que eu conhecia:

o medo de morrer, na verdade era apenas a frustração de

não realizar o desejo de viver tudo o que eu sonhei.

Em meio às brumas você apareceu tão tenebrosa

e irresistível como as catedrais góticas, e me tocou:

acordes sonâmbulos e desesperados do meu ser!

 

Você necessita do meu sangue e da minha carne, 

eu tenho muita sede de suas lágrimas e fome de sua tristeza,

pois minha felicidade é também é a sua:

ter o nosso amor – que é de morte.

 

Minha amada taciturna, seremos só eu e você nesta sinfonia fantasmagórica:

assistir o teatro dos horrores, plantar rosas murchas no jardim doente,

inebriar à lira sinistra do inverno...

Nosso mundo será eternamente este solitário e belo cemitério,

ao som de suas canções melancólicas ao violino.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Vermelho - por Sergio Martins






 No feitiço dos meus olhos mora uma sedução que não se desprende.

Tudo o que vejo nesse espelho é a partir de você.

Meu olhar te segue.

Por que antes mesmo que minhas pálpebras se abram ao amanhecer, no teatro do meu desejo inconsciente, desce a cortina onde me deleito em sua luz cor de sangue e enigmática?

Antes de qualquer imagem, minha retina enxerga primeiramente a beleza de sua meia-luz escarlate onde há uma força, um sobressalto do tempo-espaço, tal qual, fogo repousado e breve no céu do despertar matutino - onde mora a lembrança dos sabores de frutas vermelhas.

É de Marte e de morte esta vermelhidão de entardecer que me sorve numa estranha poética: caminhar a esmo na escuridão, ver tua sombrar amigar-se aos meus passos, estar ao seu lado olhando as estrelas, ouvir o agitado mergulho de Fevereiro em nossa noite lírica; perder-me de vista no encanto do teu rubro mar.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Soneto do Pai João - por Sergio Martins





Há tempos, eu sonho com o Cacique de Ramos
e com o pagode do Zeca em Xerém,
no entanto, sem ter nenhum Vintém,
ficarei com a mesma fantasia de todos os anos.

Estou aflito para ir ao Scala, à Cidade do Samba,
ao Sambódromo, ao baile do Sovaco do Cristo
e ao Cordão do Bola Preta, mas só pela TV assisto
as festanças e realizo meu sonho de ser um bamba.

Fora as micaretas de Salvador, a boemia de Copacabana,
o Frevo do Recife e o Maracatu rural, sou Pierrot, pirata
ou gorila plastificado; num tédio de ter o bolso sem grana.

Quero os desfiles de Sampa, sentir a Mangueira - a Tradição,
o carnaval de máscaras (dos que se revelam) e da Amazônia,
pois só conheço os coretos onde sou apenas mais um Pai João.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A doceira - por Sergio Martins







Quando é noite de sexta-feira

ela desce pra quadra da Mangueira.

Faça chuva ou sol pra ela não tem saleira,

e com água na boca também vou com a baladeira.

No gingado do seu pandeiro

dança meu coração violeiro.

Tamborim de mulata-docinho,

chocalho, pé-de-moleque, cavaquinho,

brigadeiro, chocolate com cereja... linda-boleira

fez muito “doce” sem “perder a estribeira,”

me deu um beijinho com açúcar de confeiteira,

cajuzinho, suspiro de morena sambadeira;

atrás do meu sonho de creme, descerei de novo a ladeira

pois um dia, com minha cocada preta morarei

e bem-casado (ela será meu meu melhor doce que) comerei.


sábado, 21 de janeiro de 2012

Soneto ao plebeu de capital - por Sergio Martins




Às costas do Cristo Redentor estou.
Às avessas do cartão postal,
à sorte dos deuses do Planalto Central;
à sombra medonha dessa beleza sou

escurecido de pele, plebeu de capital,
coração suburbano, mente sempre à altura
das almas foscas, emagrecidas pela labuta
e enriquecidas de futebol e carnaval.

Na burguesia indiferente e senhora desse litoral
não há lugar para o que vê até mesmo na sua
pobreza a felicidade como liberdade incondicional.

Mas na favela do ser rejeitado mora uma certeza:
Os Cristos profanos que lhe dão uma vida nobre
onde a arte é ciência estranha- poesia e tristeza.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A feira - parte 4/ final - por Sergio Martins




Por sorte, não voltei à razão abaixo do temporal que testemunhava o aventureiro casamento do moleque peralta subindo às nuvens com sua misteriosa divindade, saboreando da planta de seus pés aos seus legumes, às suas flores, folhas, frutas idêntico a um caule espesso, rígido e sequíssimo de apetite por toda a seiva; penetrando ao ar livre, musicando aos gritos, dançando e recitando em baixo som na escuridão da floresta úmida e quente que à minha frente se apresentava como a mais deliciosa de todas as imprevisibilidades dessa vida insana.   
Ensandecido pela magia dos olhos me tornei um herege declarado. Logo eu que nunca fui consumista tanto pelas possibilidades financeiras quanto por princípios ideológicos, aprendi a aflorar meu materialismo espiritual; a partir de então, uma desatinada paixão me faria ser o maior comprador de sonhos e de felicidades daquela feira.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A feira - parte 3 - por Sergio Martins




Toda aquela correria antipoética da multidão deixou de me incomodar porque eu só tinha alma para a pitanga sedosa dos lábios majestosos da linda serrana que amadureceu levando-me ao interior de sua floresta de onde fluía um inebriante perfume que entranhava todas as raízes do meu corpo feito música incansável, cujos acordes se faziam em sussurros aos pés de sua orelha e seus pelos descansados qual dormideiras de um gramado fértil. Com o dedilhar sereno de minhas mãos possuí a flora e o pomar de sua imensidão sedutora e todo o jardim se abriu para mim feito rosa menina enriquecida de orvalho matinal oferecendo-me seu doce pólen; desabrochando para receber todo o prazer de um dia especial.  Com risos satisfeitos e envergonhados de uma flor amarela do algodoeiro, até o passeio de meus dedos sobre os melões graúdos e o degustar irresistível de sua pera grã-fina, percebi-me mergulhado num desvario profundo. Esqueci-me de tudo, norteei meus passos, abracei decisivamente aquele universo transformado num anjo criança debruçado ao seio materno que espargia seu (de) leite único.   

domingo, 15 de janeiro de 2012

A feira - parte 2 - por Sergio Martins




                                                                                               
O barulho estressante e o volume de gente cresciam em nível de tornar a feira intransitável à medida que eu dialogava com aquele animado mundo vegetal, até que alguém me tocou para que eu voltasse à realidade e a deixasse desmontar sua barraca ameaça pelo iminente temporal. Foi aí que outra magia me dominou ao ver a pessoa angelical criadora daquelas figuras que me entorpeceram a razão: a deusa que me tocou para minha volta à realidade, pois eu estava em transe no seu paraíso,prendendo meu olhar em seus olhos de esmeralda, outra vez me introduziu ao surrealismo como um feitiço incurável e em minhas retinas surgiu um arco-íris de improváveis brilhos e cores na chuvarada da tardinha de verão. 
Perdi o controle idêntico a um figo balançando ao vento, tremendo de um frio que me subia até à cabeça já fervida em excitação, o corpo eletrizado, a fala bloqueada e todo meu ser respirando alto toda a graça de um divino sentir.  
A maçã vermelha do rosto da menina campesina revelou-me o sabor do novo mundo entre os cachos dourados de uvas caídas sobre sua pele macia de jambo que me adocicava a certeza de estar entrando no palco daquelas raras emoções que inspiram a vida...

sábado, 14 de janeiro de 2012

A feira (parte 1) - por Sergio Martins

                                                                        


     Aquela gente toda se agitava ante aos objetos feitos à mão e os gritos disputavam a freguesia que ficava alerta para levar o melhor e o mais barato. É que nessa feira, até folhas secas valem ouro para os consumidores e vendedores. Com olhos turistas nesse meu jeito menino de enxergar o mundo e exercitar o meu passeio socrático, pelo qual, apenas observo tudo o que não preciso obter para viver bem, apenas apreciava a elegância vital de um interior rural e eufórico. Não gosto de shopping com seu ar frio que parece congelar o calor humano, prefiro as feiras onde há a barganha, o contato mais transparente entre vendedor e consumidor.                  
    Do outro lado, as canoas deslizavam suaves na água límpida com seus amantes a bordo, os peixes acrobatas festejavam num cortejo artístico-cultural aos visitantes da modesta cidade. As pessoas, os gritos, as cores e o vento quente à tarde que precedia a chuva de verão, incitaram-se num corre-corre abaixo do céu metamórfico, e eu me deixei levar igual as folhas das amoreiras que aos seus milhares caíam na lagoa. Saí do alvoroço, sentei à beira da lagoa segurando uma laranja lima que ainda possuía uma minúscula folha presa no galhinho e ao removê-los, vi a estrelinha típica no extremo superior da fruta; lhe abri uma tampa com o canivete de bolso e chupei a especiaria tropical livre de agroquímicos com uma calma invejável; mas aos lampejos do céu pintado de nuvens cinzas, me apressei em fugir da tempestade enfiando-me no meio do povo fervido de ansiedade; quando, subitamente, fui neutralizado pelas novidades de uma imensa barraca que exibia sua singularidade: batatas decoradas com alfaces e cenouras que tomavam a forma de aves, na melancia que se fazia em um mar onde pedaços de limão navegavam em barcos de velas em casca de alho, no abacaxi que virou tatu, num pingüim e num tucano de berinjela com tomate e repolho acompanhados de um espantalho de beterraba e pepino vestindo seu chapéu de cebola seca, nas mangas que se transformaram em passarinhos, nos anéis de limão que eram sol e lua, nas margaridas bailarinas, nas pinhas e copos de leite que se fizeram em baianas com seus vestidões brancos, nas violetas que imitavam lustres... e assaltados por tal presente, meus olhos brincavam com aquelas divertidas e sobre-humanas criações.  

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Soneto à Maria Fumaça - por Sergio Martins







Ela voa no alto das montanhas enquanto eu, no vale,
a vejo onipotente no céu de sonhos perfeitos,
gloriosa e eterna sobre esses trilhos mal feitos
do meu olhar que por ela se (des) faz em tempestade.


Bem ao longe desta velha e arruinada estação,
de olhos fechados, já se pode ouvir o seu canto
-feitiço inevitável e crescente-, Maria chegando,
iluminando a lucidez, fumando minha razão.


Por que nunca chega, só passa a estradeira menina
parando minha vida, levando o mundo consigo e
a inteireza dos homens tragados em sua poesia?


Indiferente e sarcástica, ela adentra o túnel antigo com música alegre,
atravessa-o como uma flecha envenenada de saudade,
enfumaçando seu ar de beleza fugaz - dor de um prazer que prossegue.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Carta de amor - Por Sergio Martins

                                  


A grossos traços
pintou-se em meus quadros
interiores nossos fracassos.

Muitos retalhos a curtos passos,
qual temporal de muitos estragos,
pedaços felizes nos almaços amassados,
é o mundo que se encurva em seus atrasos
e nas dores, as flores são de errados maços;
até os tragos, meus drinques raros,
todos os prazeres doces e amargos
foram mal pagos – nossos fardos pesados.

Sua palidez nesses meus pardos espaços
que já não são mais os seus regaços,
pois é de segunda, de terceira e de dias
a vida toda – é só quarta-feira de cinzas.

Sua carta de amor é o alongo de teus braços,
a extensão de nossos delongados abraços,
teu espectro que me toca, aperta os laços,
é presença frágil e felicidade indizível;
mas pra me machucar você foi tão previsível,
e eu só esperei cair do teu céu o inatingível.

O que leio é magia sem milagres – descompassos
– e só aumenta aquele silêncio sem calor,
pois seus rastros escassos e mal passados
é ocaso do nosso caso de amor.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Soneto à Veleira - por Sergio Martins





                   
Na futilidade deste barco puseste tua vela- fiz-me par! 
Assoprou-se tua chama sobre minhas ondas
inquietas e juntos dormimos qual conchas
algemadas uma a outra- enternecimento do bravio mar!

Aprendi a me acalmar, a despejar-me, saborear o fruto,
a crer que perigo mesmo é não se aventurar,
e que o maior de todos os pecados é não amar;
e hoje luto, unicamente, por quem me roubou o luto.

Senti o perfume dos campos à frente das colinas,
a lição que sem felicidade tudo é vaidade
e que sem poesia, todas as verdades são utopias.
           
No mar sofrido guiado pelo vento sulista
colocaste tua Barcarola- de nós, fizemos
um só leme amante, contento e artista!


Quadro: Barcarola de Salvador Dalí

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Música do lado de fora - por Sergio Martins






Onde vais passar sua noite de Natal?
Por que quem você espera não veio?
Penso agora no preço pelo qual 
conquistamos nossos desejos e
me pergunto: quem sente a ausência 
de uma árvore morta na última estação?
Sempre vemos muitas pessoas que
apenas passam e olham pro nada...
Para onde você se voltará neste dia vazio?
O término de ano será só repetição?
Não sei se essa indignação, esse
silêncio diante de um mundo avesso
há de resolver, de trazer toda a paz
de seu antigo lar...
Vá buscar o que te espera,
deixe o espelho dizer, assuma sua lei,
volte a acreditar e a seguir aquele caminho,
pois no fim de nosso roteiro eu também
não desejarei estar do lado de fora da porta
sem ninguém pra notar.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

segredos obscuros - por Sergio Martins



À profundidade gélida do silêncio, a solidão é violenta,
 
onde eu te assisto, anoitecer feroz – ao eclipse de meus pensamentos.
 

A imponente lua desta vida veraneia, sem o meu brilho estelar,

tudo vê; e eu nada possuo – sentindo apenas o previsível:

o mesmo em si; ensimesmado pelo medo do mesmo apagão diário.

A beleza toda do mundo aponta ao insignificante destino:

mentira do olhar, dos sorrisos, das roupas festivas

e do corpo dançante sobre a alma inerte: segredos obscuros.

 

Descanso de dia. À noite, sobrevivo.

Apavoro-me com o dia: a luz dos humanos perdidos.

O sol cala verdades poéticas, entorpece meu prazer

qual falácia destruindo sonhos – fé insana.

 

Quero a escuridão, a companhia dos espíritos que vagam,

sedentos pelo prazer e pela utopia avessa à razão,  

e tudo que amenize a dor de tua ausência, minha alma penada!

Pois o mundo, com toda a sua alegria insossa e consumista,

matou a esperança de enxergar na luz– alguma razão:

criança que espera em vão pelo retorno de sua amada mãe.

 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Aquele velho relógio - por Sergio Martins

Relógio antigo




De longe, um pescador reconhece outro pescador:
espelho de mar lírico que entardece,
árvore que seca no Jardim Novo e belo...
Vi um pardal sozinho na chuva e esqueci-me do tempo,
a noite dormiu comigo enquanto eu te chamava
mas aquele velho relógio lembrou e chamou-me...
Seu olhar me convidou: bebamos do licor que nos desedenta
e que não mata nossa sede – de embriaguez!
Passou a chuva duradoura da tarde fria e pela manhã, via-se
o chão barrento e pedregoso nos guiando outra vez à praia...
O sol convidativo se punha arremessando novas cores
para os amantes degustarem dos velhos olhares; no entanto,
o barco de pescador não aportou, as gaivotas voltaram e
aquele velho relógio lembrou e chamou-me...

domingo, 23 de outubro de 2011

A floresta sombria - por Sergio Martins





Já fiz que nem sei o mais improvável
e todo menos dessa vez foi notável...
Vai verde... Segue a trilha - pra amar.
Tenho só pra mim esta vida - de achar...
Compreendo que é difícil para vocês
entender o meu mundo de "porquês",
de reticências, de questionamentos,
de razões absurdas e sentimentos,
mas já desisti do muito, de toda esta multidão,
aspiro a alma significativa em meio à desolação:
eu e você, amor filosófico sem dó,
poesia simples, infância solta e só.
Quero a caverna de Platão, a arte antropofágica,
o ultra-romantismo, a noite livre da vida apática,
a floresta sombria das ideias, o ser-si-mesmo como norte,
o excesso que me contenha, a historicidade em bela morte...
Sinta então comigo a canção de além mar,
sempre que quiser poderás me degustar
no par de romã, no hedonismo, nesse lar de afã
onde a graça toda é não pretender - o amanhã.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Teteu e Romão por Sergio Martins





Era uma vez dois molecotes: Teteu e Romão.
Romão, o mais velho. Teteu seu único irmão.
Romão tinha força, todavia, baixinho.Quase anão.
O outro parecia um bambu de tão magrelo e grandalhão.
O pequeno, muito sério, respeitado, chato e brigalhão.
O mais novo mostrava os dentes de bobo e brincalhão.
O perna de pau no futebol sempre foi o gigantão.
O pigmeu só sabia de game, computador e televisão.
Teteu, o melhor no basquete, nunca usou escadas
e vivia nas nuvens entre pincéis e canções.
Romão, o duende zangado que detestava fadas,
gostava de ser brabo e de xingar palavrões.
O caçula parecia um poste, amava flores e navegação.
O cabra-macho não engolia desaforo, dava coice e safanão.
Os meninos apelidaram o tampinha de cavalão.
As meninas chamavam Teteu de grande "T". Era o Tezão.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

poeminha pra começo de festa - por Sergio Martins

 





Eu errei, admito. Ela brigou,
me arrependi, ela perdoou.
Foi um tempão sem falar comigo,
mas hoje me chama até de amigo.
Diz que gosta do meu ritmo acelerado e meu futebol detesta;
estou amando, ensaiando um poeminha pra começo de festa.
É de pura fantasia, é de elouquecer,
de voltar ao tempo mágico e reviver.
É de pura molecagem, de prazer gastronômico,
de alegrias rurais, de amor puro e astronômico.
Há belas fotos, fitas cassete, maravilhosas paisagens,
passeio de bicicleta, Belle Époque, novas tatuagens...
Ela é Chanel, expressionismo e vanguardista,
eu sou sua moda, sua onda, seu louco artista,
seu arco-íris, seus muitos flash's disparados,
seu banho de chuva, seus céus estrelados...
Ela me torna um bom menino sem dias iguais,
viajando livre, inspirado, feliz e longe demais.
Faz muita pose: "outdoor vintage new look";
farei dela "my best style, single and book".
Mostrou-me um vídeo engraçado (ela é boa atriz),
vimos o clássico em preto e branco com final feliz,
canta à toa, conta piada, eu ri de chorar.
Isso vai dar jazz. Eu acelero, vou dançar.
Ela "não tá nem aí", é muito doidinha,
disse que vai embarcar na modinha.
Tirei a poeira da máquina de escrever,
já fiz planos para quando o verão nascer,
ela fez caras e bocas, deu outra gargalhada, 
comí pipoca na pracinha, fiz muita palhaçada,
faz silêncio pra ouvir o sino da igreja tocar,
bebeu muita cerveja e começou a chorar,
ligou a vitrola, voou Rock de vinil, fumou meus cigarros,
deu-me a flor rosa de seu ipê, bombons, insanos atalhos...
À noite, ela é o outro lado do disco,
eu vou no som, me divirto, me arrisco
e no mar citrino de seus olhos mergulho o antigo inverno
porque sua arte em mim é um lirismo eufórico e eterno.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Volta ao lar - por Sergio Martins






Não serás a sombra dos meus passos, o eco na montanha ou o luzeiro entre mil faróis.
Serás a estrela primeira clareando junto ao dia, o colo macio após o cansaço, a sempre presente completude de meu ser, o riso após o drama, a limpidez de mar espelhando o divino celeste que desponta em meio ao caos.
Eu serei nada além que eu mesmo - a tua certeza de que a viagem valeu a pena, simplesmente, porque em sua volta ao lar, estarei lhe esperando. E assim, toda a saudade há de enobrecer o momento do reencontro, desconheceremos a ausência, o adeus será um esquecido ensinamento e a solidão, apenas um outro falar.

* Este texto é meu presente aos meus amigos recém casados Leandro Pontes e Viviane Miranda
Foto: Leandro Pontes/ lendonaspontes.blogspot.com
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Postagens mais visualizadas