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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A casa da esquina - Sergio Martins



Na esquina da rua há uma casa se distinguia pela simplicidade e bom humor a brilhar diante das demais. Mas de pouco em pouco sua  beleza foi confinada ao degrado por tudo o que nela havia de frágil e uma nova tendência – a razão fria – envelheceu a jovem decoração da casa. O desgosto minou seus alicerces, provocou infiltrações e rachaduras, a estética detalhadamente arquitetada manchou-se de lodo e pichações, os vitrais embaçados não mostravam mais as expressões góticas e as paisagens rurais; é que a ausência do prazer trocado pela fria razão é pior do que o contrário, porque toda razão longe do prazer é uma fracassada tentativa de suicídio; isto é, a obrigação de ter que conviver com o rompimento da Graça de ser-estar...

As almas penadas que se aliviavam naquela guarida tranquila, agora se deparam com vultos e fantasmas; o lar que recebia os espíritos mais excêntricos sem vitimar-se, não pode mais fazer com que os demônios se tornem dóceis anjinhos. A tecnologia e a cultura material da felicidade alteraram toda a geografia referentes à casa.
Ainda trago na memória os vários cachorrinhos que já passaram pela casa antes que seus donos caíssem no engano de crer que o ser é substituível em prol do ter que deve ser amado; enquanto o ser apenas é mais um objeto do ter, de modo que é descartável.

A arte literária deixou de ser degustada junto com os petiscos e deliciosas bebidas à beira da piscina, o quintal visitado pelas crianças está repleto de folhagens secas e frutos estragados, a tristeza das árvores também se dá pela saudade das crianças que partiram juntamente com os pássaros que nelas se divertiam; o jardim começou a murchar quando foram buscar Deus fora dele; é que os político-religiosos entorpecidos pela ganância do poder – o que eles amam não é a pessoa de Deus, muito menos as atividades político-religiosas, e sim, o poder místico e a autoridade exercida entre os homens – esqueceram que Ele, Deus, fez o jardim para o homem - encontrá-Lo.

O tempo apagou as declarações de carinho residentes dentro de um coraçãozinho desenhado com giz de cera na parede da sala, os gestos afetivos se rebaixaram às acusações e os sorrisos foram trocados pelas trágicas lembranças acendidas nas fúnebres canções... A pequena bicicleta rosa e branca de rodinhas coloridas está enferrujada, as páginas poéticas do diário se amarelaram, a caixinha de música ofertada por alguém apaixonado vê-se quebrada, as baladas românticas dos discos de vinil, as fitas cassetes de musicais infantis, os brinquedos e os vídeos dos dias comemorativos entre família e amigos encontram-se amontoados e esquecidos num quarto onde se acumulam jornais, revistas, álbuns de fotos e cacaréus que documentam um tempo que foi livre e feliz – é o quarto-túmulo da sagrada e sonhadora vida que foi esquecida...

A casa da esquina, outrora simples e feliz que encantava a infância dessa rua, dia após dia está morrendo com a modernidade de uma época que não dispõe tempo para administrar o amor, pois está enfeitiçada pela ganância do ter.

       Foto: Google                                          

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