Escrevo pela ilusão de eternizar a beleza, pois é dessa poética que se alimentam os amantes da arte. O que realmente interessa-me é não frear o impossível: controlar as palavras - é a arte quem me guia. No momento em que as palavras me conduzem, mesmo levado pelas ilusões, exponho minhas únicas verdades... É nisto que contém sentido: tornar-me legível (para mim mesmo) mesmo com certa medida de obscuridade.
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
O Lustre - Sergio Martins
Vi no “O Lustre” de Clarice a razão de caminhar
à fuga de todo risco de não me elucidar:
harmonizar o trágico, a noite pra me guiar,
o desamparo de um flerte, Cubismo insano do olhar...
Restava o grito infinito dessa vida que eu quis,
parecia estar escrito no livro que o limite é um traço fraco de giz.
Aumentei o zoom, dei um clique neste palco infeliz;
acreditava que tudo era um circo, mas viver é um passo - a um triz.
sábado, 2 de novembro de 2013
Afrodite - Sergio Martins

Afrodite era a menina mais linda da favela. Não demorou muito para que ela fosse assediada pelas agências de moda.
Nunca soube exatamente o seu nome; mas na infância, chamavam-lhe de Dite.
A bela menina, por ser afrodescendente, recebeu o apelido de Afrodite. Ainda pequenina, ela desceu o morro e subiu na vida: trocou as sandálias gastas com as quais sambava na quadra da favela pelos saltos altos nas passarelas de todo o mundo.
Naquele época, eu era um menino assustado com o mundo e aquele era um tempo tão difícil que nunca consegui falar com Afrodite ou sequer esbarrar em seu braço pelas vielas do gueto. Certa vez, de cima da minha laje no alto do morro, a vi pela única vez daquela posição; não imaginava que jamais alguém poderia ver Afrodite de cima para baixo. Quando decidi olhar fundo em seus olhos e finalmente ouvir sua voz, ela já havia ido embora. Agora, a Deusa da Beleza não é mais Afro nem Dite e em seu trono num arranha-céu, assiste às notícias da favela com desdém; trancafiada no paraíso solitário e entediante dos deuses.
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
Outras primaveras - Sergio Martins
Na praia do Flamengo, a tarde desmaiava as cores e o olhar de menina morena parecia uma dança romântica onde o feliz e ébrio namoro faria par. Jamais me esquecerei de seu carinho intrigante e de como fluiu extravagante ao pé de seu ouvido um alegre poeminha.
Menina morena contava-me sobre culinária, o perfume das flores e a arte com toda sua história de tentar eternizar a magia da vida... Entre o encanto e o remar das águas, ela, eufórica, ria demais, fotografava, mergulhava e voltava mais brilhosa, qual verão depois da saudade... Morena menina, com toda sua felicidade, por vezes conseguia me convencer que dos deuses, a morte é apenas falácia... E eu, estradeiro e serrano, recebi um assopro forte de vento, senti muito frio e isso pareceu-me o despertar de outras primaveras... Fiquei absorto. Veio a mim um sorriso quase sarcástico exprimindo o absurdo frígido de minha leveza ao pensar que toda aquela divina beleza jamais poderia frear a impetuosidade de uma cabra-montês cuja viagem é longínqua e permanente.
A tarde, por fim desfalecida, abriu sua estrada escura onde a liberdade acolheu-me suave e macia...
quinta-feira, 17 de outubro de 2013
O casebre - Sergio Martins
Já na infância, Maneco construiu seu barraco. O barraco era horrível.
Maneco o detestava e tinha vergonha de morar naquele chão barrento. Não podia
acostumar-se com os ratos transitando pelas vielas do gueto e entrando pelo
portão, com o rio de lama que descia veloz pelos becos em tempo de chuva, com a
reação de algumas pessoas após informar seu endereço, com a falta dos
brinquedos desejados, das festas, de comida boa, de dinheiro para se divertir,
de uma família que lhe desse amor...
Seu melhor amigo, o moleque Washington, era catador de lixo e morador de rua. Ao pensar em Washington, Maneco sentia que tinha muito, um casebre. E isto passou a mudar seu olhar: menino Maneco, absurdamente, passou a encantar-se pelo seu barraco como uma soma de pequenos e diários valores que se constroem tornando-se indesprendíveis: o barraco passou a edificar em Maneco um lar doce lar. O casebre era um aperto. Não havia espaço para o sofá, para sua mãe com seus outros cinco filhos, suas roupas velhas e furadas eram guardadas em caixas de papelão, os poucos vidros da janela e das portas, quebrados e o restante de buracos por onde entrava vento e chuva, cobria-se com pano velho - o que o assaltava pela madrugada de um frio cruel em direção à sua cama curta – a cama e o colchão e o cobertor foram adquiridos por doação, por isso seus pés sobravam e se esfriavam demais –, viam-se ratinhos jantando nas sacolas de lixo do quintal, aliás, como tinha bicho naquele barraco! Pela manhã, formigas dentro do bule, nas paredes e na mesinha da cozinha onde se enfileiravam. Geralmente se apresentavam súbitas lagartixas e grandes borboletas que assustavam e no verão muita barata - às vezes, Maneco acordava com algumas baratas sobrevoando o armário sem portas ou por cima da televisão que um amigo havia achado num lixo, consertou-a e lhe deu como presente de aniversário. À noite, vira-latas faziam balbúrdia e os gatos se encontravam na laje da vizinha e miavam tão alto que era impossível dormir; isso quando os miseráveis não faziam de passarela as quebradiças telhas de seu casebre. Em algumas ocasiões, no momento em que tudo se acalmava e o sono vinha gostoso, os gatunos corriam pelo telhado fazendo um estrondo parecido com os estampidos provocados pela diária, cruel e letal brincadeira de polícia e ladrão que tanto perturbava a liberdade do bairro. Por lá, já apareceram corujas, micos, coelhos, cobras, sapos, gaviões, sabiás, pica-pau e até um caramujo gigante. Houve a época dos grilos cantando dentro dos tijolos e o som alto da vitrola do rádio que o vizinho bêbado deixava ligado à noite inteira; contudo, era prazeroso observar os pardais que entravam na cozinha para comer os farelos no chão.
Seu melhor amigo, o moleque Washington, era catador de lixo e morador de rua. Ao pensar em Washington, Maneco sentia que tinha muito, um casebre. E isto passou a mudar seu olhar: menino Maneco, absurdamente, passou a encantar-se pelo seu barraco como uma soma de pequenos e diários valores que se constroem tornando-se indesprendíveis: o barraco passou a edificar em Maneco um lar doce lar. O casebre era um aperto. Não havia espaço para o sofá, para sua mãe com seus outros cinco filhos, suas roupas velhas e furadas eram guardadas em caixas de papelão, os poucos vidros da janela e das portas, quebrados e o restante de buracos por onde entrava vento e chuva, cobria-se com pano velho - o que o assaltava pela madrugada de um frio cruel em direção à sua cama curta – a cama e o colchão e o cobertor foram adquiridos por doação, por isso seus pés sobravam e se esfriavam demais –, viam-se ratinhos jantando nas sacolas de lixo do quintal, aliás, como tinha bicho naquele barraco! Pela manhã, formigas dentro do bule, nas paredes e na mesinha da cozinha onde se enfileiravam. Geralmente se apresentavam súbitas lagartixas e grandes borboletas que assustavam e no verão muita barata - às vezes, Maneco acordava com algumas baratas sobrevoando o armário sem portas ou por cima da televisão que um amigo havia achado num lixo, consertou-a e lhe deu como presente de aniversário. À noite, vira-latas faziam balbúrdia e os gatos se encontravam na laje da vizinha e miavam tão alto que era impossível dormir; isso quando os miseráveis não faziam de passarela as quebradiças telhas de seu casebre. Em algumas ocasiões, no momento em que tudo se acalmava e o sono vinha gostoso, os gatunos corriam pelo telhado fazendo um estrondo parecido com os estampidos provocados pela diária, cruel e letal brincadeira de polícia e ladrão que tanto perturbava a liberdade do bairro. Por lá, já apareceram corujas, micos, coelhos, cobras, sapos, gaviões, sabiás, pica-pau e até um caramujo gigante. Houve a época dos grilos cantando dentro dos tijolos e o som alto da vitrola do rádio que o vizinho bêbado deixava ligado à noite inteira; contudo, era prazeroso observar os pardais que entravam na cozinha para comer os farelos no chão.
Quando chovia tinha goteira para todo lado, uma cachoeira nascia de uma
parede da cozinha e de tão frágil e fina espessura era aquele telhadinho que a
ventania e a chuva forte parecia destruí-lo. No calor, a pouca ventilação e o
telhado baixo faziam do casebre uma estufa.
Para construir o barraco foi um enorme sacrifício; não raramente, sem
nenhuma ajuda, Maneco subia a favela com tijolo, cimento, areia, pedra,
ferro... Seu corpo magro e anêmico, ao fim do dia ficava moído. E assim, as
colunas foram erguidas bem finas, as paredes tortuosas e sem emboço; com o
passar do tempo apareceram as infiltrações, o chão cedeu mostrando buracos por
todo canto, do banheiro muito mofo, areia acimentada se esfarelando, tinta
suprimida por lodo, água minando do chão e muito reboco se desprendendo das
paredes.
Naquele casebre não tinha tapete, máquina de lavar roupa, nem quarto;
apesar disso, naqueles poucos metros de aperto cabia muito amor e amizade que
Maneco experimentou e muita vida feliz que o tempo não pôde confiscar.
Maneco era autodidata; intelectual. E por ter estudado bastante e
formando-se em ciências tecnológicas, conseguiu empresariar seu próprio
negócio, dando assim, uma vida confortável aos seus pais, irmãos, esposa e
filhos. Moleque Washington saiu das ruas e veio trabalhar com Maneco. Mas atualmente, a correria pelos empreendimentos e essa ideia de
maturidade de gente grande parece roubar de Maneco o colorido do tempo em que
era menino desprovido, solto, peralta e feliz. Agora, todo o universo dos
negócios que exila o coração de Maneco, o enriquece de saudade, de um desejo de
manter a vida mansa e simples, os amigos e toda a paz que a pobreza daquele
antigo casebre lhe ofertava e deixava sobrar.
domingo, 13 de outubro de 2013
Claridade - Sergio Martins

Dona Lúcia havia ficado sem energia elétrica, pois o eletricista bêbado disse para ninguém tocar nas tomadas até ele voltar e terminar o serviço. No outro dia, pela manhã, esquecida do conselho do eletricista antes mesmo de notar as novas tomadas, num impulso costumeiro, por intuição, dúvida, curiosidade e anseio de claridade, apertou o botão. E para a surpresa de todos, as luzes se acenderam.
Plano - Sergio Martins
Toda vez que o Smartphone toca: “I miss you” você responde: “I miss you
to”.
Seu olhar ainda toca os dedos de Jack enquanto ele lhe ensina os truques
de computador e quando ele ouve o Johnny Cash é porque seus últimos dias
parecem uma voz sepulcral, um timbre de lágrima seca; mas após beber toda a
taça de seu vinho de abacaxi, sempre vem uma noite de prosar em alegrias...
Um dia você disse sobre indecisões e confusões e alguém te perguntou:
você tem um plano? Então, Jack se calou pensando: “planos, linha retas,
bom-senso, perfeição... toda essa estrada muito certinha deve ser tão chata e
cansativa...! Meu bem, há tempos desejamos e hoje brincamos nesse gira-gira
parecido com o mundo em seus movimentos luzentes e coloridos que não se encaixa
a tais planos inflexíveis... Já são meses sem tomar antidepressivos, por isso,
vamos dormir tarde, isto é, acordar bem cedo para o que sonhamos...”
Você não sabe desligar esse aparelho, nem recorrer à eutanásia e Jack só
tem um guarda-chuva bem grande para esses dias... É, você diz que vai mal e não
tem um plano... Mas Jack parece sentir que o amor tímido de sua menina
permanece forte e crescente diante do temor que a iminente morte nela provoca -
como quem não se sente falecida e por isso não pode receber o buquê de flores
que enviaram para o seu imerecido e precoce funeral.
Domingo - Sergio Martins

Porque é domingo, jogo futebol pela manhã, nunca assisto TV, passeio de bicicleta, uso a máquina de escrever, ouço vinis, faço desenhos, o passarinho do vizinho parece desconhecer o silêncio, (há anos ela, a bela menina, me chama pra almoçar e talvez nunca desista porque de vez em quando eu atendo seu convite), os amigos também me querem por perto nesse horário, eu sinto uma necessidade enorme de passear de bicicleta, de ver se as flores já brotaram ou se as árvores passam bem... Para os beatos que vêm ao meu portão me dar boa educação religiosa, digo que sou ateu e agradeço a visita. Na infância, a contragosto, eu era levado à igreja, lembranças de domingos vazios; desperdiçados no devir religioso... O pesar de ter vivido esses dias vãos - transformados na alegria da libertação - agora me põe ao trabalho de embelezar a esquisitice dominical: ver o transitar das pessoas na feira, sentir o cheiro das frutas, encontrar gente interessante, tomar caldo de cana, comprar laranjas e mangas e de vez em quando o camarão que preparo no alho e óleo. Já disse que o domingo me remete ao trabalho, mas o sentido maior desse esforço é a certeza de seu resultado: o prazer. Domingo é isso: o prazer de reencontrar a infância e saborear das velhas e paradisíacas brincadeiras...
A travessia - Sergio Martins

Não era porque eu ouvia o primeiro movimento de uma sonata em piano de Mozart ou porque as gotas de chuva na estrada de terra formavam passos em direção à outra estrada. Talvez fosse o fato de eu preferir estar sempre naquele lado da rua e ter a presunçosa certeza que de lá não sairia... Do outro lado, estava a velha moradora de rua e ela resolveu movimentar-se e chegou ao lado de cá onde os jovens universitários foliavam ao samba. Ela entrou na roda samba e dançou mais que todos...
Sei que fato como este palavra alguma poderia definir, porém, isso me direcionou como se eu também pudesse apenas viver a minha vida e tão logo, sem hesitar, consegui atravessar a rua...
sábado, 31 de agosto de 2013
Diminuído - Sergio Martins
Ela que conhece muito
bem as gaiolas fechadas,
está longe, dormindo
em paz - livrezinha.
Enquanto eu, diminuído nessa cama confortável,
insone de tanto ler a mim
mesmo - livrozinho. Enquanto eu, diminuído nessa cama confortável,
Nonsense - Sergio Martins

Você chama de nonsense a artista que te ama loucamente, ela, câmera, luz e ação, dá mil cliques para ter seus olhos e, voce, mil voltas sem curtir nenhuma, pois não sabe compartilhar o pão e, talvez, nem saiba quando floriu um sorriso de verdade em seu rosto...
Você reclama da política, mas só muda suas roupas, seu carro e o seu cabelo, é por isso que para aquele mar, este barco é só mais um - pequeno e perdido de vista... Acostumada com o doce da vida, eu não soube mais voltar ao conforto entediante de sua casa, pois é nesta estrada de liberdade e de poeira natural que mora a felicidade, mas você sempre está decidido a parar de parar ou seguir só por seguir entre monóxidos de carbono e suas amizades chiques...
Vá trocar o disco, Boy... Quando o último a saber seu nome não existir, será que ainda acharás que é o Homem de Aço e que seu St. James 15 anos é melhor que um divã?
Vá trocar o disco, Boy... Quando o último a saber seu nome não existir, será que ainda acharás que é o Homem de Aço e que seu St. James 15 anos é melhor que um divã?
sábado, 24 de agosto de 2013
À janela - Sergio Martins
As letras de dias eufóricos se desbotam e caem das paredes do quarto feito sonho interrompido na noite tempestuosa, a tatuagem gótica dói porque é vã, os poemas, então, frios, perdidos pelo corpo, pelas canções que tocam sem tanger a alma... Aos domingos de Agosto espera-se, num torpor obsessivo, numa quase tendência autodestrutiva, o florescer anual do mesmo Ipê amarelo, como um espectro preso ao mundo que não é mais seu - como se toda a beleza fosse de outra vida para que em outra vida haja a resposta do desejo...
Às 07: 30 tremulavam as mãos frígidas, havia lembrado que sua fome era menor que o prazer de estar na mesa com quem gostava de saborear a geleia de amora com torradas e brincar com o chantili sobre o café ou do sorvete de flocos que era sorvido cantando a música engraçada...
Nas regeladas tardes, quando a imensa lua não podia ser vista, tudo era como um amor de borboleta na degradação do jardim; porém, na conjuntura de quem tem a vida inteira para amar, permanecera ali; observando pela janela um mundo a anoitecer. E isso era como não ter quem a fizesse lembrar-se de seus esquecimentos repentinos...
Na madrugada, vez por outra, pela rua quieta passava um negro gato perdido de seu lar e à sua memória vinha a certeza que na reencarnação da poesia, ainda que saindo de si, com o tempo tudo volta ao normal e que sempre teria as vozes do mar e por isso, dessa vez ela não chorou e até mesmo ensaiou um tímido riso quando recordou da velha certeza: há tantos outros peixes no mar...
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
A flor azul - Sergio martins
A primeira vez que vi essa alegria no meu quintal, em agosto/2013, foi amor à primeira vista! Fiz este texto para ela:
Agora, são os prédios trazendo essa umidade que deteriora os móveis, esses dias sombrios sobre as casas, trancando os ventos que bailavam com as borboletas...Os quintais sofrem a saudade das coloridas luzes matinais que levitavam poeirinhas de água, a lua ausente e as poucas estrelas perdidas de vista... Por toda a cidade, nossos olhos parecem cinzentos como os outdoors, o barulho das pessoas e dos carros seguem desequilibrados e rudes...
A modernidade é este mofo corroendo a suavidade do tempo e as lembranças de quando brincávamos no gira-gira desse jardim...
A modernidade é este mofo corroendo a suavidade do tempo e as lembranças de quando brincávamos no gira-gira desse jardim...
Eu, em minha revolta impotente, vi nascer uma flor azul em meio ao lodo, mergulhada na escuridão... Grato, ri da aparição transcendente e inesperada — semelhante uma aberração produzida por essa convivência frígida e escura. Isto me sussurrou como um inédito e raro motivo para viver — feito o movimento poético-filosófico, do qual, toda a vida necessita para produzir mudanças...
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Sofia & Amélie - Sergio Martins
Sofia ficou intrigada com a
vizinha que enviava flores para ela mesma, pois nunca recebera rosa alguma de
alguém. Até que resolveu plantar uma
roseira para a tal senhora.
Amélie não tem ossos de vidro e
por isso pode suportar a vida; ela parece ter a força de ajudar o mundo
inteiro.
Sofia ama o ipê roxo que plantou
em seu quintal, toma Sundae, solta bolhas de sabão pelo ar, reverencia
bailarinas de caixinha de música e adora as crônicas do Rubem Braga.
Amélie dança rock e gosta de
balé. Assiste filmes de Almodóvar sem legendas e curte as peças teatrais da tia
Emília.
Ambas amam culinária e
fotografia, têm máquina datilográfica e vinis dos Beatles, riem de seus pais
esquisitos - Undergrounds moderninhos que não podem se livrar da eterna
juventude. Aos domingos, pedalam bicicleta.
Quase sempre, passeiam bem devagar em meio à multidão veloz; às vezes, sem destino.
Sentam na grama da pracinha, observam as pessoas, talvez, para se sentirem um
pouco menos deslocadas. Elas admiram
fadas e mulheres revolucionárias: deusas que criam e cuidam de seus mundos que
encantam outros mundos para fugirem do sombrio frígido...
Meninas Sofia e Amélie, distantes, quase se tocam; se tateiam no escuro de suas noites chuvosas, feito irmãs que se amam; como se conhecessem apenas o Rio e seus caminhos das pedras, mas que agora, perdem e acham-se ao navegar em seus mares e nortes desejados...
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Capim - Sergio Martins

"Neste Jardim Novo*, através de um espelho quebrado, vi um capim invernando num cantinho qualquer de calçada."
*Sub-bairro de Realengo/RJ - onde resido
Jardim Novo - Sergio Martins
"O Jardim Novo* é um agosto que não passa."
* Sub-bairro de Realengo/ RJ - onde resido.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Vem - Sergio Martins

Vem voar nesta calmaria da tarde de Julho que desfolha
para limpar, para mudar e colocar tudo no lugar
– os poemas soltos brincam pelo ar e eu vou pegá-los...
Lá fora, a chuva faz canção,
aqui dentro, brisa, toque suave
- leve e eleve-me; veleje, bebe, chore, molhe-se...
Vem sentir esta viagem, o amor que chama a chama a dois:
sua voz, minha doce canção na fogueira maior que a razão...
O silêncio chega, o frio vai, esses olhares ficam...
Vem fazer o que tem que ser feito, vem pra ter o poder de criar
este nosso clima, neste mar, meu lar feliz: nosso pão, nossa poesia.
O poeta e a poesia - Sergio Martins

Poeta é aquele que sabe dizer belas palavras a todos mesmo quando não recebe carinho de ninguém.
Poeta não é só quem faz poema ou quem sabe descrever o mundo em que vive, mas sim, quem respira a beleza, o cheiro das flores, os olhos das crianças, o sorriso das pessoas, quem detesta ver os cachorrinhos abandonados pelas ruas, quem sempre chora quando matam uma árvore, quando vê um passarinho preso na gaiola...
Poetas têm mágica nos olhos, olhar viajante; estrangeiro. Todos os dias, de manhã, o poeta recebe novos olhos que lhe permite um olhar de primeira vez para o mundo, são olhos que se surpreendem todas as vezes que enxergam a mesma beleza. Poetas têm asas e a qualquer momento podem correr entre as estrelas, voar com os pássaros, saltar do alto de uma cachoeira, ir ao fundo do mar ou conhecer qualquer planeta sem precisar sair do lugar; pois suas casas e asas ficam em seu mundo real.
Poetas fazem belas canções, peças de teatro, esculturas, pinturas, objetos artísticos, novelas, filmes, livros, castelos e outros mundos para que gente grande nunca deixe de ser criança feliz...
O poeta é rico sem precisar de dinheiro, pois consegue dançar com o vento, entender as estrelas, conversar com as borboletas, sorrir de si mesmo, dormir cansado de tanto brincar com o mundo, sonhar com o mar, com os animais, com os índios, com a floresta, com os amigos e depois de tudo, acordar bem cedo para ver o dia nascer grande onde caberão mais brincadeiras, mais amor e felicidade.
A poesia e o poeta - Sergio Martins

O que é poesia?
A poesia é o instrumento de trabalho e de diversão do poeta.
O poeta é o instrumento de trabalho e de diversão da poesia.
O poema é a sua rua, a sensibilidade é a sua casa;
regras, programas, métodos... iguais a matemática,
é o caminho das pedras em que o poeta não sabe andar.
Se ele tentar pintar um navio acaba desenhando uma flor,
se lhe pedirem uma redação sobre o frio ou calor,
No meio do caminho, ele só saberá falar de amor.
Ele faz uso das palavras, as palavras fazem uso dele.
No momento de escrever não existe pressa, não existe calma,
não existe tempo, existe tudo ou nada; tudo é arte, tudo é alma!
Todos os seus momentos são especiais, sua vida inteira é doce canção:
as pessoas, o tempo, a natureza, o mundo e toda sua circulação...
A vitória ou o fracasso, o belo ou o feio, sempre é sua inspiração.
Poesia é beleza que mora no olhar - o poeta consegue vê-la;
e se ele tentar explicá-la nada sai da caneta,
se quiser a orquestra o silêncio lhe ensurdece,
se quiser o silêncio a orquestra lhe aborrece,
pois, é a poesia que usa o poeta quando ela bem entende.
No infinito de sua motivação,
ele acha seu prazer mergulhando no mar da imaginação:
o poeta é uma folhinha no céu dos sonhos,
a poesia é o vento de emoção,
e nesse eterno namoro de paixão
ela é a sua vida que só faz o que lhe pede o coração.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
A ponte - Sergio Martins
Em você faço uma viagem para dentro de mim: a imagem do teu rosto ao despertar pela manhã é tão engraçada como o momento em que se entregas ao sono, o carinho que puseste em cada pequeno gesto para servir-me de alegria ainda me surpreende como o entardecer à beira-mar, a festa dos teus olhos guiada pela algazarra desse menino grande me é tão prazerosa quanto a música dos teus lábios e tuas raras e preciosas palavras de amor... Mas na volta da viagem tudo volta à rotina; entretanto, o meu olhar ainda embevecido pelas novidades põe uma admiração extravagante em toda a simplicidade costumeira: na tua rua, o vira-lata que dorme embaixo de um carro velho parece mais dócil que às vezes em que sua cauda giratória me cumprimentou, as flores entre os capins da esquina estão mais elegantes, o resto da poça deixada pela chuva na calçada de tua casa lembra até o banho do mar escuro no crepúsculo vespertino, a torrada que molho na xícara de café traz a cena em que o moleque mergulha na lama de um pedaço de barro em que improvisou como sendo o seu campo de futebol, os farelos de pão sobre a mesa parecem areia litorânea tecida com fragmentos de conchinhas e os dedos que juntam estas migalhas assemelham-se às crianças atiradas contra a orla; como se fossem ondas rolando leves e macias..
Há uma certeza que me é satisfatória quando vejo nosso sorriso nas antigas fotografias, nos filmes que vimos e fizemos, na imensidão colorida no dia de sol, nos gotejos amoráveis do céu de Julho, nos gravetos e folhas sobre o barro mole, nas tuas pegadas desenhadas no colchão fundo de grama, na espuma sobre o mar pela manhã, nas carícias de luar primaveril, nas noites abraçados na varanda, nas flores que apreciamos, no voo baixo das aves marinhas, no canto dos passarinhos, na celebração com que seguramos o coco apanhado aventureiramente nos coqueirinhos da estrada feito troféus, as alegrias em família, o choro, a irritação brusca e passageira, a sua companhia até a porta no momento sofrido da despedida, a massagem dos teus pés nas minhas costas, teus cabelos agarrados às minhas camisas, o meu amor preso ao teu coração... Tudo nos faz crer que tudo mesmo é feliz; até mesmo o atravessar a ponte para construirmos nosso lugar ao sol no mundo que é só nosso...
Porta fechada - Sergio Martins

A porta continua fechada desde a violência de um vento estranho... Como se eu fosse um espectro, no velho casebre, as coisas tocam meu corpo enquanto as pessoas que por aqui circulam não melodiam minha alma...
Do espelho, um passado estilhaçado. Da vidraça, uma barreira escura entre o que sou e onde estou. Nos retratos, enxergo que sou todo-ontem. No quadro embaçado, onde os dias de ação de graça não disfarçam as rugas desse rosto, a poeira esconde os dias ensolarados... A varanda vazia, o quarto minguante - para uma lua distante -, a cozinha sem os sabores festivos – é a fugacidade da esperança no funeral de mais um ano que deveria ser novo...
Quando me dei conta do término do outono eu estava diante do esplendor desse planeta azul, contudo, não senti aquela canção e o mesmo aconteceu quando não vi o céu venusiano de Julho; apenas sei que cheguei na mesmice pela qual não consigo mais abrir a porta.
Gaiola - Sergio Martins

Ultimamente, os pesadelos resolveram me alcançar: você passa cabisbaixo pela estrada poeirenta ignorando o meu chamado, e eu , transeunte daquele caminho barroso e agourento vejo tua face maculada de rancor como bandeira inimiga conquistando o meu reino indefeso, tua boca de nobre delícia onde entrava o ar de minha vida exalando seu único e imenso amor, teu corpo escurecido pelo sol era o papel em branco onde eu deveria desenhar minha história...
A tarde desmaia enquanto fico paralisada, vejo o seu distanciar calado como um andarilho perdido que se entrega ao frio da morte num pântano tenebroso, suas costas envergadas que parecem carregar o peso de um mundo intratável semelhantes aos meus olhos decaídos de vergonha e medo...
Neste frio, o céu se veste de obscuridade e você, menino livre, ainda é o astro maior em que me banha de luz: seu carinho incomum, sua voz que fica em mim, seus passos largos que me levam ao parque de suas diversões, seus quadris dançantes, suas mãos quentes sobre a nevasca de minha epiderme... E longe do teu amor estranho e alegre, eu me vejo inerte como um pássaro agonizante na Gaiola...
Meus limites - Sergio Martins

Quando naveguei por puro medo de estagnar, o mar, embora convidativo, não era festivo. Em todo o tempo que estive ausente para não ver em teus olhos as minhas verdades, deslizei na superfície extensa de uma futilidade que ofertou-me paisagens eufóricas e decrescia-me de uma beleza triste: a saudade com que me punha diante da vida.
Agora, estagnado em terra firme, vou içar nossa bandeira e atravessar antigos limites...
A chama - Sergio Martins

A forte chama convoca o fraco, clama alto em desejos ardentes para incendiar sua nascente esperança.
Vislumbrante chama que a todos chama a atenção pelo nome de clareza e bondade nos fazendo entoar doces canções na escuridão dessa crueldade.
Chama que nos faz chamar pelo coração, que o presenteia com o morrer de rir pelo mágico presente, que corta sua emoção pela saudade e que o emudece pela angústia de tanto chorar pelo passado.
Chama que cura o corajoso e o rico, que adoece o fraco e o pobre.
Encantadora chama que grita até nos ensurdecer para a razão; é a chama prazerosa que vicia e aquece o frígido de uma fervente tortura, que dá cor a todos os sonhos ou que não atenderá ao pedido do infeliz, que a tudo inverterá e destruirá o que sempre desejamos.
terça-feira, 16 de julho de 2013
Rosa e Jasmim - Sergio Martins

Pássaro distraído lançou semente que brotou.
A terra voltou a ser feliz depois que engravidou.
O céu deu chuva e sol,
arco-íris no arrebol,
noites estreladas, brisa no amanhecer
e orvalho de alegria pra gente não esquecer
de aflorar a vida,
de colher as novas do jardim;
do prazer sem despedida:
amor de Rosa e Jasmim.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Soneto de menino - Sergio Martins
Dormindo em paz, o bebê no colo materno
traz-me a ânsia de reclinar satisfeito
no solo de amor falso deste mundo estreito
onde não querer ser adulto é sonhar no inferno.
Deitado nas esquinas ou nas praças, o menino flagelado
faz-me - em vão procurar nossos pais e a chorar -,
desejá-lo em meus braços e entoar sua canção de ninar
depois de brincar e de vê-lo dormir feliz no leito aquentado.
Quero ser criança. Por isso, sofro com a infância desamparada...
Sou um menino em prantos, refugiado na luz cinza dos mortos,
amedrontado pelos uivos da floresta à décima segunda badalada...
Mas não é o medo do escuro que assusta e a saudade que aprisiona;
são os monstros gigantescos - os “mais velhos” infernais; e se sinto as
dores do mundo; é porque o menino abandonado não me abandona.
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Faltou pouco - Sergio Martins
Corpo frio, água morna, sol de inverno...
Foi-se o luto que já não pode demorar mais que a dor...
De toda morte, disse: “luto por quem me roubou o luto”.
E por ser ele, sempre ele mesmo, não pôde viver pelos
mortos, pelo que é falecido...
Sendo ele, homem vívido e só, vê-se no menino festivo à
beira de novas e belas estradas...
Foi uma febre, uma moda das sensações, a arte pela arte, o
espelho, espelho meu (e seu) tão venerado, a distração que trouxe o inesperado
prazer, suas verdades em provas...
Ficou apenas toda sua felicidade e estranheza em ver beleza no caminhar solitário...
Faltou pouco, ficou num quase de água quente, de corpo e alma, de inverno e de sol...
Faltou pouco, ficou num quase de água quente, de corpo e alma, de inverno e de sol...
Das alegrias de viagens - Sergio Martins

Tudo o que amamos queremos eternizar.
Quando o alimento é prazeroso desejamos a degustação calma, como o despetalar sem pressa de uma flor, o vagaroso desnudamento do prazer... O que nos alimenta a alma e o corpo nunca é apenas alimento, por isso ansiamos que a fome jamais termine. Amor é arte antropofágica. Nele, nunca há a mera necessidade pelo saciamento da fome; tudo é o prazer do compartilhamento, a beleza que alimenta os olhos, a graça da arte culinária: refeição simples e extraordinária de cada dia... Viver é comer e dar-se de comer... Somos tudo o que do corpo e da alma comemos - num ciclo vicioso: amor ao prazer, vício pelo prazer - contrariamente ao prazer pelo vício...
Quando o alimento é prazeroso desejamos a degustação calma, como o despetalar sem pressa de uma flor, o vagaroso desnudamento do prazer... O que nos alimenta a alma e o corpo nunca é apenas alimento, por isso ansiamos que a fome jamais termine. Amor é arte antropofágica. Nele, nunca há a mera necessidade pelo saciamento da fome; tudo é o prazer do compartilhamento, a beleza que alimenta os olhos, a graça da arte culinária: refeição simples e extraordinária de cada dia... Viver é comer e dar-se de comer... Somos tudo o que do corpo e da alma comemos - num ciclo vicioso: amor ao prazer, vício pelo prazer - contrariamente ao prazer pelo vício...
Amamos a paisagem e dela fazemos um retrato para eternizar aquele momento mágico que nos encantou... Quem ama abre a gaiola porque tem prazer no voo do pássaro. Há pássaros que voam sempre lado a lado (como acontece no casamento), feito tentativa de
eternização de um amor correspondido... Mas há a beleza rotativa que perdura no
íntimo dos estradeiros que se apaixonam pela mesma paisagem muitas vezes, esses são pássaros solitários, de voos longínquos, que só podem ser feliz viajando, levando pólen de alegria por onde passam...
Há pássaros que amam intensamente; mas têm a necessidade de viajar...
Há pássaros que amam intensamente; mas têm a necessidade de viajar...
Amores de viagens - Sergio Martins

Uma paisagem é amada, de modo que será eternizada na tela do pintor. O que os olhos desejam perpetua-se no sentimento: vontade-necessidade que se é pintada/fantasiada, vida que se torna nova - arte. Até que chega a hora de o quadro ir... A saída do quadro é ausência que dará ao pintor a oportunidade de criar, de captar outras belezas... assim, sua arte se torna sempre nova - vida.
A viagem da pessoa desejada, a perda do suposto (auto)controle... Para alguns, a ausência do objeto do desejo pode ser tão drástica quanto a luta de um peixe fisgado contra a inevitável morte. E penso que há tantas mortes que uma pessoa pode experimentar - mortes sem sentido algum/desperdício de vida... Belas pinturas nos quadros que se vão, distância e saudade unindo a criação (arte) ao seu criador, repetição de idas e vindas...
O pintor sabe que em tudo terá de pôr novas cores para que sua existência tenha sentido: aceitar a perda e a morte com leveza, absorver o prazer de cada instante - o nascimento/a ressurreição de cada amanhecer... Amores de viagens têm sabor agridoce - dor de um prazer que prossegue.
segunda-feira, 8 de julho de 2013
O homem do saco - Sergio Martins
João tinha muitos sacos e com eles dizia gozar
ardente alegria de viver.
Para Maria, todo dia ele tinha um saco especial
feito dor de um prazer.
Maria brincava e brigava - de encher o saco diário
de João,
até que o homem do saco viu-se ensacado de
aflição...
Hoje João é homem sem saco e sem nenhum Vintém,
Pobre João, já não tem mais saco pra nada e
ninguém!
A mulher de bolas - Sergio Martins

Maria tinha tantas bolas cheias que
assim se dizia muito feliz.
Com a bola toda, dava muita bola pra poucos;
empinando o nariz.
Infelizmente, a bola mais preciosa
Maria deu para João;
ele a chutou e perdeu-se da bola: a
mulher viu-se que nem bola ao chão...
Hoje Maria apenas bola murcha tem.
Maria não dá mais bola pra ninguém.
Duas galinhas - Sergio Martins
São duas galinhas: a boa e a ruim.
A ruim brinca com um só galo e não tem um amigo.
A boa se dá bem com todos.
A ruim, para não dar, consegue ficar sem comer.
A boa dá de comer.
A ruim não será comida no Natal.
A boa é festa; alimento dos meus olhos.
A ruim “dá ruim” para dar um ovinho.
A boa cuida bem de todos os seus ovinhos.
A ruim não canta; apenas resmunga e
até pra namorar arruma confusão .
A boa é feliz e sabe dar carinho aos seus galos e galinhas.
A ruim é amargurada, estranha e doente.
A boa, embora magra, esbanja saúde e nos dá muito prazer.
A ruim, de tão ruim, nem lembra que tem pinto.
A boa não deixa seus pintos morrerem.
A ruim não canta; apenas resmunga e
até pra namorar arruma confusão .
A boa é feliz e sabe dar carinho aos seus galos e galinhas.
A ruim é amargurada, estranha e doente.
A boa, embora magra, esbanja saúde e nos dá muito prazer.
A ruim, de tão ruim, nem lembra que tem pinto.
A boa não deixa seus pintos morrerem.
A exímia jogadora - Sergio Martins

Não vá competir comigo,
meu jogo é café com leite,
tudo vai ser sem graça,
serei previsível...
Meu querer é um outro falar, já estou do lado de lá e tornei-me um estranho pra você; então, nem adianta ver se estou na esquina, é isso mesmo, não pague pra ver, siga seu curso de rio inquieto, deixe-me aqui no meu porto inseguro, pois esse menino travesso e irresponsável só quer folia.
Desfaça esse batom brilhante porque você entendeu tudo errado, na realidade, minha aparência te enganou; não acredite tanto em mim quando eu estiver na companhia de um Chivas Regal 12 anos. Olha, minha casa será esse samba de crioulo doido de sempre, meus queridos amigos que você não suporta jamais sairão daqui e eu pareço louco mesmo; meu carnaval dura o ano inteiro.
Jogar comigo é covardia eu sou água com açúcar, o velho bobo de todo dia...
Mas me diga, você não sabe perder, rir da própria derrota, se admirar com a tática adversária?
Será que você é só essa boneca de vidro, apenas uma exímia jogadora?
Quer saber duma coisa? Desconheço caretice e monotonia, mas às vezes, é melhor ficar com meus carrinhos de ferro e bonecos de mangá a brincar com seu Tomara que caia e com seu pequeno vestido de lycra que desafia a lei da gravidade.
Sou mesmo esse apolítico sem religião e você nunca vai saber como é viver no velho oeste onde há tiroteio quase todos os dias...
É, como o mundo dá voltas! E você só veio me procurar quando tudo se tornou entediante...
Que se dane minha educação, toda a teoria sobre coisas do além, metafísica ou como ser um menino certinho; até te entendo, sei como é chata e deprimente a vida dos conservadores...
Já perdi as contas das vezes que lhe pedi:
não jogue comigo,
não vá furtar o doce da boca da criança...
tudo vai ser sem graça,
serei previsível...
Meu querer é um outro falar, já estou do lado de lá e tornei-me um estranho pra você; então, nem adianta ver se estou na esquina, é isso mesmo, não pague pra ver, siga seu curso de rio inquieto, deixe-me aqui no meu porto inseguro, pois esse menino travesso e irresponsável só quer folia.
Desfaça esse batom brilhante porque você entendeu tudo errado, na realidade, minha aparência te enganou; não acredite tanto em mim quando eu estiver na companhia de um Chivas Regal 12 anos. Olha, minha casa será esse samba de crioulo doido de sempre, meus queridos amigos que você não suporta jamais sairão daqui e eu pareço louco mesmo; meu carnaval dura o ano inteiro.
Jogar comigo é covardia eu sou água com açúcar, o velho bobo de todo dia...
Mas me diga, você não sabe perder, rir da própria derrota, se admirar com a tática adversária?
Será que você é só essa boneca de vidro, apenas uma exímia jogadora?
Quer saber duma coisa? Desconheço caretice e monotonia, mas às vezes, é melhor ficar com meus carrinhos de ferro e bonecos de mangá a brincar com seu Tomara que caia e com seu pequeno vestido de lycra que desafia a lei da gravidade.
Sou mesmo esse apolítico sem religião e você nunca vai saber como é viver no velho oeste onde há tiroteio quase todos os dias...
É, como o mundo dá voltas! E você só veio me procurar quando tudo se tornou entediante...
Que se dane minha educação, toda a teoria sobre coisas do além, metafísica ou como ser um menino certinho; até te entendo, sei como é chata e deprimente a vida dos conservadores...
Já perdi as contas das vezes que lhe pedi:
não jogue comigo,
não vá furtar o doce da boca da criança...
domingo, 7 de julho de 2013
O Shopping Center - Sergio Martins

O
capitalismo, este mágico engenho que se empenha
pelo fim do esforço braçal e propõe a elevação de nossos degraus financeiros,
deixa-nos hoje (aqui no Brasil, país longe de ser industrializado,
pois fomos industrializados, ou seja, toda evolução que acompanhamos não
passa de uma nova forma de colonização, exclusão racial e social em longo
prazo) uma herança moderníssima em mão-de-obra desvalorizada, o trabalho escravo instituído pelo monopólio da “justiça”; em alto índice de
desemprego, ameaças de globalização (para os países pobres este é um mecanismo
excludente de suas expectativas de crescimento), a patológica terapia do
consumo que devora principalmente os que quase nada consomem, a massacrante
padronização do bem estar e autorrealização, a deprimente ideologia que faz o
homem valer o quanto possui, a mentira de que todos podem conquistar o “sonho
americano”, a cruel promessa na pseudo felicidade, o enganoso conceito de
que é pela via do trabalho que se consegue a dignidade, a aversão ao ócio
criativo como fuga para a autonomia intelectual, a alienação da maioria
traduzida na atitude de confiança absoluta e excessiva no sucesso...
"O
homem moderno, embora evoluído tecnologicamente, parece estar encarcerado num
Shopping Center onde tudo é vendido (mesmo que não se possa comprar tudo) e
quem acha que tudo se vende ou se compra, ao perceber que aquilo que mais
necessita não está à venda; entende o mal advindo das propostas do capitalismo."
No
termo Shopping Center do qual faço uso, não sugiro nenhuma intriga minha para
com o mesmo; apenas o escolhi como alusão à torrencial aflição capitalista que
se apresenta nesta geração como o centro opressor mais nocivo de todos os
tempos à civilidade.
Os
amantes de Shoppings discordarão de mim e com toda razão, podem até usar o
argumento de que um templo religioso seria a melhor analogia para este texto e
que em vez de “lugar de suplício do corpo e da alma”, o Shopping pode ser
considerado como um recanto de civilidade e diversão. Concordo que no templo da
ostentação da classe dominante onde se é propagado o poder imperialista também
haja uma junção de civilidade e diversão e longe de ser um nacionalista
fanático que só consome produtos nacionais (inclusive, pela impossibilidade,
porque o Brasil está mais para estadunidense do que nunca), deixando claro que
também visito alguns Shoppings; no mais, independentemente de apreciar o
estrangeiro, bem que eu queria ver o meu país angariar altos degraus no seu
P.I.B., na mão-de-obra que é excepcional, na cultura artística, na Amazônia e
em toda sua riqueza urbana e rural e deste modo, seus líderes políticos
aprendessem com os erros da história e com os exemplos de outros países a
renascer dos destroços em vez de caminhar rumo ao precipício em nome da
civilidade divertida (não é à toa que o Brasil é conhecido como país do
carnaval e do futebol).
Ora,
nem sempre a concepção ideológica de civilidade e diversão na sociedade foi e é
racional ou positiva. Na antiga França, por exemplo, os palácios reais recebiam
a massa aristocrática para os banquetes e lá havia “civilidade” e muita
“diversão”, que incluía o espetáculo da quebra de pratos, de mesas lançadas ao
chão, cuspiam-se nos salões e assim por diante, na Ilha Fiscal, dias antes da
queda da Monarquia portuguesa, o último baile do império mostra bem o que quero
dizer, em Roma, além da carnificina na arena que era um espetáculo público,
havia os almoços que duravam até a noite ao passo que o povo tentava sobreviver
à fome e à pobreza e hoje, aqui no Brasil, são as posses, as viagens dos
políticos, os carnavais e os novos estádios que se tornaram máquina de dinheiro
para os cofres das autoridades - todos esses gastos com dinheiro público em
nome da diversão e civilidade. Sobre a ostentação do passado, há quem diga que
para um evento sócio-cultural da época, não havia nada de errado, todavia, este
pensamento anula a possibilidade de entendermos a cruel demonstração do poder
burguês acima do povo impotente.
Hoje,
o conceito de civilidade ainda é o mesmo, em vez de “acordo e união comuns para
o bem estar do todo”, significa “agrupamento de alguns visando suas ambições
egoístas”. Ademais, não são poucas as sociedades individualizadas em seus
grupos egoístas (a comunidade religiosa que só partilha os bens entre si
almejando a destruição de outras comunidades religiosas, o grupo dos países
mais ricos que são os responsáveis pela crise econômica, pela miséria dos
países pobres e pela poluição ambiental é a melhor tradução para isso; noutras
palavras, a religião e a política – desses países – expressa a falência do
capitalismo enquanto modo de vida saudável melhor que qualquer definição), onde
toda simbiose desse clã só é válida para com os seus semelhantes, isto significa
que toda civilidade para a política e a religião é a moeda de troca, o vale de
compra e de venda comum entre os seus no intuito de excluir e exterminar os
outros partidos, para atender suas ambiciosas necessidades de remeter o outro
grupo, à decadência financeira, intelectual, moral, social..., ou seja, a
hegemonia dominante do pequeno grupo cujo objetivo principal é beneficiar-se
mediante a supressão da liberdade do povo. Além claro, das pseudos diversões
que se resumem em brincadeiras de péssimo gosto e aventuras perigosas que levam
à tragédia e morte – os políticos e religiosos, por exemplo, brincam de ser
Deus. Não sou da corrente pessimista, mas nesse "momento-textual",
não tenho problema nenhum em ser classificado como tal, pois, somente quem fica
ou já ficou de fora da festa do shopping tem a capacidade de desenvolver
um olhar fantasmagórico sobre os poderes desprezíveis.
Entretanto,
minha indignação contra esta “civilizada roda gigante” que mata brincando as
“crianças” que a chamam de civilizado recanto de diversão; é sentir as
mais estranhas impressões no corpo e na alma, sendo convidado e expulso a todo
instante pelo mesmo baile do status burguês num lugar distante de civilizar e
humanizar, porque aquilo que nele encontro é um amontoado de gente com o
intuito comum – ainda que muitas vezes inconsciente – de consumir e de
ser consumida.
O
lugar do show mútuo que expõe as inquietações provindas do comércio no íntimo
humano, onde se compram ilusões (os meios de comunicação fazem propaganda e
vendem ilusões para fisgarem os doentes psicológicos pela via da compulsão
consumista) e vendem-se projeções equivocadas (geralmente, a imagem de bem
estar – do consumidor – é perpassada pelos mais adoentados
emocionalmente) para o seu exterior, está muito aquém de divertir no sentido
mais amplo da palavra; pois a verdadeira diversão é inclusivista, de outra
forma, não há sentido na palavra diversão; a menos que se pareça divertido o
olhar melancólico de um favelado aspirando o resto do Mc lanche feliz perdido
na lixeira ou o semblante decaído de um assalariado frente à vitrine que
anuncia o astronômico preço dos seus produtos, dos quais, boa parte não possuem
qualidade alguma, a não ser o poder de transmitir aos outros que quem os
possui, pode, isto é, tem o poder; ou a presunção do poder – de comprar e
vender a felicidade.
Sempre gostei de
brechós, feirinhas e camelôs, mas é lógico que a histeria almática do coletivo
provocada pelos anseios capitalistas não terminará pela via da falência dos
shopping´s center´s; até porque, o único shopping que não deveria mais ser o
center – a prioridade do ser –, é a própria cultura do consumo que está acima
dos valores da maioria das pessoas; pois o shopping, enquanto centro comercial,
não é o centro, apenas é um dos muitos espaços físicos que ecoam as
megalomanias implícitas no inconsciente e consciente coletivo; este shopping, é
simplesmente um demonstrativo público dentre os milhões de pensamentos,
sentimentos e comportamentos que o sistema neoliberal apresenta como proposta
disfarçada para colocar a população menos favorecida do lado de fora do baile
da burguesia e enclausurar uma boa parte da população de classe média/alta
desprovida de inteligência e sensibilidade à compulsão do consumo e ao caos das
emoções. Sem contar os “templos da Santa Indulgência” que encontro em cada
esquina, para mim, o shopping é o espaço urbano de entorpecimento existencial
legalizado mais próximo do meu casebre aqui na favela onde vejo e sinto mais
explicitamente a fome pelo possuir que esconde os medos, as culpas, os traumas,
a vergonha, a falta de autoafirmação, as síndromes e o sistema que lança às
pessoas no cárcere das prestações dos cartões de crédito e na obrigação de
alimentarem seus problemas emocionais.
Decerto,
o shopping é um centro em que encontramos um pouco das muitas saladas de
sentimentos que habitam nosso íntimo: a euforia pela roupa nova, o medo de ser
assaltado, o tédio e a amargura pós-compra, a frustração por não conseguir
levar o mais caro que na verdade, nem era o produto de melhor qualidade, mas
que se desejava adquirir apenas pela tara em mostrar o poder de compra, o tesão
em comprar o presente – passado e o futuro... rsrs Essa salada de sentimentos é
somada a uma variedade de personagens civilizados e até mesmo divertidos se não
fossem trágicos: o inquieto que não sabe o andar ou a loja em que vai ficar
pois quer estar em todos os lugares ao mesmo tempo por causa da síndrome do
pensamento acelerado e do déficit de atenção que lhe furta a concentração de
pensar a vida, o introvertido possuído por uma autovitimação em somente
observar e não comprar nada do que se quer, o indeciso que nada sabe escolher e
quando escolhe, volta à mesma loja várias vezes para trocar o produto comprado
(este é o espelho de milhares de personagens que nada conquistam dos sonhos que
planejam porque suas indecisões, juntamente com as decisões erradas é a prova
de que “quem não sabe o que procura, quando acha não sabe o que é”, portanto,
debruçados à janela existencial, apenas assistem a vida festiva passar, de
maneira que nunca participam dela ou lideram seus passos, pois estão presos aos
conceitos alheios, à moda, a religiões, a padrões político-sociais, a vínculos
afetivos e familiares, a valores que os reprimem de liderarem o teatro de suas
emoções e de adquirirem o prazer e a real felicidade que só podem ser
descobertos empiricamente), o invejoso que só sabe beber o formato anatômico e
degustar o estilo dos outros, o rancoroso revelando-se pelo afã da autopromoção
num engravatado que faz notório o seu dólar, o caríssimo celular e o Roléx, o
sádico que num momento, cobiça o extermínio de todo miserável que lhe pede uma
esmola ou lanche e em outro instante quer destruir o magnata que leva tudo o
que lhe salta aos olhos como novidade da moda, o cínico que finge não sentir o
clima interpessoal mais gélido que o ar central. Ar que condiciona a liberdade
e a justiça social.
Enfim,
é no shopping centro do mundo virtual e desumano que sinto uma aflição
singular, mais precisamente, adquirida pelos falsos conceitos de civilidade e
diversão.
O
filósofo Sócrates costumava passear pelos comércios a fim de observar tudo o
que não necessitava possuir para ser ou sentir-se pleno. Pensando nisso, certo
dia, reuni os amigos e fui a um shopping para mais um passeio socrático e
acabei não resistindo à minha compulsão em descrever meus sentimentos; eis o
que escrevi sentado na mesa de uma lanchonete:
Em
meio à correria desordenada dos transeuntes que pareciam revirar o shopping em
busca de uma organização para os seus subjetivos revirados de anseios
capitalistas, me encontrei absorto, sentado com os amigos do trabalho em plena
terça-feira. Após a demissão do serviço, uma pausa para celebrar a comunhão com
a santa ceia da liberdade e paz à luz da pura cerveja nacional.
Eu,
como sempre, movido pela ganância de sugar beleza em tudo o que vejo na
tentativa de eternizar o momento – qual fotografia que a colega acaba de captar
em minha direção –, acredito, definitiva e ingenuamente que posso, como fosse
um mágico inventor adiar as perdas e todo o amargo existencial com meu jeito
menino de ser; e às vezes, nem me dou conta que o nublado outonal já derramou
sua meia-luz sobre mim. No entanto, a única forma que encontro para fazer a
vida se engrandecer e alongar diante de mim, é parar em meio à bagunça
rotineira para captar a beleza em comunhão com os amigos.
Enfim,
aqui estou eu, tomando cerveja, fumando cigarro e batendo papo furado na
ceia herege e eufórica, e isto é estranho, pois os religiosos dizem que o
templo deve ser o lugar dessa liturgia: "a igreja é o lugar do exercício
da comunhão", mas não tenho culpa se aprouve a Deus me conceder esta
sensação de liberdade e paz em meio ao culto à poesia da qual me faço
santuário, ironicamente, neste shopping anti-sacro onde observo toda a vaidade
fútil que não careço ter para ser feliz. Quem diria, logo eu que sou tão crítico,
que nem sou tão fã de bebida alcoólica e que até bem pouco tempo sentia aversão
a shopping, haveria de encontrar nele meu lar: meu divino espaço?!
Logo
eu que nunca fui um consumista, tanto pelas possibilidades financeiras como por
princípios conceituais, aprendi a aflorar meu materialismo espiritual e agora,
tão embevecido de alegria em meio ao corre-corre desse shopping, me sinto o
maior comprador e vendedor de sonhos...
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