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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Balada da senhora mística por Sergio Martins


Do ventre escuro e gélido da serra surge a dama da minha noite vestida de um brilhante por-do-sol descortinando a nebulosidade da colina. Ela vem me encontrar feito estrela principal do meu palco e o tempo se estende agradável, as horas se encurtam e em seu olhar negro vejo um espelho nas águas de mar noturno em que mergulho todo o fosco do meu olhar.

Qual flor de Maio à luz do luar, na noite estrelada ela passa aprisionando os olhos desse menino-homem e desprendida do que se passa em mim ela dança, talvez despercebida de minha presença em seu andar veloz que me repassa o clima de seu corpo veraneio mesmo no nevoeiro e na friagem incomum desse outono.

Ao suave das tardes, a mulher floral carrega uma menina em seus rastros e na mão, uma flor rosa-chá que procurou pelo caminho para me presentear.

A mulher-menina desce o sombrio vale de bicicleta trazendo o som das árvores e me faz sentar à sombra, lhe esperar a vibração dos dedos macios e quentes que hão de dedilhar a pauta desarmônica do meu íntimo. Na fantasia que me aspira a alma sinto um clima festivo no rosto sério da misteriosa senhora. Na ilusão que me eleva o ser à fervura, a bela dona é senhora de mim e me põe a dormir ao tranqüilo de uma esperança prazerosa. Seria nada mais que o meu olhar de moleque pedinte frente à mestria do seu corpo bailando na saia branca que se modela sensual qual violeteira espanhola? Será que é apenas nossa solidão que se atrai e une nosso corpo? É só o deleite da magia dos meus olhos que lançou nela a poesia? É o perfume inebriante da madame que atravessa os limites de minha atmosfera inspiradora ou tudo não passa de mais um amor reprimido que por fim adormecerá em nosso silêncio inconseqüente e vexado?

Só sei que o seu feitiço é irrecusável e que ela, a senhora mística, é branca e ardente ante à tenebrosa e frívola Baía de Guanabara em que nos beijamos para amenizar nossas álgidas solicitudes, sua boca rosal me sela com um beijo-não-beijo e derrama um pólen cuja tristeza de meus lábios se extingue, no seu olhar intrigante há um dizer-nada-dizer onde sua pele é minha-não-minha e seus afagos são meus-não-meus... e assim, ela se vai silente e enigmática pelo caminho de meu descaminho com a flor rósea presa nos admiráveis cabelos não percebendo todo o nobre e primaveril adorno que oferta à minha existência faminta de sua graça.
 
Foto: Google

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