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domingo, 24 de outubro de 2010

O mais precioso e desnecessário dos lixos por Sergio Martins




O rebanho avança "à frente"... Não há pastor - onde os lobos são a própria vida.
Sob o destino incerto, as crianças ainda acreditam na descoberta do novo mundo, despejadas ao céu ácido,  de estampidos musicais e à terra polvorosa, estéril - vítima (cruel).
Em toda a "raça inferior", vê-se a pele dura e ressecada– cascos queimados, denegridos e foscos, a carcaça é uma armadura contra as intempéries climáticas: cadáveres encouraçados - revestidos de miséria; múmias enfaixadas de farrapos.
Pela garganta desce suas definições: o pó da terra.
Os olhos pedintes, anunciantes de épocas escravocratas, a cabeça cozinha-se à fervura do árido, a febre rega-se no mormaço sorvendo defuntos aos delírios desérticos.
Abandonadas, as multidões prosseguem, mal andam– esqueletos em película negra e poeirenta.
Espectros vagando em direção à luz? Sobreviventes da vida avessa, filhos de batalhas centenárias, eternos pagãos, alvos das violências covardes e súbitas dos senhores do mundo. Contudo, os bandos não desistem da lida, seguem, apenas seguem - "à frente".
E por que peregrinam numa fila sem tamanho qual artilharia marchando rumo à incorrigível morte?
A excepcional negritude misturada ao chão ardil – caco morto-vivo espreitado por abutres famintos.
Sobrevoam moscas aos milhares, o vento aperta as chagas evolutivas feito um lençol quentíssimo e as dores das inflamações externas são atenuadas, talvez, pelas moléstias interiores...
As doenças são de todos (os tempos - passado, presente e futuro) e de tudo - da água, do ar, do solo...
A comida o que é? E o que bebem?
As divindades do ocidente os desconhecem, ocupados em atender aos caprichos pós-modernos e emocionais da classe A e os deuses do oriente estão inquietos e mui concentrados nas guerras territoriais e religiosas, de modo que não dispõem tempo para atender as questões desse povo.
Como pode haver vida por aqui, gente vivendo nisto e naquilo? Há vida aqui?
Entre as escórias, são os detritos de um tempo vergonhoso, de ambições e vaidades egoístas, vítimas da globalização excludente, resquícios do descaso Neoliberal, resultado da beleza afortunada dos semideuses capitalistas; todavia, é desse inferno que o paraíso magnata é sustentado, é sobre esses escombros que os castelos dos dominadores politicamente corretos são edificados e é de suas desventuras que depende a prosperidade bélica, a indústria bem-sucedida do tráfico, a prestação do desserviço filantrópico-assistencial e toda a economia mundial.
O que vejo é confundindo com minha ideia – o mais precioso e o mais desnecessário dos lixos –, mas meu Deus, eles são humanos! Ser humano, eu? Meu Deus, eles também são filhos do bom Deus!
Esse povo é o "progresso" e a (nova) "ordem" mundial, é o modelo da "humanidade", é o "novo homem"; o homem  do futuro. Esse povo é a imperfeição (do pretérito mundial), imagem e semelhança dos deuses que o rejeitam, imperfeição feita do barro, do pó da terra - povo-pó voltando ao pó após receber o sopro de "vida" dos deuses da guerra...





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