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terça-feira, 12 de outubro de 2010

Fotos e fatos por Sergio Martins



Ele acordou com os olhos voltados para o relógio de parede que lhe informava as onze e meia de um dia frio e sem graça. Torceu o rosto com as mãos e pensou: todos os dias são iguais.

Em seus vinte e poucos anos de idade e nas marcas de sua face percebia-se que o tempo não foi gentil para com ele, e diante da vida, ele estava como um relógio parado, se sentindo inútil, atrasado, batendo à toa sempre nas mesmas portas trancadas, lembrando das baladas do seu violão e de todas as badaladas de um tempo feliz. Há dias estava indo de mal a pior: emagrecendo, iniciando seu dia com a boca amarga, sofria de torcicolo, dores de cabeça, olhos fundos, pensamento acelerado, ansiedade, cinzeiro cheio, garrafas vazias de aguardentes pelo chão...

Mas presentemente, seu corpo estava pesado demais, por isso, fechou seus olhos novamente ignorando o mundo, virou-se de bruço tentando desconcentrar-se do incômodo que vinha da bexiga cheia querendo apenas continuar dormindo para jamais acordar. Estava inquieto por causa do mundo pedante que girava em torno de sua mente. Quando resolveu descortinar o olhar, viu a fotografia que esquecera sobre a cabeceira onde se via sorridente ao lado da menina dos seus sonhos num lugar ao sol.

Seu quarto era o seu cemitério, sua aparência fúnebre deixava claro que tudo tinha morrido, pois quando ela se foi, ele tornou-se um fantasma. Nem o fato de ter muitos amigos o livrou de se sentir vítima do destino, de envelhecer com a mesma velocidade que adoecia pelos males do tabaco e do álcool. Sua memória estava presa ao passado, de modo que apenas sentia seu corpo quando a dor lhe aplacava no momento de dormir ou de se levantar da cama.

Era só mais um sábado. E ele queria apenas permanecer adoecido em solidão e muito Rock in Roll em alto som para não ouvir a sinfonia fúnebre de sua morte lenta. E agora que a festa acabou, finalmente sentiu o peso do seu corpo no ar dramático que lhe abraçava: longe dos amigos, sem fumos, sem barulho, sem euforia, sem a menina mais bonita... Era o silêncio da saudade de ser-si-mesmo. Apesar disso, ainda sentia que à sua frente se apresentava a ardil tarefa de arrumar o quarto e as emoções, pois já antevia o pesar da noite de domingo e da manhã de segunda-feira. Fechou os olhos tentando dormir, mas sua imaginação girava alto e se embaralhava com velocidade e a tentativa de dormir fracassou. Foi quando levantou-se embebedado de raiva, tragado pela fraqueza e ainda tonto, buscou o banheiro com os olhos embaçados, deu uma topada na cama e no ato e aos berros, xingou a Deus e ao mundo vendo o dedão do pé direito sangrar e a unha quebrada.

Ao voltar do banheiro, arremessou as garrafas e os restos de cigarro numa sacola desejando abandonar o quarto-jazigo e talvez, entrar em contato com a natureza. Andou rumo à porta, virou a maçaneta, puxou-a, a porta não abriu; tentou novamente e não achou saída. Até pensou em arrombá-la, porém, lembrou-se da janela. Pulou-a e foi direto à geladeira. Ao abri-la, constatou que nem tudo estava perdido; milagrosamente, ainda restava um garrafão de vinho barato à sua espera, não hesitou em pegar sua gigantesca caneca e no instante em que observou o relógio marcando meio-dia, riu de si mesmo erguendo um sorriso largo e amarelado de quem mesmo conhecendo a severidade existencial aprendeu a navegar por pura diversão, e como quem já se acostumou a trocar o dia pela noite, berrou: nunca é tarde demais para se dizer bom dia!

Imagem: http://terrorcontos.blogspot.com/

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