O
capitalismo, este mágico engenho que se empenha
pelo fim do esforço braçal e propõe a elevação de nossos degraus financeiros,
deixa-nos hoje (aqui no Brasil, país longe de ser industrializado,
pois fomos industrializados, ou seja, toda evolução que acompanhamos não
passa de uma nova forma de colonização, exclusão racial e social em longo
prazo) uma herança moderníssima em mão-de-obra desvalorizada, o trabalho escravo instituído pelo monopólio da “justiça”; em alto índice de
desemprego, ameaças de globalização (para os países pobres este é um mecanismo
excludente de suas expectativas de crescimento), a patológica terapia do
consumo que devora principalmente os que quase nada consomem, a massacrante
padronização do bem estar e autorrealização, a deprimente ideologia que faz o
homem valer o quanto possui, a mentira de que todos podem conquistar o “sonho
americano”, a cruel promessa na pseudo felicidade, o enganoso conceito de
que é pela via do trabalho que se consegue a dignidade, a aversão ao ócio
criativo como fuga para a autonomia intelectual, a alienação da maioria
traduzida na atitude de confiança absoluta e excessiva no sucesso...
"O
homem moderno, embora evoluído tecnologicamente, parece estar encarcerado num
Shopping Center onde tudo é vendido (mesmo que não se possa comprar tudo) e
quem acha que tudo se vende ou se compra, ao perceber que aquilo que mais
necessita não está à venda; entende o mal advindo das propostas do capitalismo."
No
termo Shopping Center do qual faço uso, não sugiro nenhuma intriga minha para
com o mesmo; apenas o escolhi como alusão à torrencial aflição capitalista que
se apresenta nesta geração como o centro opressor mais nocivo de todos os
tempos à civilidade.
Os
amantes de Shoppings discordarão de mim e com toda razão, podem até usar o
argumento de que um templo religioso seria a melhor analogia para este texto e
que em vez de “lugar de suplício do corpo e da alma”, o Shopping pode ser
considerado como um recanto de civilidade e diversão. Concordo que no templo da
ostentação da classe dominante onde se é propagado o poder imperialista também
haja uma junção de civilidade e diversão e longe de ser um nacionalista
fanático que só consome produtos nacionais (inclusive, pela impossibilidade,
porque o Brasil está mais para estadunidense do que nunca), deixando claro que
também visito alguns Shoppings; no mais, independentemente de apreciar o
estrangeiro, bem que eu queria ver o meu país angariar altos degraus no seu
P.I.B., na mão-de-obra que é excepcional, na cultura artística, na Amazônia e
em toda sua riqueza urbana e rural e deste modo, seus líderes políticos
aprendessem com os erros da história e com os exemplos de outros países a
renascer dos destroços em vez de caminhar rumo ao precipício em nome da
civilidade divertida (não é à toa que o Brasil é conhecido como país do
carnaval e do futebol).
Ora,
nem sempre a concepção ideológica de civilidade e diversão na sociedade foi e é
racional ou positiva. Na antiga França, por exemplo, os palácios reais recebiam
a massa aristocrática para os banquetes e lá havia “civilidade” e muita
“diversão”, que incluía o espetáculo da quebra de pratos, de mesas lançadas ao
chão, cuspiam-se nos salões e assim por diante, na Ilha Fiscal, dias antes da
queda da Monarquia portuguesa, o último baile do império mostra bem o que quero
dizer, em Roma, além da carnificina na arena que era um espetáculo público,
havia os almoços que duravam até a noite ao passo que o povo tentava sobreviver
à fome e à pobreza e hoje, aqui no Brasil, são as posses, as viagens dos
políticos, os carnavais e os novos estádios que se tornaram máquina de dinheiro
para os cofres das autoridades - todos esses gastos com dinheiro público em
nome da diversão e civilidade. Sobre a ostentação do passado, há quem diga que
para um evento sócio-cultural da época, não havia nada de errado, todavia, este
pensamento anula a possibilidade de entendermos a cruel demonstração do poder
burguês acima do povo impotente.
Hoje,
o conceito de civilidade ainda é o mesmo, em vez de “acordo e união comuns para
o bem estar do todo”, significa “agrupamento de alguns visando suas ambições
egoístas”. Ademais, não são poucas as sociedades individualizadas em seus
grupos egoístas (a comunidade religiosa que só partilha os bens entre si
almejando a destruição de outras comunidades religiosas, o grupo dos países
mais ricos que são os responsáveis pela crise econômica, pela miséria dos
países pobres e pela poluição ambiental é a melhor tradução para isso; noutras
palavras, a religião e a política – desses países – expressa a falência do
capitalismo enquanto modo de vida saudável melhor que qualquer definição), onde
toda simbiose desse clã só é válida para com os seus semelhantes, isto significa
que toda civilidade para a política e a religião é a moeda de troca, o vale de
compra e de venda comum entre os seus no intuito de excluir e exterminar os
outros partidos, para atender suas ambiciosas necessidades de remeter o outro
grupo, à decadência financeira, intelectual, moral, social..., ou seja, a
hegemonia dominante do pequeno grupo cujo objetivo principal é beneficiar-se
mediante a supressão da liberdade do povo. Além claro, das pseudos diversões
que se resumem em brincadeiras de péssimo gosto e aventuras perigosas que levam
à tragédia e morte – os políticos e religiosos, por exemplo, brincam de ser
Deus. Não sou da corrente pessimista, mas nesse "momento-textual",
não tenho problema nenhum em ser classificado como tal, pois, somente quem fica
ou já ficou de fora da festa do shopping tem a capacidade de desenvolver
um olhar fantasmagórico sobre os poderes desprezíveis.
Entretanto,
minha indignação contra esta “civilizada roda gigante” que mata brincando as
“crianças” que a chamam de civilizado recanto de diversão; é sentir as
mais estranhas impressões no corpo e na alma, sendo convidado e expulso a todo
instante pelo mesmo baile do status burguês num lugar distante de civilizar e
humanizar, porque aquilo que nele encontro é um amontoado de gente com o
intuito comum – ainda que muitas vezes inconsciente – de consumir e de
ser consumida.
O
lugar do show mútuo que expõe as inquietações provindas do comércio no íntimo
humano, onde se compram ilusões (os meios de comunicação fazem propaganda e
vendem ilusões para fisgarem os doentes psicológicos pela via da compulsão
consumista) e vendem-se projeções equivocadas (geralmente, a imagem de bem
estar – do consumidor – é perpassada pelos mais adoentados
emocionalmente) para o seu exterior, está muito aquém de divertir no sentido
mais amplo da palavra; pois a verdadeira diversão é inclusivista, de outra
forma, não há sentido na palavra diversão; a menos que se pareça divertido o
olhar melancólico de um favelado aspirando o resto do Mc lanche feliz perdido
na lixeira ou o semblante decaído de um assalariado frente à vitrine que
anuncia o astronômico preço dos seus produtos, dos quais, boa parte não possuem
qualidade alguma, a não ser o poder de transmitir aos outros que quem os
possui, pode, isto é, tem o poder; ou a presunção do poder – de comprar e
vender a felicidade.
Sempre gostei de
brechós, feirinhas e camelôs, mas é lógico que a histeria almática do coletivo
provocada pelos anseios capitalistas não terminará pela via da falência dos
shopping´s center´s; até porque, o único shopping que não deveria mais ser o
center – a prioridade do ser –, é a própria cultura do consumo que está acima
dos valores da maioria das pessoas; pois o shopping, enquanto centro comercial,
não é o centro, apenas é um dos muitos espaços físicos que ecoam as
megalomanias implícitas no inconsciente e consciente coletivo; este shopping, é
simplesmente um demonstrativo público dentre os milhões de pensamentos,
sentimentos e comportamentos que o sistema neoliberal apresenta como proposta
disfarçada para colocar a população menos favorecida do lado de fora do baile
da burguesia e enclausurar uma boa parte da população de classe média/alta
desprovida de inteligência e sensibilidade à compulsão do consumo e ao caos das
emoções. Sem contar os “templos da Santa Indulgência” que encontro em cada
esquina, para mim, o shopping é o espaço urbano de entorpecimento existencial
legalizado mais próximo do meu casebre aqui na favela onde vejo e sinto mais
explicitamente a fome pelo possuir que esconde os medos, as culpas, os traumas,
a vergonha, a falta de autoafirmação, as síndromes e o sistema que lança às
pessoas no cárcere das prestações dos cartões de crédito e na obrigação de
alimentarem seus problemas emocionais.
Decerto,
o shopping é um centro em que encontramos um pouco das muitas saladas de
sentimentos que habitam nosso íntimo: a euforia pela roupa nova, o medo de ser
assaltado, o tédio e a amargura pós-compra, a frustração por não conseguir
levar o mais caro que na verdade, nem era o produto de melhor qualidade, mas
que se desejava adquirir apenas pela tara em mostrar o poder de compra, o tesão
em comprar o presente – passado e o futuro... rsrs Essa salada de sentimentos é
somada a uma variedade de personagens civilizados e até mesmo divertidos se não
fossem trágicos: o inquieto que não sabe o andar ou a loja em que vai ficar
pois quer estar em todos os lugares ao mesmo tempo por causa da síndrome do
pensamento acelerado e do déficit de atenção que lhe furta a concentração de
pensar a vida, o introvertido possuído por uma autovitimação em somente
observar e não comprar nada do que se quer, o indeciso que nada sabe escolher e
quando escolhe, volta à mesma loja várias vezes para trocar o produto comprado
(este é o espelho de milhares de personagens que nada conquistam dos sonhos que
planejam porque suas indecisões, juntamente com as decisões erradas é a prova
de que “quem não sabe o que procura, quando acha não sabe o que é”, portanto,
debruçados à janela existencial, apenas assistem a vida festiva passar, de
maneira que nunca participam dela ou lideram seus passos, pois estão presos aos
conceitos alheios, à moda, a religiões, a padrões político-sociais, a vínculos
afetivos e familiares, a valores que os reprimem de liderarem o teatro de suas
emoções e de adquirirem o prazer e a real felicidade que só podem ser
descobertos empiricamente), o invejoso que só sabe beber o formato anatômico e
degustar o estilo dos outros, o rancoroso revelando-se pelo afã da autopromoção
num engravatado que faz notório o seu dólar, o caríssimo celular e o Roléx, o
sádico que num momento, cobiça o extermínio de todo miserável que lhe pede uma
esmola ou lanche e em outro instante quer destruir o magnata que leva tudo o
que lhe salta aos olhos como novidade da moda, o cínico que finge não sentir o
clima interpessoal mais gélido que o ar central. Ar que condiciona a liberdade
e a justiça social.
Enfim,
é no shopping centro do mundo virtual e desumano que sinto uma aflição
singular, mais precisamente, adquirida pelos falsos conceitos de civilidade e
diversão.
O
filósofo Sócrates costumava passear pelos comércios a fim de observar tudo o
que não necessitava possuir para ser ou sentir-se pleno. Pensando nisso, certo
dia, reuni os amigos e fui a um shopping para mais um passeio socrático e
acabei não resistindo à minha compulsão em descrever meus sentimentos; eis o
que escrevi sentado na mesa de uma lanchonete:
Em
meio à correria desordenada dos transeuntes que pareciam revirar o shopping em
busca de uma organização para os seus subjetivos revirados de anseios
capitalistas, me encontrei absorto, sentado com os amigos do trabalho em plena
terça-feira. Após a demissão do serviço, uma pausa para celebrar a comunhão com
a santa ceia da liberdade e paz à luz da pura cerveja nacional.
Eu,
como sempre, movido pela ganância de sugar beleza em tudo o que vejo na
tentativa de eternizar o momento – qual fotografia que a colega acaba de captar
em minha direção –, acredito, definitiva e ingenuamente que posso, como fosse
um mágico inventor adiar as perdas e todo o amargo existencial com meu jeito
menino de ser; e às vezes, nem me dou conta que o nublado outonal já derramou
sua meia-luz sobre mim. No entanto, a única forma que encontro para fazer a
vida se engrandecer e alongar diante de mim, é parar em meio à bagunça
rotineira para captar a beleza em comunhão com os amigos.
Enfim,
aqui estou eu, tomando cerveja, fumando cigarro e batendo papo furado na
ceia herege e eufórica, e isto é estranho, pois os religiosos dizem que o
templo deve ser o lugar dessa liturgia: "a igreja é o lugar do exercício
da comunhão", mas não tenho culpa se aprouve a Deus me conceder esta
sensação de liberdade e paz em meio ao culto à poesia da qual me faço
santuário, ironicamente, neste shopping anti-sacro onde observo toda a vaidade
fútil que não careço ter para ser feliz. Quem diria, logo eu que sou tão crítico,
que nem sou tão fã de bebida alcoólica e que até bem pouco tempo sentia aversão
a shopping, haveria de encontrar nele meu lar: meu divino espaço?!
Logo
eu que nunca fui um consumista, tanto pelas possibilidades financeiras como por
princípios conceituais, aprendi a aflorar meu materialismo espiritual e agora,
tão embevecido de alegria em meio ao corre-corre desse shopping, me sinto o
maior comprador e vendedor de sonhos...
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