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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Finados por Sergio Martins



Feito loucos vamos todos nos cansar
se quisermos cedo descansar;
não podemos mais esperar,
a menos que queiramos nos atrasar;
depois não adianta chorar se não houver despedida
ou perder o baile do preto e branco de gente ensandecida.

Veremos por lá, uniformes em fila que chegam de assalto,
e dançam ritmados até a hora dos disparos para o alto.

O feriadão prolongado - eterno fim de semana- nos convida,
e os confinados aos finados vem com o olhar de enjôo de vida:
uma mãe acaba de entregar seu filho ao dormitório,
ansiosa, talvez, pelo momento notório
de se juntar a ele num sono profundo
e dizer adeus a este pedante mundo.

Hoje tem folga com direito a passeios e reencontros:
até dona Maria veio visitar o primo João dos Mortos.

“Ninguém” mesmo era um outro “João Ninguém”
cuja vida era um “aquém-sem-além”,
e que mesmo sem um Vintém,
partiu dessa para melhor na queda de um trem.

Joaquim Afortunado fez festança de sua triste despedida:
parentes de longe, orquestra, fogos e muita dívida;
incluindo o caixão, a lápide e as belas coroas de flores;
vieram secretárias (coroas belas) chorando suas dores,
apareceram filhos desconhecidos, mulheres de pouco juízo,
muita gente engravatada e cada qual cobrando seu prejuízo.

Por aqui e ali, o rico fazendeiro acabou com a festa de muita gente,
agora essa gente tenta acabar com sua bagunça derradeira e indecente.
Já quase se engalfinhando, filhos discutiam heranças com outros filhos,
o povo aliviado com menos um para aborrecê-lo, abria largos sorrisos;
até que um juiz do ringue apresentou-se: mulheres com mulheres,
crianças de fora, adolescentes com adolescentes,
grávidas até podem brigar sem usar pontapés, só tabefes!
E viam-se muitos vasinhos com terra voando rumo aos dentes,
em meio a rostos amassados, palavrões, desmaio de inocentes...

Foi lamentável toda aquela fúnebre confusão,
gente rica dando show gratuito de má educação,
fazendo de feriado de gente humilde uma triste recordação.

Num feriadão gostoso como esse, não consigo acreditar
que exista gente que não queira comigo vadiar,
infelizmente, há quem insista em trabalhar e se aborrecer:
o jardineiro branquelo, suado de tanto mexer e se mexer,
de cavar e fechar buracos chegou a se avermelhar,
o vendedor de flores cata freguês e se mata de gritar,
outros trazem flores, cal, pá, molduras com nomes gravados,
os loucos feirantes se atropelam e conduzem caixões pesados;
é gente sem graça de viver que acaba com a graça do feriado,
transformando toda beleza em mais um dia de muito trabalho,
na verdade, é mais que trabalho, também é política e religião:
o padre faz o sermão, os fiéis entoam cânticos, berram oração,
plantam velas, fotos e até bíblias, e faz-se aquela zorra pelo chão.

Não consigo entender toda essa choradeira predestinada,
como não sentir tanta alegria que de Deus, a nós é emanada?
Peço minhas desculpas aos foliões pela minha desfeita,
mas, tal vaidade de viver em prol da morte é que não me respeita,
prefiro mesmo é ficar de fora do baile e curtir minha bobeira,
tomar uma cerveja, um sorvete ao sol e brincar a noite inteira.

O que gosto mesmo é de observar a bagunça dessa gente “normal”,
gente doida que nem eu faz sua própria festa até no que é dito mal,
sou vagabundo por não querer trabalhar a dor desse dia gris,
vou filosofar sobre tais modas que não preciso aderir pra ser feliz.

E hoje, nós, pó que ainda não voltou ao pó,
precisamos saber que ninguém nunca está só,
que já encontramos muitos companheiros com muito dó
e se não vamos com eles, é hora de nossa gente retornar
dos finados, já que há familiares e amigos a nos esperar,
pois, da vida árdua de um brasileiro, o melhor a suceder
é vagabundear e descansar em paz com orgulho e prazer.

Foto: Google

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