Vem ao mundo a alma pequenina em meio a uma festança de causar inveja.
Até mesmo antes de seu nascimento, no chá de bebê, a festa já era fervilhante: a gestante com sua enorme barriga pintada com as cores da bandeira nacional saltava feito louca pelos becos da favela com o rosto e os pés inchados como efeito das noites embriagantes à aguardentes; na cabeça trazia um chapéu à moda Carmen Miranda com frutas e legumes catadas na “sessão xepa” da feirinha de sábado, em uma das mãos exibia um boné do M.S.T. com o qual recebia as moedinhas depositadas pelos humildes moradores da pobre comunidade...
Enfim, nasceu o menino Cláudio magrinho como seus irmãos, bem pequenino e negrinho. Era o décimo filho de dona Joaquina que teve sua chegada comemorada pelos “donos do pedaço” com grande euforia, churrasco, bebidas, bolos e salgados para toda a favela além de fogos, estampidos e distribuição de “passaportes em preto e branco” para quem quisesse viajar sem precisar sair do lugar.
O menino crescia e aprendia com facilidade a adaptar-se ao meio: jogava bola de gude nas vielas, soltava pipa nas lajes, vendia doces nos trens e ônibus, ajudava seus irmãos no recolhimento de cacaréus para vendê-los no “ferro velho” e nas compras.
Cláudio não tinha irmã e nenhum dos seus irmãos freqüentava a escola; portanto, todos eram analfabetos como ele também era. O que ele realmente gostava era de uma boa “pelada” no time quase formado só por seus irmãos, daí o nome do time ser Rocha como homenagem ao seu sobrenome; aliás, para ele não havia nada melhor no mundo do que não precisar trabalhar, “bater sua pelada” no campo de barro, curtir aquela onda no verão e um bom baile funk no fim de semana.
Dona Joaquina, semelhante ao seu marido era alcoólatra, mas seus filhos, no máximo tomavam algumas cervejas e puxavam um “careta”. Por outro lado, Cláudio desenvolvia um comportamento diferente dos seus irmãos. Logo que completou quinze anos de idade sentiu-se grande o suficiente por conseguir pichar a fachada do edifício mais alto do bairro e descolar uma grana na saída de um “caixa rápido”; e depois foi até comemorar queimando um “baseado” com o “bonde sinistro” da favela.
O “bonde” chamava-o de Dinho, e o apelido ficou. Algum tempo mais tarde a polícia já entrava na comunidade para pegar sua “mesada” com Dinho que desde cedo se viu como patrão pela sua competência; de modo que o sobrenome Rocha ganhou destaque no gueto. Dinho que nunca gostou de trabalhar, agora dominava seu próprio negócio que lhe assegurava uma considerável renda, fama e respeito. Mas como diz o ditado “a vida torna-se difícil para quem quer tudo fácil” e assim, infelizmente, ele comprou briga com a “concorrência” e o final dessa história foi aquele de sempre dos noticiários. Com o passar do tempo, Dinho tornou-se apenas mais um ex “dono do pedaço” esquecido na memória da comunidade cuja maioria que velou seu corpo fragmentado à entrada da favela é a mesma que faz “os donos do pedaço” e que patrocina as festanças das gestantes. Contudo, dona Joaquina com seu jeito brasileiro de pôr ordem na casa, rapidamente arrumou um substituto para o camisa 10 no time do Rocha com direito aquela festança, pois o futebol e as festas não podem parar por causa um estraga-prazer.
Dinho é só mais uma figurinha repetida destas que semanalmente estão nas capas dos jornais sensacionalistas, apenas é mais negrinho, pobre, favelado e esquecido como milhões de outros que virão e provarão do amargo de uma sociedade omissa, que não leva a vida a sério, muito menos a morte, porque na cidade maravilhosa, o imprescindível não pode faltar: o melhor carnaval do mundo e um camisa 10 forte como uma rocha para brilhar nos palcos dos quilombos.
Inagem: http://intrometendo.com/quilombo-dos-palmares/
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