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sábado, 14 de agosto de 2010

À hora do almoço por Sergio Martins




À hora do almoço, o trabalhador descansa abaixo da meia-sombra fugindo de mais um cáustico dia de verão. Tão logo recostou o alquebrado dorso na parede queimante e viu-se envolvido num olhar forasteiro abaixo da mangueira do seu empregador observando mais que as verdíssimas folhas e as mangas que, presumia, serem deliciosas e que talvez, poderiam cair sobre sua cabeça.

Tentou desviar os olhos da clareira solar e observou mais que sua pequenez de erva diminuta, ou sua triste lida suburbana, ou a fuligem colorida que subia do chão em pequenos redemoinhos, ou os quase imperceptíveis grânulos de água se evaporando feito alívio momentâneo endereçado ao seu poeirento atalho existencial; sentia que tudo aquilo se resumia ao seu próprio íntimo, àquilo do qual ele realmente é constituído: vertigem das emoções, refém de um oásis que só mora na esperança fraquejada, miragem pela sede jamais aquietada de chegar "lá." De modo que aquele breve descansar à sombra tratava-se, sobretudo, de uma controvérsia - o solo permanente de sua alma: escuridão em que se é possível encontrar alívio e calma.

O ingrato patrão lhe acorda aos gritos enquanto ele percebe uma manga madura no chão que possivelmente caíra enquanto divagava. Ignorando o chamado grosseiro e irônico, ele entende a surpresa simples e diária: o seu senhor é quem trabalha muito sem ter a paz que acolhe aos pobres, além de colocar na mesa do desprovido homem o pão e o vinho que o alimenta e o alegra na presença dos seus, os quais, tanto ama e é amado.

O homem se levanta ao estalo de suas costas sentindo o peso da idade e do seu mundo, o desgaste do seu corpo pelos forçosos serviços e da sensação de brevidade existencial. Observa suas mãos calejadas, desenhadas pelas rugas e extravagantes veias, porém, desta vez, suas mãos não estavam mais fadadas ao vazio, pois a manga que segurava lhe surgia como uma resposta ao seu desejo – fruto saboroso e permanente que nem mesmo seu patrão ou o cruel sistema poderiam lhe furtar. E foi assim que ele, apanhado de súbito pelo fruto que caiu feito milagre, seguiu sorrindo como há muito não fazia e sentiu-se tão leve e prodigioso quanto nos tempos de menino em que uma gorjeta ou um beijo de menina bonita e apaixonada faziam a mais eufórica festa em seu humilde mundo.


 foto: Google          

Um comentário:

Helena de Campos disse...

Ah, o prazer do gosto de fruta madura a saciar o desejo...

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