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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Os velhos olhares por Sergio Martins



Através de olhares fascinados e saudosistas se fazia, aos pés da serra, um parque festivo e convidativo.

O clima de montanha não incomodava os garotos acostumados com suas roupas de verão mesmo dentro de um inverno glacial e deste modo, galopavam seus cavalinhos desnutridos.

As crianças se escondiam entre altíssimas árvores plantadas por um botânico dali mesmo, jogavam bola de gude na terra batida outrora coberta de folhagens, de um lado a outro, pulavam e atravessavam o riozinho que já correu veloz abrigando peixinhos coloridos e lírios, mas que agora, envelhece estreito e superficial, subiam nos ipês e colhiam sua nobreza, das pétalas de rosa branca tiravam a sorte no bem-me-quer e mal-me-quer, socavam com galhinhos da amendoeira num pratinho feito de coco desidratado, produziam perfume das pétalas vermelhas, colhiam fruta pão, corriam atrás de galinhas e debulhavam o algodão para fazê-lo flutuar igual bolha de sabão...

Por todo canto havia um novo canto de passarinhos, de anjinhos voando com borboletas, com pardais e com pipas; ali, a frieza não penetrava: suavam, tiravam suas camisas, seus calçados para enlamearem os pés no barro, as mãos cheias de mato, de carvão vegetal, de folhas, de flores, de frutos e de todo o prazer do mundo. Tratava-se de corações aquecidos de um pulsar estranhamente belo, de semblantes rurais e desprendidos da urbe ao redor que confundiam-se com tudo o que é próprio da serra, na verdade, eram serra pura, entidades naturais: ar agitado, fogo intenso, água cristalina, terra boa. Nada mais que corpos campesinos, mentes monteses e almas angelicais. Mas do lado oposto, o frio úmido se esforçava para ser amenizado pelos agasalhos dos seus respectivos pais que lhes ordenavam a abandonar o paraíso.

No calmo de um olhar, a poeira de chuva musicando a tardinha era observada debaixo das amendoeiras cujas copas avermelhadas lhe servia de abrigo. Até que as folhagens encharcadas não suportaram mais o peso da graciosa novidade e transbordaram de alegria gargalhando de babar sobre o menino que só então, com o toque sedutor da garoa pôde retornar do seu arrebatamento e se lembrou das horas, do tempo, do lugar, do seu nome...

Para ele, tornou-se notável que toda aquela movimentação sobrenatural e terráquea era uma tentativa de pôr fôlego à criatividade nos velhos olhares vitimados pelas miragens urbanas.

E de outro ponto via-se o casal que noutra época assistia a tudo isso como se fosse uma visão divina e cinematográfica da beleza, mas que agora, volta separado, porém, ainda tão jovem e feliz, cada qual com seu novo par compartilhando seus guarda-chuvas e se sentindo privilegiado por ainda conseguir respirar o antigo e bom clima do parquinho que lhe serve de lar doce lar desde a primeira infância.

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