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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Amarelo - Sergio Martins






Entre tantos livros e minha coleção de vinil achei um caderno amarelo atrás do armário, qual desfolhagem de outono, e numa folha empoeirada de velhice lia-se um amor em felicidade.
Eu lhe escrevi cartas loucas e lhe entreguei um poema, mas, distraída, ao passo que eu lhe contava “estórias”, dormistes... Você cantou e inibiu-me, dispersando outro poema para longe - de mim...
Foi destoado o tempo todo em que a chuva nos trazia as canções de namorar, pois vimos as sementes de amendoeiras e nossos ipês de agosto sem nunca acharmos o mesmo tom... Enquanto mais uma magia expirava como se todos aqueles fevereiros fossem apenas fim de carnaval, um tipo louco de poema floriu e descobriu-me – dos vazios, dos beijos vãos, dos abraços doloridos - feito um amante reencontrando o indesejado inverno nas páginas antigas e amareladas de seu caderno de poemas.
No tal caderno, desenhado no papel envelhecido, até o sol, o mar, as flores e meu sorriso tinham a mesma cor... É que ela – a poesia - também me deixara assim (no belo e triste amadurecimento de velhice precoce que tem somente o apodrecimento de um tempo feliz): amarelo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Baby Please - Sergio Martins






Eu tentava em vão fazer o “Baby, please” na minha gaita vendo ao longe o tingimento do sol matutino sobre os prédios na sombreada e vazia avenida onde os Abricós de Macaco floriam maravilhosamente... Do seu quintal, o cheiro forte e agradável da terra me faziam questionar sobre a razão de ainda estarmos sob o alucinógeno dessa grande cidade quando nosso lar no interior nos reserva tanta felicidade...


Ao tempo que num profundo sono você se entregava, tentei imaginar os abrigos confortáveis e os prazeres que te punham em cárcere, como se as luzes e os adornos dessa cidade fossem entorpecentes de euforia... Talvez, antes de o sono lhe confortar, você também se indagasse: então são estes os sonhos que me furtam a vida...? Mas lhe deixei dormir... Sim, eu lhe deixei, assim como se deixa um maço de belos Crisântemos sobre o túmulo de quem se ama. E novamente, pela avenida floral, cansado e frígido, tentei em vão fazer o “Baby, Please” na minha gaita.


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Soneto em solidão - Sergio Martins




Em solidão lírica e amiga, no quarto frio de menina,
entre rosas e brancas, perfume e choro de unguento,
como se o mundo fosse liberdade de apartamento
e minha vida negra tivesse a luz do olhar de felina... 

Em solidão e faminto, sacio-me ofertando um poeminha...
O sorriso da moça vem após seu elétrico cansaço...
Alegrinha e trêmula, refugia-se em gemido e abraço...
Ah, se tu fosse criança, entenderias a felicidade minha!

Em solidão e bem velado, durante a noite ou de dia,
estou na paz de minha antiga e estranha alegria
- sobre o colo da louca amada que me acaricia.

Em solidão e dormente, as tardes errantes me aliciam,
a noite e a mulher entorpecem as estrelas e me remediam:
de manhã, tenho o que não há no divã, na igreja ou na drogaria.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Florbela - Sergio Martins






É namoro de sambar,
verão de “endoidar”
num amor de se molhar,
nesse prazer de vira-mar...

Fevereiro sorriu pra mim,
o sol mais forte despontou,
pelo caminho de onde vim,
(morena) Florbela desabrochou...
No Carnaval feliz, meu mundo se enfeitou
como se todo o amor sonhado tivesse “a fim”
e neste coreto, está em cinzas o que nos acinzentou 
onde já são mitos, desgosto de Colombina e Arlequim.


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Assombração - Sergio Martins






Foi num domingo que a – louca – amada furtou minha televisão.
Na segunda vez, levou minha cama e o sofá.
Na Terça de Carnaval destruiu meu Abadá.
A Quarta foi magoada folia com chorinho, todo meu mundo sem chão
e, mesmo ao lado dela, a casa ficou vazia – minhas cinzas sem ressurreição.
Na quinta-feira – meu dia de folga - não tive geladeira nem fogão.
Na Sexta, mais volúpia, cama a dois, promessas de regeneração...
Até chegar meu Sábado de Aleluia em que ela trouxe muita aporrinhação,
daí, aborrecido de viver só pra morrer, parti de Finados à poética remissão:
em alforria boêmia ressurgi no bar em boas companhia e diversão, 
livre, definitivamente, daquele ebó-amor de assombração!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Baunilha - Sergio Martins






                                                             
Juntos, sempre temos várias cores e belas frutas a conhecer, mas seu perfume lembra-me a baunilha de outros tempos... "Baunilha de meu sublime chocolate, flor de favas negras...!" Pensei ser, a necessidade primária, os sabores e a degustação das pomas de teu intrigante corpo; porém, teu aroma doce e único revelou-me a razão mais profunda, a essência de um amor singular que você, de pouco em pouco, desembrulha de minha alma, como se abrisses as gavetas da alegria – de minha infância que sempre revivo ao seu lado... 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Catavento - Sergio Martins






No pequeno redemoinho
que passeia pelo chão do quintal, estou...
Vejo um grande moinho
a carregar vendaval que em mim flertou...
Folhas suspensas ao céu alegrinho...
Menino solto na ciranda, cantiga de roda cantou...
Gira catavento num sopro de carinho..
.Roda gigante de teu olhar que me encantou!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Teu amor - Sergio Martins


A fome nos apressa e nos põe a fazer coisas pelas quais nos desconhecemos...

O domingo fica mais estranho com o passar dos anos e sempre nos lembra do momento da porta fechada com violência e assim ficamos com a sós com os ecos dessa batida furiosa... 

A fuga do desejo outrora alcançado e todo o ideal de felicidade que nos afugentou e que agora apenas é filme antigo, sobretudo, nos informa que também somos culpados: espectros que tocam e nunca são tocados, veem mesmo não sendo notados...
Cúmplice do caos, te convido ao meu último e melhor vinho que bebo todos os dias, pois tua companhia prazerosa não me rouba a solidão amiga. Nesta nebulosa e fria noite comeremos da arte que nos consome o corpo e a alma, de maneira que acharemos graça em nossos rostos melancólicos e risos entreabertos e foscos. Às tenebrosas melodias do piano, me aquecerei em teu colo noturno, pálido e letal em que abraço a morte ofertada em seus carinhos. Antes de deitar-me em nossa cama onde sou possuído pela ternura da morte a cada noite, farei meu túmulo para dormir em paz, sentirei o prazer de teu amor que, em desespero, anseio tê-lo sempre; pois só ele, o teu amor, não apaga a luz de minha bela e devotada amiga tristeza.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Opostos - Sergio Martins







De teu corpo, o orvalho foi chuva sobre inférteis areias de frígidas noites não havendo rocha que se esculpisse em beleza feliz aos teus cálidos banhos e como numa viagem perdida, ao menos uma pedra do deserto rochoso limpou-se com as gotas mornas que de ti emanam qual carinho permanente do tempo sobre a indiferença eterna desse andarilho perdido e insensato desnorteando seu chão e suas flores.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O lado outro - Sergio Martins





Haveria muita chuva de verão
para tanta festa de praia
e o céu de Janeiro assistiria
roda de samba, capoeira e dança de amor,
o tempo ficaria imenso nos braços daquela paixão intensa,
da loucura e da euforia - crianças no jardim...
Mas aquela rima era quebrada
e ela quis ser oposta,
o lado outro que era de par em par
entendeu tudo errado...                                                                                                                                                      
Até vir frio de ausência, chuva de granizo, viagem e nostalgia...
E num entorpecimento, no susto e na alvorada das ideias, este insensato moleque viu-se tão feliz no estranho e novo caminho onde o perder-se é sentido maior e prazer...
De Janeiro a Janeiro, eu e essa bela novidade vemos e temos só o que queremos: cores e luzes do inesperado que não mais assustam, pois norteiam nossos pés curiosos, calmos e ébrios.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

De noite - em noite - Sergio Martins






Passada a chuva demorada naquela tarde tão fria, senti o desatino das horas observando a ventania secar o vermelho barro que eu pisava e semelhante uma travessia de pequena ponte rumo ao estranho caminho, a noite cobriu-me de um negro e fúnebre véu.

Restou-me até a coragem de perder meus olhos cabisbaixos que há tempos pontilham meus passos. Ergui a cabeça. Ao longe, sobre a montanha, um pedaço de firmamento pareceu-me um tanto monótono e repetitivo semelhante ao universo que permanece em mudanças enfadonhas; ou mesmo, ao tédio dos que embora tendo um mundo (só e pra si), não conquistaram sequer um lar.

Pensei no absurdo que era perder de vista o modo cabisbaixo de pensar a vida (pelo menos por algumas horas) e ainda assim, ou talvez, por conta disso, concluir que tal insanidade de meu íntimo (o pessimismo, a melancolia), é o que me põe em harmonia e em prazer no cosmos; como se minha vida inteira fosse e por certo será, feita de reconstruções - a partir dos entulhos...

De cabeça erguida, vi o firmamento estrelado que deitava-se acima da imensa lua primaveril contradizendo todo o céu ainda nublado, como se tivesse orgulho de mostrar-me o filme de nossos dias felizes... De volta à chuva e às lágrimas que bebem madrugadas, o céu que vejo é meu e ele, desembrulha-me agora: teu olhar romântico, alegre e eufórico é a mentira (dos deuses) - que não quero profanar.


sábado, 24 de novembro de 2012

Com bola e tudo - Sergio Martins






O amargurado encheu as malas, partiu pra roça e feito um altar, pôs os quadros e as fotos no mesmo lugar numa tentativa de eternizá-los intocáveis em sua época festiva...

O aventureiro achou vida estradeira, um lar em cada esquina, uma paixão por mar e embora não permitisse ser possuído, foi presenteado com os ares e as pessoas que respirou e assim, viajou - mesmo sem nada ter; conquistou seu próprio mundo.

Rico, o maioral partiu. Por só querer querer, comprar e não perder, ganhou apenas o que acumulou: migalhas de seu amor ao poder. Então, sem nada, partiu outra vez.

Afoita, a maior, foi a primeira a sair. Tão logo, achou a nova casa profundamente entediante, insensata e vazia quanto os cômodos de seu mundinho...

Estressado, no intuito de partir, o do meio achou um meio mais fácil. Mas os dias seguintes se tornaram difíceis e infelizmente, não encontrou o caminho de retorno...

O inferiorizado era o mais jovem e pequeno. Este permaneceu qual beleza fúnebre das rosas: envelheceu cedo demais. Solitário, notou que havia uma bola de futebol em seu quintal, porém, não achando dono para ela, deixou a calçada esquecido de seu banquinho de plástico e como quem marca um "gol contra" em final de campeonato, entrou em casa(com bola e tudo).

domingo, 18 de novembro de 2012

Outras vozes - Sergio Martins





O mágico olhar se tornará gris e sequioso
e o seu Scotch caro não será milagroso.
Depois de cair e notar o mundo girar,
desejará aquela máquina de escrever,
a máquina do tempo, rezar ou desaparecer?
Logo que ouvir outras vozes do seu coração,
lembrará de promessa, desabafo e perdão,
que tudo é só necessidade de se encontrar
(no colo de mãe), de novamente se apaixonar,
que todo seu trabalho estúpido para morrer
era somente o afã de intensamente viver...
Na solidão noturna em que a luz faltar
e, no frio silente, o último cigarro se apagar,
acenderá outra rua num viver sem chegar
ou será um amor desvairado que irá te salvar?

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Em meus lares (a favor da tribo Kaiowá por seu território ancetral) Sergio Martins



Resultado de imagem para aldeia guarani-kaiowá do mato grosso do sul




Ao tempo em que não caíamos na segunda divisão,
o fútil olhar morria de amor com toda sua alienação,
estavam em alta o reality show e a moda primavera-verão,
por conta de mais um namoro gris, aqui vivia-se a depressão,
e lá, Sol e Tupã tristes, fracos e em apuros na dilaceração
de um sul que é a cara de Brasil ou parece um outro que não viu
ou não quer ver este que segue inerte na ponte que se partiu...
No instante em que eu não conferia o troco,
gastava sem razão, fazia questão de pouco,
enquanto você dormia e eu só fazia
meu papel de escrever mais rebeldia,
havia morte à Gaia em nome de Deus, pó sobre pó
em todo meu solo Guarani, Taquara, em Caarapó...
Onde a Senhora estava que não soube da Aty Guassu em Yvy Katu,
Ñande Rú Marangatú, Sombrerito, Guyraroká, Potrero Guassu...?
Talvez o Senhor, no frio de ar condicionado assistisse televisão
com a bela propaganda de felicidade maior que a da desolação...
E eu, aonde me escondia, encontrava-me e a tudo perdia?
Vou dizer com um tanto de vergonha, nem sei se deveria:
fazia Mbaraka e Takua contra a maldição de homens pálidos,
em meus lares Kaiowá, Pyelito Kue, Tekoha Ñu e Porã – Dourados.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Borboletas - Sergio Martins







Pousou. Ascendeu. Deslizou. Acalmou-me:
Planei no céu. Abriu o segredo e contou-me.
Violão do corpo à alma, novo se fez,
flor colorida confundiu-se com sua tez,
como fosse alegria de primeira vez
toda a nossa beleza que se refez.


Abandonando o prazer de um farol
mergulhou ao encontro do sol:
minha sombra despida, a razão faz valer,
na timidez de tocar-me, no orgulho de sua luz obter...

O que traz um sensível olhar às estrelas
devolve-me a graça nas incertezas...
Se tropeçante e com medo abro as janelas pra acreditar,
já não me apresso em entender o seu levitar...
Minhas asas são – suas -,
as curvas que me obrigam - suas ruas -,
ao vulnerável atalho dessas - águas turvas, brumas -,
duas luas - vibrantes em suas palpitações mudas -,
é cada olhar no castanho mar  - dóceis uvas -,
é feitiço marulhando - almas impuras-;
borboletas recém-enclausuradas provando, sorrindo e nuas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Idas e vindas - Sergio Martins






O sol matinal com seus raios oblíquos sorve o orvalho da última noite de uma temporada de chuvas, colore os capinzais, os arvoredos e as ervas rasteiras pela estrada alagadiça... Sinto o cheiro da terra, o café exalando gostoso está na xícara grande que seguro com minhas mãos frias; do meu quintal, um pardal afoito e perspicaz dribla o medo de estar em minha presença e leva as folhas da mangueira caídas ao chão, as nuvens cinzas se fragmentam, a brisa que afaga o rosto é aquecida e tem perfume de flores, a cigarra canta, as borboletas monarcas reaparecem, o campo recebe os garotos famintos de bola, um sabiá passou cortando o silêncio qual faca afiada; bem ao longe, uma pipa deslizou e eu sorri por ainda acordar moleque desprendido de razão... E penso em como é bom festejar a ida... A ida à molecagem, às ruas barrentas da infância, ao carinho acolhedor dessas noites de Outubro... Abrir as portas e receber a primavera no íntimo como um desmedido amor próprio: idas e vindas do dia grande, festivo e de beleza gratuita, das felizes e esperadas cores, do aparecimento da novidade da terra, da caminhada de bicicleta aos fins de semana na estrada por onde as amendoeiras arremessam suas copas, das sombras e folhagens, das novas canções, dos inusitados romances, do velho livro que se acha em meio aos badulaques empoeirados, do nascimento tão esperado, o choro que só chega para a ida do que não é bom, para não mais lastimar a dor antiga, o sorriso extenso para jamais deixar de chorar e sofrer pelas razões certas, a certeza inusitada que o que se perdeu, na verdade, é o início de uma saborosa vida, da sensatez de não nos preocuparmos demasiadamente com coisa alguma...
As flores me esclarecem os valores das idas e vindas: da saudade, da solidão, da tristeza, da alegria da chegada, das despedidas, da arte da reconstrução, da possibilidade na impossibilidade, da Graça em meio à desgraça... Brindemos a mística de nossa primavera: o eterno acreditar...!!!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Réquiem para dois (de novembro)




Porque os dias são Finados, chorei antes de rir ao amanhecer de sol e chuva — que despontou cinzas e sombras no meu chão...
Porque os dias são Finados, da mortal beleza revelou-se para mim um vulto de sorriso em meio às brumas inquietas do cemitério e, por estar morto e sepultado em lirismo eterno, senti a calma e o prazer dos suicidas quando a última fresta de sol tardio fechou-se como um caixão ofertado à silente e fria escuridão da terra...
Porque os dias são Finados, sinto-me em paz, contente e abrigado no seio de minha mortiça dama, a que contempla e chama-me às doces canções de sua boca — como se eu pudesse ver as luzes enfumaçadas de suas velas em meio à penumbra de minhas encruzilhadas...

Porque os dias são Finados, sinistros corvos agouram, morcegos dançam em acrobacias e assobiam, os encantadores urubus me desejam, pois sou vítima espreitada e indefesa no ventre desta floresta assustadora. Enquanto estes espíritos me lembram do mundo do além e elevam funestas sinfonias, palpita o meu coração feito sinos góticos, anunciando a junção dos ponteiros festivos para minha última valsa. Nesse momento, entre lápides e crisântemos, um arco-íris reafirma o amor de minha bela morte por mim; o que me faz grato e feliz, semelhante ao velejar apaziguante de um réquiem para dois (de novembro).

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Em Novembro - Sergio Martins






Em Novembro, meu Ipê amarelo não floriu. Foi quando me lembrei que as despedidas de Agosto e os perfumes insensatos de Setembro aportaram em mim como se a tristeza fosse uma doce sinfonia que não se pode esquecer...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, aprendi o costume de me olhar no espelho sem notar o passar das horas, de perceber os traços do tempo em meu corpo e de tentar viver na contramão do passado.

No ano que o Ipê amarelo não floriu a fé expurgou-se de meu íntimo; então aprendi que é melhor viver um sonho louco a ter uma vida sã em vão.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, me dei conta de um drama: em meu nome há rosa. Sou um homem de uma flor só. A poesia me floresceu. Mas não é essa a flor que com seus espinhos me perfura o íntimo. A dor que sinto provém de uma rosa que cada pessoa a chama por um nome. A minha rosa dos ventos esquisitos tem a sua rosa como nome próprio. Essa dor que de mim não se desprende vem do trabalho que me adiciona mais trabalho e mais tempo para eu não ter tempo para mim. É que a gente pobre trabalha triste... E não raro, perdemos a fome e o sono na tentativa de construir com o que acumulamos: o nada e o em vão. Todavia, sei que a miséria existencial não é só o azar financeiro, e sim, o malogro no amor e todo esse olhar para a vida de esperança perdida que ele nos impõe. Mas há na pobreza algo ilógico: a força que absorvemos para enfeitar e encantar a feiura dessa vida. A dor que sinto é por amar. Amar a vida, por me empenhar em prolongá-la e me eternizar em sua beleza como fazem e conseguem os deuses e os poetas. Quem me dera ser corajoso e desleixado como os loucos e os homicidas!

No ano que o Ipê amarelo não floriu, rebusquei nos álbuns de fotografias e em documentos as minhas origens e certifiquei de uma verdade: a tristeza é minha mãe. Nunca vou abandoná-la.

No ano que o Ipê amarelo não floriu, notei um vazio em mim. Por certo, este vazio já pairava no ar de minha atmosfera, eu é que estava distraído em meu namoro com os atrativos do meu olhar. O vazio é em mim. E acho, até mesmo, antes de mim; antecipando-se ao meu olhar feito cortina de neblina outonal. O vazio é. O vazio está sendo. O vazio sempre está; embora toda a alegria de viver o acometa de um profundo sono. Este vazio mora em mim de forma indesprendível qual Graça de amanhecer e ao mesmo tempo uma tática do amor, isto é, o meu próprio vazio querendo me aproximar dele, o amor, a fim de que eu seja dependente de ser completado por ele. O vazio é um comigo. Eu sou todo um vazio só: vácuo enigmático que não se pode definir. Meu vazio tem o doce aroma da morte melancólico de Novembro e dos campos de batalha e é do tamanho da beleza indiferente da moça na pintura...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, o pé de acerola secou e morreu. Parece mesmo que ele, o pé de acerola, tomou as minhas dores – as dores de um mundo pesado que me curvaram as costas...

No ano que o Ipê amarelo não floriu, desfolhei páginas amareladas e empoeiradas de um velho caderno e dentre um amontoado de rascunhos que fiz, li meu desabafo que absurdamente parece ser atual: “...Aos meus lábios, emergiu de tua boca a doce calda de pêssego, ao meu destino flui o mar amargo de tuas palavras que mudou pra sempre a minha direção... Os quadros, os filmes, as fotos, as festas e as viagens perdidas que vez por outra lembramos... As palavras ao pé do meu ouvido em francês... O lençol continua novo, branco e lavado, porém, frio sobre a cama. O corpo continua jovem, virgem, belo e triste flutuando nas nuvens cinzas de sua realidade..."
O que há de florir meus olhos e acender as luzes místicas nesses Ipês que se apresentam como monumentos estáticos e frios no meu Jardim Novo? Quando se dará o florescimento de um soneto numa folha simples de papel que presenteará a dama enquanto dorme tão cansada e esquecida de si? Quem vai acariciar tuas costas com os lábios sequiosos a fim de sorver suas irritações? Onde ficarão os velhos quadros? Quem há de mostrar-me a bela música do meu funeral e em Novembro, o que em nós há de ser certeza primaveril?.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Rima quebrada por Sergio Martins




Entre Camilas e outras Camélias,
Amanda segue amando - em odisséias -
Vitória que deseja mais Vitórias-Régias,
e Margarida ainda amarra-se em Azaléias...

A cena é bi.
Bipolar.
Bilingue.
Barato moderno.
Minha bicicleta.

A viagem é tri.
Trivial.
Tridimensional.
Tri - pulação
Trigêmeas.

A certinha é Trans.
Sex.
Ual, ual, al-al!!!
Transcendência.
Transloucada.

Ela se sente – o outro. A doida é pan.
Pane, pânico e panelinha.
Panorama em que me vi bem
em pandemônio.


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Do escrever - Sergio Martins






Escrevo pelo prazer, por brincadeira, pela ideia absurda de que é possível eternizar a beleza. E pôr infinidade na beleza é ilusão, e disso vive todo o poeta; de ilusão. Mas se me iludo ao escrever, pouco me importa. Para mim, o que realmente interessa é que no momento em que as palavras me conduzem, até mesmo levado pela ilusão da realidade exponho minhas verdades subjetivas e inconscientes. É aí, no ato de escrever que me encontro; isto é, escrevo para revelar-me. Mera e terminantemente, é isto que me faz um bem excessivo: tornar-me legível (para mim mesmo) ainda que com certa medida de obscuridade...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Belinha - Sergio Martins








Belinha passou.

Um malandro cantou: fiu-fiu!!!

Belinha parou.

Um gatinho miou, e de emoção, quase não dormiu.

Belinha viajou.

O choroso, tadinho, nunca mais sorriu.

Belinha voltou.

A cidade festejou, a velha árvore floriu.

Belinha dançou.

A cadela muxoxou e até as sobrancelhas franziu.

Belinha chegou.

O bonitão virou bobo da corte. Não viu o buraco e caiu.






O berro da Maritaca - Sergio Martins


  

                                     
                                               
Quando a maritaca berrou, foi como uma sirene atordoada:

no céu, todo tipo de pássaro numa louca passarada.

Na lama, a vaca brincou de morto-vivo, pois estava atolada,

a paca cobriu-se de mato e ficou camuflada,

dona coelha achou um buraco para ficar entocada,

na árvore, a preguiça espreguiçou-se e correu desembestada.

Mas distraída, a lindíssima e solitária onça pintada,

que apenas de passeio passava, ainda não entendia nada

sobre a correria de toda a bicharada,

quando percebeu que a maritaca era a culpada

por toda aquela algazarra.

Triste por saber que que continuaria mal alimentada,

aproveitou para ficar ali mesmo, de tocaia, paralisada,

entre o matagal e as árvores, bem camuflada,

observando a fuga de todos em disparada;

e de tanto que estava zangada:

rugiu para a maritaca: que grande palhaçada!!!


quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dança de ratos - Sergio Martins






Não sou tão malandro quanto pareço,
mas seus rastros foram bem visíveis...
Só percebo o quanto não careço
em seus olhos castanhos e insensíveis.

Não é de culpar, pesar ou choramingar,
já que entre vinhos e queijos ainda estamos...
Não vá brigar, penar ou se emburacar,
pois há mais que migalhas onde zanzamos.

Ontem cavávamos buracos, rodeamos tangos e outros tantos;
agora roemos tudo aquilo que um dia nos roeu...
Deram-se ratoeiras, cambalhotas no escuro e bagunça pelos cantos;
mas quem nasceu e vive no lixo sempre ri depois do que se perdeu.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Soneto ao Ipê amarelo - Sergio Martins







Declinou-se pela colina a névoa fúnebre encortinando o cemitério
(gelo seco mascarando a Nogueira ao calafrio das trepadeiras
onde banhei os dedos ansiando ser amado). E de várias maneiras
sofri a solidão: desfalecimento de fumaça densa, beleza e mistério.

Aquela escuridão enganosa se estilhaçou à clareira lunar
e em parto feliz, concebi minha máxima filosófica:
viver é a melhor recompensa, o resto é angústia histórica
mergulhada neste brio exultante ao dourado estelar.

Até a margem da álgida praia fez-se macia aos pés andarilhos
e endurecidos pelos pedregais escoados da ribanceira agreste;
é que nestas areias cintilam os corações em seus devidos trilhos.

Deitado na grande rodela de ouro abaixo do áureo Ipê amarelo,
a sombra afável de suas copas me espiritualizou enquanto eu
ouvia o meu amor – marulhos flutuantes e dóceis de violoncelo!



sábado, 1 de setembro de 2012

Doce amora - Sergio Martins



Quando a luz de Setembro acariciou tua face angelical
eu, vexado e bobo abri meio sorriso...
A tarde fria caiu na graça de tuas mãos de plumas
que tocaram nas árduas areias do mar...
Nem se importou com o vento em seus cabelos, com o meu olhar louco melodiando festiva a canção de brisa suave...
Eu queria apenas abaixar a cabeça e chorar mais um pouco pelas noites mal dormidas ou talvez, ouvir os marulhos, ver estrelas primaveris; sentir o mórbido e mais um pouco da ilusão de ter você...
Mas como ser indiferente à tua alegria de menina que vê o mar pela primeira vez?
E como não pedir de novo o doce quente do teu corpo que bailou e furtou-me o frio do luau?
Agora, desabotoa, incendeia minha vida inteira;
sem demora, minha doce amora, seja prazenteira.
Quero teu cheiro, tua pele muito morena e macia,
me acostumei a ser feliz no teu colo, na praia de nossa fantasia...

Vai saber; por quê?
Vai saber por que
a vida não se cansa
de levar e de trazer
(não é pra se entender)
uma nova onda de só apetecer,
de querer outro modo de olhar,
de amar e sonhar pra valer.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Distração - Sergio Martins






Sei que não devia, mas te vi.
Quando recebi seus olhos, foi como o despertar - um súbito pasmo diante da realidade.
Estava atento, livre, seguro e um tanto feliz entre os prazeres de vinho e a roda de violão, pois sou inteiro e me sinto pleno com os vazios naturais de todos nós, porém, você veio para pontuar mais significados, agitar a calmaria entediante, dar-me fôlego e cansaço, trabalhos e muitas folgas/folguedo, os espelhos pelos quais admito o que nunca quis enxergar...

Sei que não devia, mas te vi.
E você me convidou-me a dividir muito mais do que tenho - do amor. 
E isso é levar e trazer tudo de mim.

Sei que não devia, mas te vi.
Quando você me olhou, seu caminho também era um frígido agosto...
Até que em nossa distração, pela noite caminhando, vimos um farol:
deu-se o amanhecer floral de setembro.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Do que há, mas que também já se perdeu - Sergio Martins





 Meu amor se foi. Meu universo desabou. O Jardim Novo é um belo cemitério onde sinto claustrofobia e o meu quarto-túmulo guarda as recordações de uma época jovial. Da cama-caixão onde a solidão é a dois, avisto os Crisântemos do dia de finados nos vasos de minha cabeceira e as rosas desidratadas, sequíssimas e envernizadas em meus quadros. A janela apenas é mais uma dimensão pela qual transita a velha e fúnebre aparência pintada de mentira para a triste cerimônia desta fugaz existência. O mundo é a visão da casa em ruínas, de tudo aquilo que em mim foi fragmentado: nos quadros, nas paredes, nas fotos, nas ruas, nos livros, nas roupas que ainda tem os fios dos seus cabelos e o perfume do amor que se foi... Meu corpo deitado e estático já não sonha viagens... Sou fantasma que em tudo se sente tocado, mas que em nada consegue tocar... Junto à minha lápide-diário encontrei uma folha amarelada e nela, li o que seria meu epitáfio: "Todas as velas se acendem enquanto meu caminho é total escuridão... Estou partindo só. Tão só como a este mundo cheguei. Vazio de todo paraíso que encontrei, pois, na simplicidade desse meu eu, nada mais quis além de me fazer todo amor na graça festiva... Porém, não enxergando os contos lúdicos de um correspondido amor, enveredei-me pelas sombrias florestas, me perdendo dos sentidos... E eu, frágil mortal, desejando a vida eterna no meu amor a uma deusa, me transformei em aspirante a poeta não imaginando os perigos do afã em  brincar de ser deus..." Tenho medo dos meus desejos.                                     
 Certamente, não ficarão eternizadas as juras de amor que recebi, tornar-se-ão cinzas atiradas ao mar semelhante a minha paixão no crematório da saudade onde sou a resposta confiscada dos desejos na maldição da eterna despedida. Portanto, se entro num concerto florestal e o calmo do seu encanto se aconchega em meu quarto onde em paz dormimos; uma ausência ainda me domina. E se me ponho a circular pela cidade cujo luxo a mim é indiferente e acúleo; tenho por certo que não são as pessoas o absurdo, os espectros malignos; eu que ainda sou vulto, aviltado pela cidade estranha em mim residente. Na verdade, o equívoco todo vagueia por um rio que deságua neste mar. As coisas e pessoas são o que são, estão onde estão; tudo gira e retorna naturalmente... E isto, eu sei, deveria ser o bastante, aquilo que por fim me preencheria; mas ao fim da lareira invernal, acontece o que já não me surpreende: minha felicidade é uma única riqueza indesprendível da saudade, uma beleza triste que toca em tudo o que os meus olhos captam... Meu vazio, sem dúvida, é isto: lembranças de um ser-vivo que hoje, tão somente tem em seus olhos noturnos e agonizantes a constante busca de seu farol.



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Para os que fogem do luar - Sergio Martins





Labirinto que nos afronta numa indesejada diversão, armas que falham no pior momento, poder frustrado na hora errada, honra que se esvai quando a autoconfiança é grande, desprezo com orgulho na fala sempre que a espera volta-se para a chegada das boas novas... São as únicas saídas para os que rompem com o prazer do luar.
Da vida breve e andarilha no pensar que corre sem freios para o mar bravio, há um aprisionar-se numa rastejante percepção, na trilha estreita envolvida por sombras, condenando-se a velejar nos inconseqüentes ventos onde o horizonte são os olhos da consciência trazendo a incerteza do que é feliz.
Na magia apertada em que nos fizemos súditos impotentes, ilhado, sem rumo e pelo avesso está o norte; são sonhos irrigados pelo deserto, involuntários pensamentos ao entardecer da esperança; é a inquietude pela convicção que nada se pode fazer além da espera inútil pelo favor da severa imprevisibilidade.
A manhã que um dia acendeu-se traz neblinas mal-humoradas para o vale de lágrimas permeado pelos absurdos do coração, no campo onde se admiravam flores desabrochando, plantam-se cinzas de todo tipo de promessas enganosas e sob o peso das recordações que desmoronam o castelo de fantasias, observo estrelas se transformando em holofotes a desconstruir o que é razão...
Exterminadas as suas canções, são inúteis as declamações poéticas dos saraus, a volta para casa é fantasmagórica, e sem aquelas palavras aos pés dos meus ouvidos – Jet’aime –, o tocar das brisas é fúnebre temporal ameaçando o bom juízo de minha cabeça; de sorte que, ausentes do sol, apenas somos Agosto desfolhando o colorido do mais raro sentimento...

terça-feira, 28 de agosto de 2012

No vidro nublado - Sergio Martins





Você desenhou corações no vidro nublado...
Ao tempo em que fiquei paralisado vendo os 
pingos de chuva regando a poça de sua calçada...
No tempo errado, te vi ao embalo da razão e
somei mais um rasgo lendo os versos de curva
- lançando a moça na cilada que ela mesma fazia...

Foi por mim que te vi voltar pra longe...
É por você que ando entre as pedras...
Mesmo que as despedidas nos persigam
desde sempre, nem pude te contar um segredo...

A água quente da banheira, sua voz retorcida, meu relógio aflito...
Deixamos silentes nossos mistérios, as artes que jamais teremos,
as cores que não pintaremos, as paisagens que inventamos,
as viagens que sonhamos, as cartas não remetidas...
Juramos nos ver todas à vezes que a saudade nos chamasse,
acho que sempre vou lembrar das alegrias ofertadas por você...
Após desistir do afã de (me) entender na navegação,
compreendi que para esse mar, tal navio é tão fútil e pequeno...
Embora, eu também nunca esteja sozinho nas festas,
como toda intensa e breve felicidade somos mais felizes agora 
que tudo se tornou estranho e belo - feito corações que se desenham
no vidro nublado...

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O vento - Sergio Martins






O vento confunde o jogo, vira a mesa, troca a sorte, inverte o quadro...

Já deixei-me levar pelo vento brincalhão que mudou a paisagem revelando o céu estrelado na época em que tudo era miragem, uma breve sensação de felicidade – o vento cálido no corpo não era o mesmo que ventilava minha mente –, pois aquele tal vento nunca conseguia remover a solidão insossa, destronar a balbúrdia do meu dia a dia, me ajudar a reconstruir tudo o que ele mesmo me confiscou e assim, ele me acordava. Eu via o dia colorido e o seu redemoinho cavar buracos na realidade sonhadora, destruir o jardim, agitar o mar... 
Mas ventos sempre mudam...
Hoje sei que é ele, só ele que soprou as poeiras de meus olhos, levantou minha camiseta, me abraçou, adornou meu chão de flores matutinas, me deixou leve, enxugou minhas lágrimas, varreu as impurezas do meu caminho, soprou doces palavras aos meus ouvidos, desfez todos esses muros de areias...

O vento confunde o jogo, vira a mesa, troca a sorte, inverte o quadro...
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