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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Vem - Sergio Martins






Vem voar nesta calmaria da tarde de Julho que desfolha
para limpar, para mudar e colocar tudo no lugar
– os poemas soltos brincam pelo ar e eu vou pegá-los...
Lá fora, a chuva faz canção, 
aqui dentro, brisa, toque suave
- leve e eleve-me; veleje, bebe, chore, molhe-se...
Vem sentir esta viagem, o amor que chama a chama a dois: 
sua voz, minha doce canção na fogueira maior que a razão...
O silêncio chega, o frio vai, esses olhares ficam...
Vem fazer o que tem que ser feito, vem pra ter o poder de criar 
este nosso clima, neste mar, meu lar feliz:  nosso pão, nossa poesia.

O poeta e a poesia - Sergio Martins






Poeta é aquele que sabe dizer belas palavras a todos mesmo quando não recebe carinho de ninguém.
Poeta não é só quem faz poema ou quem sabe descrever o mundo em que vive, mas sim, quem respira a beleza, o cheiro das flores, os olhos das crianças, o sorriso das pessoas, quem detesta ver os cachorrinhos abandonados pelas ruas, quem sempre chora quando matam uma árvore, quando vê um passarinho preso na gaiola...
Poetas têm mágica nos olhos, olhar viajante; estrangeiro. Todos os dias, de manhã, o poeta recebe novos olhos que lhe permite um olhar de primeira vez para o mundo, são olhos que se surpreendem todas as vezes que enxergam a mesma beleza. Poetas têm asas e a qualquer momento podem correr entre as estrelas, voar com os pássaros, saltar do alto de uma cachoeira, ir ao fundo do mar ou conhecer qualquer planeta sem precisar sair do lugar; pois suas casas e asas ficam em seu mundo real.
Poetas fazem belas canções, peças de teatro, esculturas, pinturas, objetos artísticos, novelas, filmes, livros, castelos e outros mundos para que gente grande nunca deixe de ser criança feliz...
O poeta é rico sem precisar de dinheiro, pois consegue dançar com o vento, entender as estrelas, conversar com as borboletas, sorrir de si mesmo, dormir cansado de tanto brincar com o mundo, sonhar com o mar, com os animais, com os índios, com a floresta, com os amigos e depois de tudo, acordar bem cedo para ver o dia nascer grande onde caberão mais brincadeiras, mais amor e felicidade.

A poesia e o poeta - Sergio Martins







O que é poesia?
A poesia é o instrumento de trabalho e de diversão do poeta.
O poeta é o instrumento de trabalho e de diversão da poesia.
O poema é a sua rua, a sensibilidade é a sua casa;
regras, programas, métodos... iguais a matemática,
é o caminho das pedras em que o poeta não sabe andar.
Se ele tentar pintar um navio acaba desenhando uma flor,
se lhe pedirem uma redação sobre o frio ou calor,
No meio do caminho, ele só saberá falar de amor.
Ele faz uso das palavras, as palavras fazem uso dele.
No momento de escrever não existe pressa, não existe calma,
não existe tempo, existe tudo ou nada; tudo é arte, tudo é alma!
Todos os seus momentos são especiais, sua vida inteira é doce canção:
as pessoas, o tempo, a natureza, o mundo e toda sua circulação...
A vitória ou o fracasso, o belo ou o feio, sempre é sua inspiração.
Poesia é beleza que mora no olhar - o poeta consegue vê-la;
e se ele tentar explicá-la nada sai da caneta,
se quiser a orquestra o silêncio lhe ensurdece,
se quiser o silêncio a orquestra lhe aborrece,
pois, é a poesia que usa o poeta quando ela bem entende.
No infinito de sua motivação,
ele acha seu prazer mergulhando no mar da imaginação:
o poeta é uma folhinha no céu dos sonhos,
a poesia é o vento de emoção,
e nesse eterno namoro de paixão
ela é a sua vida que só faz o que lhe pede o coração.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A ponte - Sergio Martins





Em você faço uma viagem para dentro de mim: a imagem do teu rosto ao despertar pela manhã é tão engraçada como o momento em que se entregas ao sono, o carinho que puseste em cada pequeno gesto para servir-me de alegria ainda me surpreende como o entardecer à beira-mar, a festa dos teus olhos guiada pela algazarra desse menino grande me é tão prazerosa quanto a música dos teus lábios e tuas raras e preciosas palavras de amor... Mas na volta da viagem tudo volta à rotina; entretanto, o meu olhar ainda embevecido pelas novidades põe uma admiração extravagante em toda a simplicidade costumeira: na tua rua, o vira-lata que dorme embaixo de um carro velho parece mais dócil que às vezes em que sua cauda giratória me cumprimentou, as flores entre os capins da esquina estão mais elegantes, o resto da poça deixada pela chuva na calçada de tua casa lembra até o banho do mar escuro no crepúsculo vespertino, a torrada que molho na xícara de café traz a cena em que o moleque mergulha na lama de um pedaço de barro em que improvisou como sendo o seu campo de futebol, os farelos de pão sobre a mesa parecem areia litorânea tecida com fragmentos de conchinhas e os dedos que juntam estas migalhas assemelham-se às crianças atiradas contra a orla; como se fossem ondas rolando leves e macias..
Há uma certeza que me é satisfatória quando vejo nosso sorriso nas antigas fotografias, nos filmes que vimos e fizemos, na imensidão colorida no dia de sol, nos gotejos amoráveis do céu de Julho, nos gravetos e folhas sobre o barro mole, nas tuas pegadas desenhadas no colchão fundo de grama, na espuma sobre o mar pela manhã, nas carícias de luar primaveril, nas noites abraçados na varanda, nas flores que apreciamos, no voo baixo das aves marinhas, no canto dos passarinhos, na celebração com que seguramos o coco apanhado aventureiramente nos coqueirinhos da estrada feito troféus, as alegrias em família, o choro, a irritação brusca e passageira, a sua companhia até a porta no momento sofrido da despedida, a massagem dos teus pés nas minhas costas, teus cabelos agarrados às minhas camisas, o meu amor preso ao teu coração... Tudo nos faz crer que tudo mesmo é feliz; até mesmo o atravessar a ponte para construirmos nosso lugar ao sol no mundo que é só nosso...

Porta fechada - Sergio Martins





A porta continua fechada desde a violência de um vento estranho... Como se eu fosse um espectro, no velho casebre, as coisas tocam meu corpo enquanto as pessoas que por aqui circulam não melodiam minha alma...
Do espelho, um passado estilhaçado. Da vidraça, uma barreira escura entre o que sou e onde estou. Nos retratos, enxergo que sou todo-ontem. No quadro embaçado, onde os dias de ação de graça não disfarçam as rugas desse rosto, a poeira esconde os dias ensolarados...  A varanda vazia, o quarto minguante - para uma lua distante -, a cozinha sem os sabores festivos – é a fugacidade da esperança no funeral de mais um ano que deveria ser novo...
Quando me dei conta do término do outono eu estava diante do esplendor desse planeta azul, contudo, não senti aquela canção e o mesmo aconteceu quando não vi o céu venusiano de Julho; apenas sei que cheguei na mesmice pela qual não consigo mais abrir a porta.

Gaiola - Sergio Martins






Ultimamente, os pesadelos resolveram me alcançar: você passa cabisbaixo pela estrada poeirenta ignorando o meu chamado, e eu , transeunte daquele caminho barroso e agourento vejo tua face maculada de rancor como bandeira inimiga conquistando o meu reino indefeso, tua boca de nobre delícia onde entrava o ar de minha vida exalando seu único e imenso amor, teu corpo escurecido pelo sol era o papel em branco onde eu deveria desenhar minha história...
A tarde desmaia enquanto fico paralisada, vejo o seu distanciar calado como um andarilho perdido que se entrega ao frio da morte num pântano tenebroso, suas costas envergadas que parecem carregar o peso de um mundo intratável semelhantes aos meus olhos decaídos de vergonha e medo...
Neste frio, o céu se veste de obscuridade e você, menino livre, ainda é o astro maior em que me banha de luz: seu carinho incomum, sua voz que fica em mim, seus passos largos que me levam ao parque de suas diversões, seus quadris dançantes, suas mãos quentes sobre a nevasca de minha epiderme... E longe do teu amor estranho e alegre, eu me vejo inerte como um pássaro agonizante na Gaiola...


Meus limites - Sergio Martins




Quando naveguei por puro medo de estagnar, o mar, embora convidativo, não era festivo. Em todo o tempo que estive ausente para não ver em teus olhos as minhas verdades, deslizei na superfície extensa de uma futilidade que ofertou-me paisagens eufóricas e decrescia-me de uma beleza triste: a saudade com que me punha diante da vida.
Agora, estagnado em terra firme, vou içar nossa bandeira e atravessar antigos limites...

A chama - Sergio Martins





A forte chama convoca o fraco, clama alto em desejos ardentes para incendiar sua nascente esperança.
Vislumbrante chama que a todos chama a atenção pelo nome de clareza e bondade nos fazendo entoar doces canções na escuridão dessa crueldade.
Chama que nos faz chamar pelo coração, que o presenteia com o morrer de rir pelo mágico presente, que corta sua emoção pela saudade e que o emudece pela angústia de tanto chorar pelo passado.
Chama que cura o corajoso e o rico, que adoece o fraco e o pobre.
Encantadora chama que grita até nos ensurdecer para a razão; é a chama prazerosa que vicia e aquece o frígido de uma fervente tortura, que dá cor a todos os sonhos ou que não atenderá ao pedido do infeliz, que a tudo inverterá e destruirá o que sempre desejamos.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Rosa e Jasmim - Sergio Martins






Pássaro distraído lançou semente que brotou.

A terra voltou a ser feliz depois que engravidou.

O céu deu chuva e sol,

arco-íris no arrebol,

noites estreladas, brisa no amanhecer

e orvalho de alegria pra gente não esquecer

de aflorar a vida,

de colher as novas do jardim;

do prazer sem despedida:

amor de Rosa e Jasmim.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Soneto de menino - Sergio Martins



Dormindo em paz, o bebê no colo materno
traz-me a ânsia de reclinar satisfeito
no solo de amor falso deste mundo estreito
onde não querer ser adulto é sonhar no inferno.

Deitado nas esquinas ou nas praças, o menino flagelado
faz-me - em vão procurar nossos pais e a chorar -,
desejá-lo em meus braços e entoar sua canção de ninar
depois de brincar e de vê-lo dormir feliz no leito aquentado.

Quero ser criança. Por isso, sofro com a infância desamparada...
Sou um menino em prantos, refugiado na luz cinza dos mortos,
amedrontado pelos uivos da floresta à décima segunda badalada...

Mas não é o medo do escuro que assusta e a saudade que aprisiona;
são os monstros gigantescos - os “mais velhos” infernais; e se sinto as
dores do mundo; é porque o menino abandonado não me abandona.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Faltou pouco - Sergio Martins




Corpo frio, água morna, sol de inverno...
Foi-se o luto que já não pode demorar mais que a dor...
De toda morte, disse: “luto por quem me roubou o luto”.
E por ser ele, sempre ele mesmo, não pôde viver pelos mortos, pelo que é falecido...
Sendo ele, homem vívido e só, vê-se no menino festivo à beira de novas e belas estradas...
Foi uma febre, uma moda das sensações, a arte pela arte, o espelho, espelho meu (e seu) tão venerado, a distração que trouxe o inesperado prazer, suas verdades em provas...
Ficou apenas toda sua felicidade e estranheza em ver beleza no caminhar solitário...

Faltou pouco, ficou num quase de água quente, de corpo e alma, de inverno e de sol...

Das alegrias de viagens - Sergio Martins




Tudo o que amamos queremos eternizar. 
Quando o alimento é prazeroso desejamos a degustação calma, como o despetalar sem pressa de uma flor, o vagaroso desnudamento  do prazer... O que nos alimenta a alma e o corpo nunca é apenas alimento, por isso ansiamos que a fome jamais termine. Amor é arte antropofágica. Nele, nunca há a mera necessidade pelo saciamento da fome; tudo é o prazer do compartilhamento, a beleza que alimenta os olhos, a graça da arte culinária: refeição simples e extraordinária de cada dia... Viver é comer e dar-se de comer... Somos tudo o que do corpo e da alma comemos - num ciclo vicioso: amor ao prazer, vício pelo prazer - contrariamente ao prazer pelo vício... 

Amamos a paisagem e dela fazemos um retrato para eternizar aquele momento mágico que nos encantou... Quem ama abre a gaiola porque tem prazer no voo do pássaro. Há pássaros que voam sempre lado a lado (como acontece no casamento), feito tentativa de eternização de um amor correspondido... Mas há a beleza rotativa que perdura no íntimo dos estradeiros que se apaixonam pela mesma paisagem muitas vezes, esses são pássaros solitários, de voos longínquos, que só podem ser feliz viajando, levando pólen de alegria por onde passam...
Há pássaros que amam intensamente; mas têm a necessidade de viajar...

Amores de viagens - Sergio Martins





Uma paisagem é amada, de modo que será eternizada na tela do pintor. O que os olhos desejam perpetua-se no sentimento: vontade-necessidade que se é pintada/fantasiada, vida que se torna nova - arte. Até que chega a hora de o quadro ir... A saída do quadro é ausência que dará ao pintor a oportunidade de criar, de captar outras belezas... assim, sua arte se torna sempre nova - vida.
A viagem da pessoa desejada, a perda do suposto (auto)controle... Para alguns, a ausência do objeto do desejo pode ser tão drástica quanto a luta de um peixe fisgado contra a inevitável morte. E penso que há tantas mortes que uma pessoa pode experimentar - mortes sem sentido algum/desperdício de vida... Belas pinturas nos quadros que se vão, distância e saudade unindo a criação (arte) ao seu criador, repetição de idas e vindas...
O pintor sabe que em tudo terá de pôr novas cores para que sua existência tenha sentido: aceitar a perda e a morte com leveza, absorver o prazer de cada instante - o nascimento/a ressurreição de cada amanhecer... Amores de viagens têm sabor agridoce - dor de um prazer que prossegue.


segunda-feira, 8 de julho de 2013

O homem do saco - Sergio Martins






João tinha muitos sacos e com eles dizia gozar ardente alegria de viver.
Para Maria, todo dia ele tinha um saco especial feito dor de um prazer.
Maria brincava e brigava - de encher o saco diário de João,
até que o homem do saco viu-se ensacado de aflição...
Hoje João é homem sem saco e sem nenhum Vintém,

Pobre João, já não tem mais saco pra nada e ninguém!
                       



A mulher de bolas - Sergio Martins





                        



Maria tinha tantas bolas cheias que assim se dizia muito feliz.
Com a bola toda, dava muita bola pra poucos; empinando o nariz.
Infelizmente, a bola mais preciosa Maria deu para João;
ele a chutou e perdeu-se da bola: a mulher viu-se que nem bola ao chão...
Hoje Maria apenas bola murcha tem.

Maria não dá mais bola pra ninguém.
                      

Duas galinhas - Sergio Martins





São duas galinhas: a boa e a ruim.
A ruim brinca com um só galo e não tem um amigo.
A boa se dá bem com todos.
A ruim, para não dar, consegue ficar sem comer.
A boa dá de comer.
A ruim não será comida no Natal.
A boa é festa; alimento dos meus olhos.
A ruim “dá ruim” para dar um ovinho.
A boa cuida bem de todos os seus ovinhos.
A ruim não canta; apenas resmunga e
até pra namorar arruma confusão .
A boa é feliz e sabe dar carinho aos seus galos e galinhas.
A ruim é amargurada, estranha e doente.
A boa, embora magra, esbanja saúde e nos dá muito prazer.
A ruim, de tão ruim, nem lembra que tem pinto.
A boa não deixa seus pintos morrerem.

A exímia jogadora - Sergio Martins




Não vá competir comigo,
meu jogo é café com leite,
tudo vai ser sem graça,
serei previsível...
Meu querer é um outro falar, já estou do lado de lá e tornei-me um estranho pra você; então, nem adianta ver se estou na esquina, é isso mesmo, não pague pra ver, siga seu curso de rio inquieto, deixe-me aqui no meu porto inseguro, pois esse menino travesso e irresponsável só quer folia.
Desfaça esse batom brilhante porque você entendeu tudo errado, na realidade, minha aparência te enganou; não acredite tanto em mim quando eu estiver na companhia de um Chivas Regal 12 anos. Olha, minha casa será esse samba de crioulo doido de sempre, meus queridos amigos que você não suporta jamais sairão daqui e eu pareço louco mesmo; meu carnaval dura o ano inteiro.
Jogar comigo é covardia eu sou água com açúcar, o velho bobo de todo dia...
Mas me diga, você não sabe perder, rir da própria derrota, se admirar com a tática adversária?
Será que você é só essa boneca de vidro, apenas uma exímia jogadora?
Quer saber duma coisa? Desconheço caretice e monotonia, mas às vezes, é melhor ficar com meus carrinhos de ferro e bonecos de mangá a brincar com seu Tomara que caia e com seu pequeno vestido de lycra que desafia a lei da gravidade.
Sou mesmo esse apolítico sem religião e você nunca vai saber como é viver no velho oeste onde há tiroteio quase todos os dias...
É, como o mundo dá voltas! E você só veio me procurar quando tudo se tornou entediante...
Que se dane minha educação, toda a teoria sobre coisas do além, metafísica ou como ser um menino certinho; até te entendo, sei como é chata e deprimente a vida dos conservadores...
Já perdi as contas das vezes que lhe pedi:
não jogue comigo,
não vá furtar o doce da boca da criança...

domingo, 7 de julho de 2013

O Shopping Center - Sergio Martins



                                   

O capitalismo, este mágico engenho que se empenha pelo fim do esforço braçal e propõe a elevação de nossos degraus financeiros, deixa-nos hoje (aqui no Brasil, país longe de ser industrializado, pois fomos industrializados, ou seja, toda evolução que acompanhamos não passa de uma nova forma de colonização, exclusão racial e social em longo prazo) uma herança moderníssima em mão-de-obra desvalorizada, o trabalho escravo instituído pelo monopólio da “justiça”; em alto índice de desemprego, ameaças de globalização (para os países pobres este é um mecanismo excludente de suas expectativas de crescimento), a patológica terapia do consumo que devora principalmente os que quase nada consomem, a massacrante padronização do bem estar e autorrealização,  a deprimente ideologia que faz o homem valer o quanto possui, a mentira de que todos podem conquistar o “sonho americano”, a cruel promessa na pseudo felicidade, o enganoso conceito de que é pela via do trabalho que se consegue a dignidade, a aversão ao ócio criativo como fuga para a autonomia intelectual, a alienação da maioria traduzida na atitude de confiança absoluta e excessiva no sucesso...
"O homem moderno, embora evoluído tecnologicamente, parece estar encarcerado num Shopping Center onde tudo é vendido (mesmo que não se possa comprar tudo) e quem acha que tudo se vende ou se compra, ao perceber que aquilo que mais necessita não está à venda; entende o mal advindo das propostas do capitalismo."
No termo Shopping Center do qual faço uso, não sugiro nenhuma intriga minha para com o mesmo; apenas o escolhi como alusão à torrencial aflição capitalista que se apresenta nesta geração como o centro opressor mais nocivo de todos os tempos à civilidade.
Os amantes de Shoppings discordarão de mim e com toda razão, podem até usar o argumento de que um templo religioso seria a melhor analogia para este texto e que em vez de “lugar de suplício do corpo e da alma”, o Shopping pode ser considerado como um recanto de civilidade e diversão. Concordo que no templo da ostentação da classe dominante onde se é propagado o poder imperialista também haja uma junção de civilidade e diversão e longe de ser um nacionalista fanático que só consome produtos nacionais (inclusive, pela impossibilidade, porque o Brasil está mais para estadunidense do que nunca), deixando claro que também visito alguns Shoppings; no mais, independentemente de apreciar o estrangeiro, bem que eu queria ver o meu país angariar altos degraus no seu P.I.B., na mão-de-obra que é excepcional, na cultura artística, na Amazônia e em toda sua riqueza urbana e rural e deste modo, seus líderes políticos aprendessem com os erros da história e com os exemplos de outros países a renascer dos destroços em vez de caminhar rumo ao precipício em nome da civilidade divertida (não é à toa que o Brasil é conhecido como país do carnaval e do futebol).
Ora, nem sempre a concepção ideológica de civilidade e diversão na sociedade foi e é racional ou positiva. Na antiga França, por exemplo, os palácios reais recebiam a massa aristocrática para os banquetes e lá havia “civilidade” e muita “diversão”, que incluía o espetáculo da quebra de pratos, de mesas lançadas ao chão, cuspiam-se nos salões e assim por diante, na Ilha Fiscal, dias antes da queda da Monarquia portuguesa, o último baile do império mostra bem o que quero dizer, em Roma, além da carnificina na arena que era um espetáculo público, havia os almoços que duravam até a noite ao passo que o povo tentava sobreviver à fome e à pobreza e hoje, aqui no Brasil, são as posses, as viagens dos políticos, os carnavais e os novos estádios que se tornaram máquina de dinheiro para os cofres das autoridades - todos esses gastos com dinheiro público em nome da diversão e civilidade. Sobre a ostentação do passado, há quem diga que para um evento sócio-cultural da época, não havia nada de errado, todavia, este pensamento anula a possibilidade de entendermos a cruel demonstração do poder burguês acima do povo impotente. 
Hoje, o conceito de civilidade ainda é o mesmo, em vez de “acordo e união comuns para o bem estar do todo”, significa “agrupamento de alguns visando suas ambições egoístas”. Ademais, não são poucas as sociedades individualizadas em seus grupos egoístas (a comunidade religiosa que só partilha os bens entre si almejando a destruição de outras comunidades religiosas, o grupo dos países mais ricos que são os responsáveis pela crise econômica, pela miséria dos países pobres e pela poluição ambiental é a melhor tradução para isso; noutras palavras, a religião e a política – desses países – expressa a falência do capitalismo enquanto modo de vida saudável melhor que qualquer definição), onde toda simbiose desse clã só é válida para com os seus semelhantes, isto significa que toda civilidade para a política e a religião é a moeda de troca, o vale de compra e de venda comum entre os seus no intuito de excluir e exterminar os outros partidos, para atender suas ambiciosas necessidades de remeter o outro grupo, à decadência financeira, intelectual, moral, social..., ou seja, a hegemonia dominante do pequeno grupo cujo objetivo principal é beneficiar-se mediante a supressão da liberdade do povo. Além claro, das pseudos diversões que se resumem em brincadeiras de péssimo gosto e aventuras perigosas que levam à tragédia e morte – os políticos e religiosos, por exemplo, brincam de ser Deus. Não sou da corrente pessimista, mas nesse "momento-textual", não tenho problema nenhum em ser classificado como tal, pois, somente quem fica ou já ficou de fora da festa do shopping tem a capacidade de desenvolver um olhar fantasmagórico sobre os poderes desprezíveis.
Entretanto, minha indignação contra esta “civilizada roda gigante” que mata brincando as “crianças” que a chamam de civilizado recanto de diversão; é sentir as mais estranhas impressões no corpo e na alma, sendo convidado e expulso a todo instante pelo mesmo baile do status burguês num lugar distante de civilizar e humanizar, porque aquilo que nele encontro é um amontoado de gente com o intuito comum – ainda que muitas vezes inconsciente – de consumir e de ser consumida.
O lugar do show mútuo que expõe as inquietações provindas do comércio no íntimo humano, onde se compram ilusões (os meios de comunicação fazem propaganda e vendem ilusões para fisgarem os doentes psicológicos pela via da compulsão consumista) e vendem-se projeções equivocadas (geralmente, a imagem de bem estar – do consumidor – é perpassada pelos mais adoentados emocionalmente) para o seu exterior, está muito aquém de divertir no sentido mais amplo da palavra; pois a verdadeira diversão é inclusivista, de outra forma, não há sentido na palavra diversão; a menos que se pareça divertido o olhar melancólico de um favelado aspirando o resto do Mc lanche feliz perdido na lixeira ou o semblante decaído de um assalariado frente à vitrine que anuncia o astronômico preço dos seus produtos, dos quais, boa parte não possuem qualidade alguma, a não ser o poder de transmitir aos outros que quem os possui, pode, isto é, tem o poder; ou a presunção do poder – de comprar e vender a felicidade.       
Sempre gostei de brechós, feirinhas e camelôs, mas é lógico que a histeria almática do coletivo provocada pelos anseios capitalistas não terminará pela via da falência dos shopping´s center´s; até porque, o único shopping que não deveria mais ser o center – a prioridade do ser –, é a própria cultura do consumo que está acima dos valores da maioria das pessoas; pois o shopping, enquanto centro comercial, não é o centro, apenas é um dos muitos espaços físicos que ecoam as megalomanias implícitas no inconsciente e consciente coletivo; este shopping, é simplesmente um demonstrativo público dentre os milhões de pensamentos, sentimentos e comportamentos que o sistema neoliberal apresenta como proposta disfarçada para colocar a população menos favorecida do lado de fora do baile da burguesia e enclausurar uma boa parte da população de classe média/alta desprovida de inteligência e sensibilidade à compulsão do consumo e ao caos das emoções. Sem contar os “templos da Santa Indulgência” que encontro em cada esquina, para mim, o shopping é o espaço urbano de entorpecimento existencial legalizado mais próximo do meu casebre aqui na favela onde vejo e sinto mais explicitamente a fome pelo possuir que esconde os medos, as culpas, os traumas, a vergonha, a falta de autoafirmação, as síndromes e o sistema que lança às pessoas no cárcere das prestações dos cartões de crédito e na obrigação de alimentarem seus problemas emocionais.
Decerto, o shopping é um centro em que encontramos um pouco das muitas saladas de sentimentos que habitam nosso íntimo: a euforia pela roupa nova, o medo de ser assaltado, o tédio e a amargura pós-compra, a frustração por não conseguir levar o mais caro que na verdade, nem era o produto de melhor qualidade, mas que se desejava adquirir apenas pela tara em mostrar o poder de compra, o tesão em comprar o presente – passado e o futuro... rsrs Essa salada de sentimentos é somada a uma variedade de personagens civilizados e até mesmo divertidos se não fossem trágicos: o inquieto que não sabe o andar ou a loja em que vai ficar pois quer estar em todos os lugares ao mesmo tempo por causa da síndrome do pensamento acelerado e do déficit de atenção que lhe furta a concentração de pensar a vida, o introvertido possuído por uma autovitimação em somente observar e não comprar nada do que se quer, o indeciso que nada sabe escolher e quando escolhe, volta à mesma loja várias vezes para trocar o produto comprado (este é o espelho de milhares de personagens que nada conquistam dos sonhos que planejam porque suas indecisões, juntamente com as decisões erradas é a prova de que “quem não sabe o que procura, quando acha não sabe o que é”, portanto, debruçados à janela existencial, apenas assistem a vida festiva passar, de maneira que nunca participam dela ou lideram seus passos, pois estão presos aos conceitos alheios, à moda, a religiões, a padrões político-sociais, a vínculos afetivos e familiares, a valores que os reprimem de liderarem o teatro de suas emoções e de adquirirem o prazer e a real felicidade que só podem ser descobertos empiricamente), o invejoso que só sabe beber o formato anatômico e degustar o estilo dos outros, o rancoroso revelando-se pelo afã da autopromoção num engravatado que faz notório o seu dólar, o caríssimo celular e o Roléx, o sádico que num momento, cobiça o extermínio de todo miserável que lhe pede uma esmola ou lanche e em outro instante quer destruir o magnata que leva tudo o que lhe salta aos olhos como novidade da moda, o cínico que finge não sentir o clima interpessoal mais gélido que o ar central. Ar que condiciona a liberdade e a justiça social.
Enfim, é no shopping centro do mundo virtual e desumano que sinto uma aflição singular, mais precisamente, adquirida pelos falsos conceitos de civilidade e diversão.            
O filósofo Sócrates costumava passear pelos comércios a fim de observar tudo o que não necessitava possuir para ser ou sentir-se pleno. Pensando nisso, certo dia, reuni os amigos e fui a um shopping para mais um passeio socrático e acabei não resistindo à minha compulsão em descrever meus sentimentos; eis o que escrevi sentado na mesa de uma lanchonete:
Em meio à correria desordenada dos transeuntes que pareciam revirar o shopping em busca de uma organização para os seus subjetivos revirados de anseios capitalistas, me encontrei absorto, sentado com os amigos do trabalho em plena terça-feira. Após a demissão do serviço, uma pausa para celebrar a comunhão com a santa ceia da liberdade e paz à luz da pura cerveja nacional.
Eu, como sempre, movido pela ganância de sugar beleza em tudo o que vejo na tentativa de eternizar o momento – qual fotografia que a colega acaba de captar em minha direção –, acredito, definitiva e ingenuamente que posso, como fosse um mágico inventor adiar as perdas e todo o amargo existencial com meu jeito menino de ser; e às vezes, nem me dou conta que o nublado outonal já derramou sua meia-luz sobre mim. No entanto, a única forma que encontro para fazer a vida se engrandecer e alongar diante de mim, é parar em meio à bagunça rotineira para captar a beleza em comunhão com os amigos.
Enfim, aqui estou eu, tomando cerveja, fumando cigarro e batendo papo furado na ceia herege e eufórica, e isto é estranho, pois os religiosos dizem que o templo deve ser o lugar dessa liturgia: "a igreja é o lugar do exercício da comunhão", mas não tenho culpa se aprouve a Deus me conceder esta sensação de liberdade e paz em meio ao culto à poesia da qual me faço santuário, ironicamente, neste shopping anti-sacro onde observo toda a vaidade fútil que não careço ter para ser feliz. Quem diria, logo eu que sou tão crítico, que nem sou tão fã de bebida alcoólica e que até bem pouco tempo sentia aversão a shopping, haveria de encontrar nele meu lar: meu divino espaço?!

Logo eu que nunca fui um consumista, tanto pelas possibilidades financeiras como por princípios conceituais, aprendi a aflorar meu materialismo espiritual e agora, tão embevecido de alegria em meio ao corre-corre desse shopping, me sinto o maior comprador e vendedor de sonhos...

terça-feira, 2 de julho de 2013

Opará - Sergio Martins



                                        
                                     
Sumirão Remanso, Casa Nova, Sento Sé e Pilão Arcado;
serão Atlantis, pedras no caminho, patrimônio tombado.
Três Marias, Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xingó;
agora se juntam em fragmentos pranteando um mesmo dó:
Foram-se piracema, espécies migradoras; Pirá e Surubim.
Não vi algum Curimatá-Pacu, Curimatá-Pioa, Tambaquim.
Desceram Matrinxá, Dourado, Cachara do Pará e do Maranhão,
Piau-Verdadeiro e Tilápias do Rio-Mar perdido em sua imensidão.
Sem amor, transportaram o Velho Chico para um aquém-mar
(e de desdenhosos deuses); a reza de Tucunaré não pode salvar
o ecossistema suprimido e o fogo de agricultura,
pois a humana erosão é insaciável - não tem cura.
Do Bagre-Africano é inútil toda a sua devoção ou crença
no óbito da hidrovia, quando livre assoreia a indiferença,
a revitalização estúpida, a exploração pela exploração;
a cultura do consumo turístico, o paisagismo em vão
e a arquitetura arborizada dos fúteis parques ecológicos;
como se estas águas fossem desnecessários sanatórios.
Com sua acelerada procriação, a Carpa sequer amenizará
a fome do capital que da cobertura verde não se fartará,
a miserável pesca das tribos, a poluição em disparada,
as cidades submergidas, os ribeirinhos sem nada,
nem do poder por mais poder, da moeda forte e frígida;
de nosso progresso: câncer mortal de minha alma hídrica.

* Opará significa Rio-Mar em tupi-guarani; nome dado pelos índios ao rio São Francisco.

Joana - Sergio Martins






Joana desconhecia premonição, mandinga, visões do além ou ciência.
Não tinha búzios, tarôs, orixás, guias, caboclos... apenas “sabidência.”
Joana, a mais sabedora de tudo, nunca leu a mão
ou teve Bíblia Sagrada; mas trazia muita informação.
Ana era rica, Graça nem tanto e dona Maria, sempre venerada;
Joana, na pindaíba, possuía o dom de saber e por isso era odiada.
Jamais viu defumador, tomou banho de ervas, usou figa contra o mal,
“baixou santo”, foi à missa e sempre passou longe de ser intelectual.
Embora fosse a mais temida e respeitada,
sequer teve contato com alma penada,
contudo, havia os que a amavam de verdade
porque muito fizera pro bem da comunidade
que não tinha câmeras ou seguranças, pois ela tomava conta direitinho
e malandro a tratava com reverência e perto dela ficava “pianinho.”
O que ela falava era “tiro e queda”, sem exagero!
fosse quem fosse, perto da velha e “fora da linha”, era um desespero!
Joana “não tinha eira, nem beira”, tinha “olho vivo” como maior riqueza,
embora aumentasse, não mentia e  já foi mais recomendada que rezadeira;
uns tinham raiva, até mesmo pânico, outros sentiam dó ou lhe achavam faceira;
Coitada, sendo pequena entre as feras, criou sua habilidade – a de ser fofoqueira!

Na despedida - Sergio Martins





Ficamos à porta de casa
pois eu não quis entrar...
E escrevi mais uma carta
só para não te encontrar...
Todo trabalho, toda farsa,
era a vontade de descansar;
se não te vi de alma farta,
talvez fosse pra te alimentar...
Paramos na mesma estrada
até assistirmos o entardecer...
Entendemos que o abraço na pessoa amada
foi nada mais que um desejo de esquecer
e a morte que bebemos de madrugada
é a existência deste belo dia para se viver;
então não vá me olhar, me encontrar ou dizer;
porque há só o prazer pelo vício ou o vício pelo prazer:
somos a arte pela arte, comunhão de ter e de dar,
ao sol e à chuva curtimos, pois aqui (na despedida) é o nosso lugar.

Do meu mundo - Sergio Martins





Minha tristeza sempre rimou com leveza,                                                                            
a solidão é amiga - é de minha natureza.                                                                                 
Esta criança vê que o universo adulto é cruel,                                                                                    
por isso jamais deixou de colorir seu papel:                                                                                       
nunca se rendeu à ilusão do poder                                                                                                    
e da simplicidade vem seu maior prazer.
Meu mundo nunca será um campo de concentração,
minha vida no Jardim Novo (bairro onde moro) é um parque de diversão,
pois eu não vim pra competir, pra vencer;
estou aqui pelo prazer. Minha arte é viver.

Do que é, mas que também já se perdeu - Sergio Martins






Meu amor se foi. Meu universo desabou.

O mundo é um belo cemitério onde sinto claustrofobia e o meu quarto-túmulo guarda as recordações de uma época jovial.

Da cama-caixão onde a solidão é a dois, avisto os Crisântemos do dia de finados nos vasos de minha cabeceira e as rosas desidratadas, sequíssimas e envernizadas em meus quadros. A janela apenas é o espaço de vidro no meu caixão pelo qual se vê minha aparência fúnebre e maquiada de mentira para a triste cerimônia desta fugaz existência...

Em tudo avisto um pedaço de tudo aquilo que em mim foi fragmentado: nos quadros, nas paredes, nas fotos, nas ruas, nos livros, nas roupas que ainda tem os fios dos seus cabelos e o perfume do amor que se foi... Meu corpo deitado e estático já não sonha viagens... Sou fantasma que em tudo se sente tocado, mas que em nada consegue tocar...

Junto à minha lápide-diário encontrei uma folha amarelada e nela, li o que seria meu epitáfio: "todas as velas se acendem enquanto meu caminho é total escuridão... Estou partindo só. Tão só como a este mundo cheguei. Vazio de todo paraíso que encontrei, pois, na simplicidade desse meu eu, nada mais quis além de me fazer todo amor na graça festiva... Porém, não enxergando os contos lúdicos do dom maior, enveredei-me pelas sombrias florestas me perdendo dos sentidos... E eu, frágil mortal, desejando a vida eterna no amor a uma deusa, me transformei em aspirante a poeta não imaginando os perigos do afã em brincar de ser Deus... 
Tenho medo dos meus desejos.
Certamente, não ficarão eternizadas as juras de amor que recebi, tornar-se-ão cinzas atiradas ao mar semelhante à minha paixão no crematório da saudade onde sou a resposta confiscada dos desejos na maldição da eterna despedida. Portanto, se me embrenho num concerto florestal e o calmo do seu encanto se aconchega em meu quarto onde em paz dormimos; uma ausência ainda me domina. E se me ponho a circular pela cidade cujo luxo a mim é indiferente e acúleo; tenho por certo que não são as pessoas o absurdo, os espectros malignos; eu é que ainda sou vulto, aviltado pela cidade estranha em mim residente. Na verdade, o equívoco todo vagueia por um rio que deságua neste mar. As coisas e pessoas são o que são, estão onde estão; tudo circula naturalmente... E isto, eu sei, deveria ser o bastante, aquilo que por fim me preencheria; mas ao fim da lareira invernal, acontece o que já não me surpreende: minha felicidade é a única riqueza que não abri mão, todavia, ela é uma indesprendível saudade, uma beleza triste que toca em tudo o que os meus olhos captam... Meu vazio, sem dúvida, é isto: lembranças de um ser-vivo... Com meus olhos noturnos e agonizantes em busca de um farol, saio de casa pelas ruas de flores, de luzes e de sombras tentando oxigenar minha alma... Este céu move-se excentricamente. Fico inerte. Encortinado por nuvens, sou ostra presa aos rochedos... Nele está minha imagem: embrulho sofisticado e bem-humorado ocultando tempestades... As nuvens são belas mas abrigam cargas elétricas – é o olhar brilhoso que esconde lágrimas límpidas e vivificantes... E se o vento forte leva o mal-humor desse clima, continuo sedento, enlacrado nesse tempo-espaço: a ânsia aumenta o tempo, o tédio encurta o espaço – são ventos aperiódicos adiando a sorte... E se caso a chuva cair, grânulos prateados ecoam de mim – choro que desce feito lampejos, ideias germinam em alta velocidade como torneira derramando amores salubres, canal onde deságuo meus reclames... E depois, no espelho líquido e ondulado desse chão barrento contemplo o firmamento parcialmente azul: azul-bebê recém nascido sobre o berço de nuvens alvas e acesas: meu rosto clareado no tempo renovado desse espaço composto pelos fragmentos de escuridão e de beleza – é meu campo nutrido, minha sensação de dever cumprido. Partida e chegada desse raro e leve sentir...
Vejo uma criança longe de sua mãe: a boa mãe que eras... Entendo que toda essa terra firme é mentira e dor e só o mar inconstante – de seus olhos – é o lugar em que não consigo desencontrar-me.

Jurema - Sergio Martins




                          
Jurema, que (da cama ao chão) seu tempo dure,
o verde intenso e infindo de seu mar jure
(ser primavera) pro meu norte Juremar,
pra comermos e bebermos sem nos saciar.

Jurema, que toda essa minha jura
e teus poemas não tenham cura;
pra vivermos em susto e distração de um passear
e que seu olhar rime onde eu possa mergulhar.

Rezinga – Por Jonathan Raymundo e Sergio Martins



     

Num crepitar fulgente mergulhado às sombras dessa lua, fiz minha conclusão – cisão de antigas convicções.
Se é que um homem como eu, merece a tosca paz das convicções. Ao menos essa dor poderia ver se estou na esquina.
Iludido sim, mas só pelas minhas simples e extraordinárias fantasias. É de curva, é de se cruzar, se co- habitar e se alienar nos braços da paixão que criei e que não hei de partilhar com ninguém.  Assim se dá meu isolamento de infindo domingo: sou só um homem de apenas desejar este homem só.
Domingo. Dia chato, monótono, frio. Lembro de ti, mas esta lembrança também é monótona como as imagens digitalizadas que extraem da vida seu movimento. Sou apenas fantasia, quiçá seja só isso quem em mim ainda vive e tudo mais que se comunica - ato vulgar necessário a tudo o que morre.
Ah! vida de atalhos e amor não meu, quem me livrará de sua simplória e triste beleza? Quando amanhece tenho as luzes e as cores de tua face maravilhosa e o mundo é tão inspirador em seus enigmas, no entanto, trago em mim o poema de teu corpo que traga de minha alma todo o prazer e a calma de nossa Belle Époque. 
E comungo da comunidade dos eternos. Janto com Pessoa, acordo com Lispector, troco risos com Poe, Pound se aproxima, Rimbaud, Baudelaire se une à comunidade dos últimos românticos. Eu romântico? Eu com os mestres da literatura mundial? Quanta tolice povoa a mente dos desesperados.
Sou estrangeiro, estradeiro, viajante de minhas credencias. Embora perplexo com a estranheza desse universo, dormirei amante do prazer, embevecido do vinho que me acarinha, convicto por ter a solidão e a tristeza como queridas e fiéis amigas. 

Chuva e imensidão - por Fábio Alcoforado e Sergio Martins





Penso num mundo de guarda-chuvas...
As chuvas que guardo em meu mundo
nunca as possuo, são tuas.
Inundo.
Essas gotas travestidas de iris insistem em chover ao contrário; pondo-me
aos braços de Isis, Valquirias, Rosas... a caminhar para Maria-já-é-dia.
Preso nos meus dias de chuva, livre estou do que não sou. Já dispenso o que me guarda...
Na noite de Maria, a noite me aguarda...
Corro da chuva ao luar. Depressa. Com pressa, as prévias de uma prece que parece perecer,
mas não me roube a solidão; eis-me guardião, ancião e muitas vezes meu próprio ladrão...
A chuva que te alaga também são minhas àguas paradas:
redundância de chuva e imensidão.


Da burrice - Sergio Martins






"O egoísta, pelo menos faz algo pra si, que é a promoção de si próprio e do seu negócio. E nisto ele pode exercer genial profissionalismo ao ponto de fornecer um exímio serviço à sociedade. Já vi capitalistas selvagens tendo surtos de solidariedade... Já o parasita, (este inerte, pútrido e desonroso ser politicamente correto, este covarde travestido de bom moço que vê a degradação e a injustiça e nada faz além de emitir falsas esperanças e palavras pretensiosas que tentam convencer o miserável de que sua indiferença é divinamente justificável), figura a classe da ignorância no sentido mais burro da palavra. Mas não é a burrice sincera e ingênua que nos faz até mesmo rir ou sentir pena do burro; digo, pelo contrário, daquela que nos causa asco." 

Do que me prende o olhar- Sergio Martins





"O que me alicia os olhos na pobreza é a suposta miséria da qual minha alma se prende para encontrar sua liberdade. A feiura, a escassez e a dor são partes inseparáveis de mim - e é isso que eu não sei negar. Cada dia que passa, aceito mais e mais essa dependência de tudo o que é desprezível pelo conceito capitalista, burguês e moralista. Na verdade, creio que o fato de eu ser aficcionado pela insignificância é uma forma inconsciente de me aceitar desnudo frente ao espelho, de encontrar significados, de me ver nas ruínas a fim de reconstruir alguma coisa de útil."

Sobre boas e más companhias ou o porquê de eu amar tanto meus amigos - Sergio Martins





No caminho em que ando equilibrando-me entre penhascos e vales pantanosos, nunca fui boa influência para os politicamente corretos. Jamais nutri a capacidade para o fracasso dos sem opinião, dos caras-de-pau que não se decidem, não se assumem e que dizem "vou bem, obrigado!", dos que veem o "circo pegar fogo" e não estão "nem aí" por estarem ligados na novela do horário nobre, por já terem garantido o pão sobre à mesa, dos melancólicos que existem dentro de uma prisão moral-social-psicológica e vivem sob uma máscara... Apesar de a razão não ser dona do meu destino, não vejo ela, a razão, na ideologia do sucesso que vende o sonho americano, na ditadura da felicidade ou no triunfalismo fútil e capitalista do mercado religioso. Na adolescência, aprendi a ter opinião própria, formar opinião, não ser Maria-vai-com-as-outras... Daí, sempre ouvia: não ande com Serginho, ele é um mau elemento... Elas é que tinham a tal da razão; mães sempre querem o melhor para seus filhos... E isso me foi de grande utilidade, pois aprendi a não cultivar amizades utilitárias. Foi melhor assim: ser exagerado e viver com sentido. É isso, o bom jogador sabe a hora de parar de jogar; o bom da vida não é o prazer pelo vício, mas o vício pelo prazer. E tão logo fiz 33 anos... Sem desejar cometer alguma gafe, perdoe-me a infeliz comparação, mas minha idade nos remete à fictícia “idade de Cristo”. E Ele, como todo diferencial, nunca foi ou é boa companhia para quem quis ou quer viver na utópica segurança existencial e na corrida maluca pelo Ter sem jamais desfrutar dos gozos do Ser-si-mesmo. 

Citações do texto "Intimidade" - Sergio Martins






" Nunca servi para servir os deuses. Sou feliz, rebelde e insano demais pra isso; a bajulação pelos deuses sempre me causaram dores de cabeça..."

"Gosto de fazer o bem. Não por compulsão, não para "inglês ver", não para com os deuses barganhar."

"Brigo com o mundo mas não engulo o amargo. Sou moleque, irresponsável e do bem - os amigos sabem bem disso, porque para me conquistar, basta um sorriso, um olhar arrebatador..."

"Ser livre (dentro de mim mesmo) é mais importante que mostrar minhas asas."

"Não sei fazer o mal. Quando o faço é por distração, pelo calor da paixão, do senso de justiça... Isso é natural dos felizes, bobos, poetas, amantes... Quando não sei fazer, simplesmente me retiro. Sou de abandonar, de sumir, de seguir meu caminho, de me orientar e nunca mais voltar..."

"Não tenho tempo ou paciência para inveja, culpa, mágoas, ódio... Não gosto de carregar peso além do necessário. Sou sacana, sarcástico e compreensivo demais pra essas coisas."

"Só sei fazer à minha maneira... Sem coração não consigo andar. Respeito as andorinhas, mas sou Sabiá - canto solitário na chuva..."

"Odeio repetições sem significado, fazer por fazer, tudo o que é muito igual, uniformes, fardas, modismos e futilidades. Até a alegria se torna insossa mediante a repetição. Não costumo repetir demasiadamente a mesma alegria, já pulo pra outra rapidamente, tenho a constante necessidade da busca pelo novo, de captar e criar algo que me roube o fôlego."


"Tenho um caso de amor com a beleza (poética). Por isso, todos os dias,  consigo apaixonar-me muitas vezes pela mesma beleza."


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