Escrevo pela ilusão de eternizar a beleza, pois é dessa poética que se alimentam os amantes da arte. O que realmente interessa-me é não frear o impossível: controlar as palavras - é a arte quem me guia. No momento em que as palavras me conduzem, mesmo levado pelas ilusões, exponho minhas únicas verdades... É nisto que contém sentido: tornar-me legível (para mim mesmo) mesmo com certa medida de obscuridade.
domingo, 24 de outubro de 2010
Tá faltando gente por Sergio Martins
Dentro da gente tá faltando gente...
Conflito entre gente e um estado indiferente...
Nas ruas e casas nada mais é como antigamente.
De coberturas luxuosas à palafitas do subúrbio fluminense,
vejo uma cidade-presídio, uma sociedade falida, cruel e circense
onde cada espaço ao humano pertinente
é um cárcere superlotado de indigente.
As Acácias, os Plátanos, os Sabiás e os Pardais escapam pela tangente,
tudo se transforma em cimento e máquinas exterminadoras de gente.
Anorexia da consciência anti-gente,
dementes achando que são gente,
bulimia dos valores, espiritualidade entorpecente,
ideologia da crença patética e inconsequente,
controle de natalidade chinesa, aborto da fé racional,
Somália magérrima, obesidade Suíça, surto universal,
eutanásia do tio Sam, crise econômica e geral,
alienação do amor, egoísmo do poder máximo ocidental,
os países de Calvino, de Lutero, de Maria e de Jesus se vingaram,
o cristianismo deixou a luta pacífica e as nações pobres é que pagam,
armas e petróleo, bombas no oriente, ódio mortal,
colete de bombas nas crianças, e o autoajuda? É o mal total,
depressão, solidão, síndrome do pânico, gripe aviária e suína,
diamantes africanos patrocinam carnificina,
política e religião fabricam gente banal,
piração da arte moderna e conceitual,
incapacidade de reflexão e crítica, burrice geral,
comodismo e pilantragem do planalto central,
o malandro querendo ser Deus contra o mundo-reles-mortal
ainda não se deu conta que o caminho de sua ambição é o pior final...
Acima de tudo, a violência cresce,
Ah! que saudade do tempo de adolescente,
até se via os E´ts, mas ainda existia muita gente,
pois toda gente só pode existir no estágio mágico da mente.
Cadê toda aquela gente sonhando em ser e fazer mais gente?
o capital faliu a fábrica de gente.
Monstros não pensam, não sentem,
apenas mentem, devoram toda a vida que querem,
robôs vendem e compram gente,
vampiros sugam o dinheiro da gente,
é a ditadura da moda contra-cultura-indecente,
demônios neo-liberalistas algozes de gente,
andróides de sangue quente
disparam balas que se acham na gente,
são entidades enfeitiçadas pela gula prepotente,
mulas sem cabeça atravessam continentes com drogas e armas,
a pátria-amada-mãe-gentil é moeda prostituta, são bruxas e madrastas,
múmias escravas do trabalho, juventude doente,
auto-aborto, infância furtada, velhice precoce, gente sem gente...
Gente do exterior (imagem que se vende) tem farsa na aparência reluzente,
gente do interior só quer plantar e colher – viver normalmente,
mas para o gado engordar, o camponês míngua na terra seca de gente,
é gente que morre sem ver gente,
é gente grande que nunca vem,
é gente pequena que só recebe o desdém...
Nas instituições, os dotes são por classe social – arte incompetente,
o conhecimento é elitista – toxinas no coletivo consciente,
a ciência não conhece o divã da psicologia, não quer arejar sua mente,
e mente que não sente a dor de saber que tá faltando gente,
que é celeiro do racionalismo frio, que para desumanizar o carente
adota modismos, filosofias e tecnologias sem felicidade vigente,
a graça de fazer o bem foi vulgarizada, virou moda, matéria de última-mente,
a imagem do miserável é o futuro dinheiro de quem se sente e não sente,
a pobreza é a fotografia cara, a pintura da exposição improducente,
é o prêmio nobel, o sustento artístico-narcisista-inconveniente,
é o drama-trágico no teatro de quem lucra porque consente
para o gueto ser palco e filme, e o seu mal, arma para a mídia maledicente,
com a poesia invalidada, sobram almas penadas– tudo fica intransigente,
o mundo é um cemitério, só há corpos– tá faltando gente,
e sem gente, tudo morre, tudo mata:
o clima mata, o ar mata, a terra tem mina que mata,
o alimento que mata a fome, contém agroquímicos que mata,
a água, quando não escassa, possui algo que mata,
a mata outrora fechada, agora, abre-se e mata,
destruição em massa, superaquecimento, desmatamento que mata,
a mata vai morrendo e o índio invoca os deuses da mata
e o espírito guerreiro de todo cara pálida para matar o que o mata...
Dentro da gente tá faltando gente...
Conflito entre gente e um estado indiferente...
Nas ruas e casas nada mais é como antigamente.
Desenho: http://glauciamarinho.wordpress.com/
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