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sábado, 2 de outubro de 2010

Não quero mais o megafone por Sergio Martins


Alarde! Pose pra foto. Na mídia, aquele galerão!
E o miserável como pano fundo na televisão.
Chá beneficente, donativos de grife no leilão...
Por que é que o playboy vai doar um milhão?

É chique dar rolé na favela, falar de Marx sem verdade;
ser o irmão franciscano da cultura material da felicidade.
É da hora sacar de aquecimento global,
vestir a camisa do novo comercial,
discutir sobre consciência ambiental,
consumação do que for cem por cento natural...

O burguês vai discursar, fotografou até mendigos pelo chão,
diz que é underground e de esquerda, que vive só de doação,
que seu protesto não é autopromoção, nem é para se justificar
perante a Deus, a consciência e nem ao povo que nele vai votar.


Enquanto todos esses prédios caírem,
os injustiçados, de greve não saírem,
nossos ricos e preços subtraírem
e meus pés da lama não saírem,

nesse quinto dos terceiros, nesse terceiro, o mundo e seus milênios
serão um terceiro setor com os seus promíscuos convênios.
O inocente agreste reza o terço,
crê que no terceiro dia a chuva vai ressuscitar,
mas quem vem de outro berço
quer terceirizar seu sertão que nunca vira mar.

Todavia, nem tudo está perdido, pois saiu na TV:
a religião prometeu o que a ciência olha e não vê,
a arte amola, mas a política garante cassação, dossiê
e ficha limpa depois de tanto teatro e todo cachê,
a estrela hollywoodiana adotou um negrinho,
o tio Sam só deseja fumar charuto cubano,
o salário vai aumentar mais um pouquinho,
o índice de violência diminuiu neste ano,
nosso bio-combustível é incomparável,
em toda a Duque de Caxias haverá água potável
e a escravizada máquina humana terá energia renovável.

Parei de rodar e me cansar sem nunca chegar,
não quero mais o megafone,
vou rodar na roda gigante e sambar,
não quero mais esse fone
que se ocupa ao ouvir o pobre gritar,
quero a modinha e um gramofone,
ária que exorciza sem falar e me faz silenciar.

Imagem: Google

2 comentários:

Eliseu Fiuza. Acesse: www.eliseufiuza.com disse...

Sempre o Sérgio...

Parabéns, nego véio. É impensável poesia com rima e tudo sendo tão contundente e oprtuna, sem perder, nem o sarcasmo, nem a seriedade.

Sempre o Sérgio...

japaweb disse...

Éee, Serginho. Somos espectadores do Teatro de horrores. Muito bom.. Parabéns, meu amigo!

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